Diário da Região
FILHA DA TERRA

Artista trans de Rio Preto participa de reality show da Amazon

Gaia do Brasil, a persona drag queen da artista trans Maria Clara Ferré, de Rio Preto, participa de reality show da Amazon apresentado por Xuxa Meneghel e Ikaro Kadoshi

por Hárlen Felix
Publicado em 10/04/2023 às 21:06Atualizado em 11/04/2023 às 11:27
Artista Maria Clara Ferré montada como a drag queen Gaia do Brasil (Divulgação)
Artista Maria Clara Ferré montada como a drag queen Gaia do Brasil (Divulgação)
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Reality show que estreia na plataforma Prime Video no próximo dia 14, “Caravana das Drags”, produção brasileira da Amazon apresentada por Xuxa Meneghel e Ikaro Kadoshi, tem a participação da artista trans Maria Clara Ferré, de 33 anos, que despontou na cena artística de Rio Preto como a drag queen Gaia do Brasil.

O programa acompanha dez artistas drag brasileiras em uma competição pelo título de “Soberana da Caravana”, enquanto elas viajam por várias cidades em um ônibus extravagantemente decorado. As participantes enfrentam desafios inspirados nas tradições culturais de cada cidade por onde a caravana passa, sendo avaliadas por um grupo de jurados composto pelas apresentadoras e convidados especiais. Ao final de cada episódio, uma drag é eliminada.

Para a artista rio-pretense, o reality show foi muito importante em seu processo de transgeneridade, ajudando a enfrentar medos que ainda tinha para se estabelecer plenamente como uma mulher trans. “Eu entrei no programa me identificando como uma pessoa trans, mas ainda estava em um processo de transição. Sai dele estabelecida como a Maria Clara que sou e sempre fui”.

Ela conta que já alterou seu nome nos meus documentos e a primeira coisa que fez quando voltou a Rio Preto foi tirar todas as peças masculinas que ainda havia no guarda-roupa e trocar todo o vestuário. “Eu já vivia de uma forma bastante feminina, mas acabei não deixando todos os meus hábitos masculinos por uma questão de medo. O reality show ajudou a enfrentar os meus medos”, conta.

Nascida em uma família de feirantes, Maria Clara trabalhou por muitos anos nas feiras de Rio Preto, experiência que ajudou na sua atuação como drag queen. Agora, ela continua morando na cidade, mas viaja constantemente para São Paulo e Rio de Janeiro, onde consolida seu trabalho como artista. Leia a seguir:

Diário da Região – Como foi seu contato com o universo das artes? Conte um pouco sobre o que veio antes da Gaia do Brasil se estabelecer?

Maria Clara Ferré – O meu contato com as artes foi ainda criança. Eu sempre gostei muito de dança, de artes plásticas, de desenho, de maquiagem. Eram coisas que eu gostava muito. Fui conhecer a arte drag um pouco mais tarde, por volta dos 16 anos. Eu achava algo incrível, mas não fazia. Comecei a me montar muito cedo, mas não como drag queen. Era apenas para expressar o meu lado feminino mesmo. A Gaia foi a junção disso tudo. Eu juntei a dança, algo que fazia desde criança, as artes plásticas e, depois, fui desenvolvendo as outras coisas como a costura e toda a parte de design.

Diário – O que a Gaia do Brasil representa para você hoje? É a sua personalidade, é o seu gênero? Quais os limites entre a artista e a pessoa quando se trata de você?

Maria Clara – A Gaia representa para mim o meu trabalho. A Gaia é o meu trabalho, é a arte que eu faço, que é a arte drag. Ela não é a minha personalidade, mas uma personagem que eu criei. A identidade de gênero não tem absolutamente nada a ver com a arte drag. A arte drag pode ser feita por qualquer pessoa independentemente do gênero. Eu sou uma pessoa trans, os meus pronomes são femininos e a arte drag acontece em mim dessa forma. A Gaia tem toda a expansão que eu como pessoa, a Maria Clara, não tenho. Sou uma pessoa mais tímida, mais reservada. A Gaia é muito comunicativa.

Diário – Você se lembra da primeira vez que se montou? O que você sentiu?

Maria Clara – A primeira vez que eu me montei foi aos 17 anos, em uma festa de aniversário minha. Foi superdivertido e superengraçado, mas eu não tinha pretensão nenhuma de fazer arte drag. Eu me montei nessa ocasião e me montei mais vezes, mas era só para sair, para ir à balada. Era algo mais identitário, de conseguir colocar para fora o meu lado feminino. A Gaia mesmo começou a vir nos últimos cinco anos, desde que comecei a desenvolver esse projeto, que seria o Projeto Gaia, uma forma de conseguir unir todas as minhas especialidades em artes num só espaço, num só corpo e numa só personagem.

Diário – Você não mora mais em Rio Preto? Onde você está morando atualmente e como que surgiu o convite para o reality show?

Maria Clara – Eu continuo morando em Rio Preto. Minha sede é aqui, minha família é daqui, porém eu passo grande parte do mês trabalhando. Como a cena artística de Rio Preto tem pouco espaço para artistas drags, eu fico mais no eixo Rio-São Paulo, onde tenho uma base maior de contratos e consigo trabalhar mais com a minha arte. O reality show surgiu da coordenadora de casting Milla Godoy. Eu fiz uma inscrição, mas já estava na lista de possíveis contatos dela. Foi uma experiência incrível.

Diário – Como é para você sair de uma cena em que se paga muito pouco por um show de uma drag - que gasta muito em produção e faz isso por amor – e estar sendo valorizada pela sua arte?

Maria Clara – A cena drag é bastante desvalorizada principalmente pelo próprio meio LGBTQIA+ em termos de oportunidades de trabalho. Fora do meio é bem diferente, você tem uma acolhida maior e as coisas acontecem com uma facilidade maior. As oportunidades que os produtores de eventos LGBT nos proporcionam são apenas para entretenimento noturno e, quando a gente olha todas as possibilidades que o audiovisual propõe, tudo o que pode ser feito a partir de uma personagem drag, a gente percebe que infelizmente a cena LGBT noturna é muito voltada só para a diversão e a arte drag acabou não cabendo mais ali.

Diário – Você acredita que o fato de ter sido feirante influenciou de alguma forma no jeito da Gaia do Brasil se estabelecer?

Maria Clara – Sim, a minha experiência como feirante influenciou muito na forma como eu lido com as pessoas. A naturalidade, a alegria, a diversão, a comunicação, o carisma. Tudo isso são coisas importantes para criarmos relações interpessoais e trazermos o público para viver essa realidade com a gente. Com certeza, o fato de ser feirante influenciou bastante no modo de lidar com as pessoas e saber com qual chave vou abrir cada porta.