Diário da Região
MERCADO EDITORAL

Mercado editorial de Rio Preto tem muitos autores, mas poucos leitores

O isolamento social e o avanço das redes sociais despertaram o ‘lado escritor’ de muita gente. A notícia seria excelente para o mercado editorial local, se não fosse o fraco hábito de leitura

por Rita Fernandes
Publicado em 24/09/2021 às 20:07Atualizado em 25/09/2021 às 08:20
Lelé Arantes, da THS Editora (Divulgação)
Lelé Arantes, da THS Editora (Divulgação)
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A reclusão imposta pela pandemia de Covid-19 ajudou muitas pessoas a redescobrir o prazer de escrever e colocar no papel (ou melhor, na tela do computador) seus sentimentos, histórias e conhecimentos acadêmicos ou profissionais. O despertar pelo gosto da escrita resultou em um aumento do número de novos escritores locais. Mas o que deveria ser uma boa notícia para o mercado editorial de Rio Preto é, na verdade, a constatação de um problema nacional: o déficit de leitores.

“Ao obrigar a todos a ficar em casa, a pandemia do coronavírus de certa forma se tornou uma oportunidade para as pessoas se expressarem na literatura, ainda que muitas vezes para satisfazer o ego. Escreve-se pelo prazer de publicar, de ser prestigiado pelo menos por amigos”, observa Edmilson Zanetti, fundador da editora Ponto Z.

A escritora e tradutora Patrícia Reis Buzzini, chanceler da Academia Brasileira de Escritores (Abresc), destaca que Rio Preto é uma cidade privilegiada por ter grandes universidades que estão formando um público com grande potencial para produzir livros para as editoras locais. “Não é à toa que existem várias editoras boas e de qualidade. Cada uma tem um nicho, seja literatura infantil, textos acadêmicos ou escritores iniciantes”, afirma. Além disso, observa a importância das antologias locais, que envolvem os escritores em projetos que depois resultam em livros.

Para o presidente da Abresc e fundador do Grupo Editorial HN, João Paulo Vani, as redes sociais também contribuíram para esse boom literário. “O crescimento da procura por publicações se deve à força das redes sociais, que provou que todos podem produzir conteúdo.

João Paulo Vani (Guilherme Baffi 24/4/2018)
João Paulo Vani (Guilherme Baffi 24/4/2018)

Mercado

“Acho que nós não estamos vivendo esse boom. Esse boom é enganoso”, afirma o jornalista e historiador Lelé Arantes, fundador da THS Editora . “Quando eu abri a minha editora, em 1997, não tinha nenhuma funcionando em Rio Preto. Naquela época chegamos a produzir 16 livros por ano, o que eu considero uma média muito alta para a cidade. Acredito que hoje Rio Preto continua produzindo essa média anual, mas a cidade tem pelo menos seis editoras. Não tem mercado para isso”, explica.

Na opinião de João Paulo Vani, o problema do mercado editorial é a falta de leitores. “A cidade tem boas editoras, mas sobre demanda, vejo um problema um pouco maior: não adianta lançarmos novos autores sem um trabalho sério de formação de leitores”, observa.

Justamente por isso, Edmilson Zanetti é categórico: “Ninguém sobrevive de livros aqui.” Lelé diz que sempre acreditou no mercado, mas muitas vezes teve que colocar dinheiro do bolso para manter a empresa aberta. “Eu nunca dependi da editora para viver. Sempre tive o segundo e o terceiro emprego para poder viver”, destaca.

País precisa formar leitores

A formação de novos leitores é um desafio nacional. Edmilson Zanetti observa que, atualmente, um bebê de um ano sabe mexer no celular, mas provavelmente nunca pegou em um livro de papel. “Considero importante uma mudança na rede pública de ensino, especialmente no fundamental, que estimule a criança a ler mais. Este é um desafio grande para o mundo moderno e uma ameaça à cultura literária, de uma forma geral”, destaca.

Patrícia Reis Buzzini diz que o Brasil deveria seguir modelos de outros países. “O ensino canadense é focado na leitura, reflexão em conjunto e na capacidade de argumentação”, destaca. “Na França e Inglaterra, existe a disciplina de mídia e educação, que nada mais é que orientar o jovem ao que é publicado nas redes sociais, mostrando quem publica e com quais objetivos, para que ele tenha discernimento.” Para Vanilda Tanios, a formação de novos leitores “é um desafio bastante gratificante de ser enfrentado, visto os benefícios que a leitura proporciona tanto para o lazer, quanto para a saúde de quem os adquire.” (RF)

Clubes estimulam a leitura crítica

A escritora e tradutora Patrícia Reis Buzzini, responsável pelo Clube de Leitura da Abresc, diz que os clubes de leitura de Rio Preto têm a missão de estimular a leitura e promover a reflexão e o pensamento crítico, principalmente neste período de pandemia.

“Participo de um grupo há mais de 5 anos, coordenado pela escritora Vera Milanese, e durante a pandemia surgiram mais dois: o Clube de Leitura da Abresc, que eu coordeno, e o grupo da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec), coordenado pela Nídia Vaccari Puig”, explica. “Estamos aproveitando essa onda de reclusão para estimular a leitura. Escolhemos um livro, a ser lido por todos, e marcamos reuniões bimestrais ou mensais, para falar dessas obras.”

Vanilda Tanios, do Clube de Assinatura Travessias, diz que os grupos ajudam a inserir a leitura na vida dos adultos. O hábito da leitura entra na alma, proporcionando muito além do prazer, um crescimento pessoal, uma válvula de escape para o estresse e uma ampliação de olhares para a vida”, diz. (RF)

Falta valorização, dizem editoras

“Vender livro é uma atividade muito difícil e, muitas vezes, frustra os novos autores.” A afirmação é de João Paulo Vani, do Grupo HN, para justificar o motivo pelo qual a incidência de autores com um único título publicado seja muito grande. “Em círculos mais restritos, percebo que o rio-pretense demonstra admiração pelo autor local, mas isso não se reverte em vendas ou leitura do livro publicado”, avalia.

Edmilson Zanetti, da Ponto Z, explica que dificilmente se coloca livro de autor local em livraria, porque ninguém compra. “A venda é no boca a boca, por meio de redes sociais. Uma tiragem de mil exemplares, para um livro autoral, é quase uma façanha, aqui. “A cultura de Rio Preto é uma síntese da cultura nacional, do ponto de vista de leitura. Lê-se muito pouco, quase nada. Quem prestigia escritores daqui são amigos”, diz.

Lelé Arantes, da THS Editora, também concorda. “São poucas as pessoas que compram os livros desses escritores. O rio-pretense acha que o autor local tem que dar o livro de presente”, diz.

Na opinião de Vanilda Tanio, do Clube de Assinatura Travessias, os leitores não conhecem os escritores locais. Já a escritora Patrícia Reis Buzzini afirma que o rio-pretense segue a tendência nacional, de optar por títulos mais comerciais. (RF)

Ebook ainda não decolou na região

O fundador da THS Editora, Lelé Arantes, diz que o mercado de ebook ainda não decolou para o mercado editorial de Rio Preto. Quem concorda é Edmilson Zanetti, do Ponto Z. “O ebook é uma alternativa bacana, econômica para o autor, mas pressupõe um púbico jovem como leitor, que, infelizmente, é o que menos lê. Tenho amigos mais velhos que deixam de ler determinado livro, que só foi lançado em ebook, pela dificuldade de acesso ou de navegação. Ou pelo gosto, mesmo, de folhear papel”, destaca.

João Paulo Vani, do Grupo HN, acredita que “a relação entre livro e leitor é uma relação de amor.” Segundo ele, o leitor habitual gosta do livro e do cheiro do livro novo. Mas o ebook vem encontrando adeptos, principalmente pela facilidade de acesso, pelos milhares de títulos disponíveis gratuitamente”, observa.

Vanilda Tanios, do Clube Travessias, acredita que o ebook é tendência. “A dificuldade ou lentidão em decolar pode estar ligada ao desconhecimento das obras e gênero literário para ebook. (RF)