Livro físico ou e-book? Diferentes versões dividem leitores de Rio Preto
Análise sobre o mercado de livros impressos em tempos de e-books encerra a série ‘Bibliotecas na Era Digital’

Yang é um jovem herói, irônico e curioso, que nasceu em 2015 já com seus 11 anos de idade. E assim como essa nova geração, Yang nasceu digital. O personagem de história em quadrinhos, criado pelo quadrinista e ilustrador Orlandeli, fez o caminho inverso entre o papel e a internet, já que as tiras começaram a ser publicadas semanalmente nas redes sociais e, posteriormente, a trilogia da saga ganhou versão impressa. E essa relação entre passado e futuro, tipografia e tecnologia, encerra a série “Bibliotecas na Era Digital.”
“Eu penso que, mesmo com o avanço das mídias digitais, o livro físico não deixará de existir tão facilmente. A experiência de leitura vai um pouco além de ‘consumir o conteúdo’, principalmente quando falamos de obras que despertam certa relação afetiva com seus leitores. ‘O Mundo de Yang’ é um exemplo: a história já estava toda no site, mas isso não impediu que muitos leitores adquirissem a edição impressa”, afirma Orlandeli. “Muito pelo contrário, alguns leitores fizeram questão de comprar a edição impressa justamente depois de conhecer a história no digital”, destaca.
Para Orlandeli, o mais comum são leitores que já tinham o hábito de consumir o livro físico, migrarem para a praticidade de um Kindle e arquivos compartilhados, entre outros. “Penso que para quem não tem o hábito de ler, um PDF na tela é bem menos sedutor do que uma edição bem cuidada de um livro impresso. Uma boa edição física, bem editada e com projeto gráfico bem executado, sempre foi uma das melhores formas de inserir alguém no mundo da leitura”, observa.
O médico cirurgião Toufic Anbar Neto, diretor da Faceres, é um desses leitores vorazes que está migrando do livro físico para o digital. Escritor e membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec), Toufic é dono de uma biblioteca particular com mais de 5 mil exemplares, além da biblioteca da faculdade.
“Já estou fazendo a transformação da minha biblioteca para o digital. Hoje, 80% dos livros que leio são digitais por serem mais práticos. Tenho livros no tablet, pen drive, nas nuvens e no computador”, comenta. “O mundo muda sem você perceber. Eu, ao contrário de muitos amigos, me adaptei a ler pelo computador. Tenho muitos amigos cultos, leitores vorazes como eu, que resistem à mídia digital”, comemora.
“A leitura preenche a minha vida, a minha pessoa, mas eu não cobro esse tipo de comportamento dos outros. Não consigo me imaginar sem ler os quatro jornais impressos ainda pela mãe e cerca de seis livros por semana, além das revistas semanais”, conta. “A leitura ajuda a conduzir os negócios, compor cenários, a lidar com as pessoas e a conhecer as pessoas com as quais você está lidando. Você se informa, se emociona, pensa e faz reflexão”, explica Toufic.
A Coisa
“A Coisa” é a mais nova HQ de Orlandeli, uma das vencedoras do Proac 2020, e que entra em pré-venda hoje, pelo Catarse (www.catarse.me/acoisa). Segundo o quadrinista, "A Coisa” é uma criatura peluda, grotesca e apática, que passa a perseguir Astolfo, o personagem central. “É preciso falar das doenças emocionais. Precisamos nos relacionar com as coisas da vida. Tem muita gente que vê a coisa diariamente. E, só de saber que você não está sozinho, ajuda um pouco a conviver com ela”, comenta.
Inovações assustam
Assim como a tecnologia é uma revolução que ameaça muitos profissionais, a impressão foi uma revolução que acabou com muitos ofícios, entre eles o de copista (pessoa que transcrevia ou fazia cópias das bíblias e das Escrituras). A comparação é feita pelo pecuarista e empresário Antonio Cabrera Mano Filho, dono da maior coleção de bíblias do Brasil, composta por 12 mil exemplares. A biblioteca particular de Cabrera tem, ao todo, 63 mil exemplares.
“Quando Johann Gutenberg publicou a primeira bíblia impressa, em 1455, havia a mesma preocupação. No entanto, ele deixou que as capitulares (letras iniciais em maior dimensão que o restante do texto) fossem feitas pelos copistas, como uma forma de manter seus ofícios”, conta, mostrando o fragmento do incunábulo conhecido como a “Bíblia de Gutemberg.”
E independente da “tecnologia” mais avançada para sua época, a Bíblia Sagrada continua sendo o livro mais vendido do mundo. Segundo a Sociedade Bíblica do Brasil, o livro foi traduzido para quase 3 mil idiomas e ocupa o primeiro lugar do ranking há mais de 50 anos. Estima-se que mais de 3,9 bilhões de exemplares tenham sido vendidos no mundo. (RF)
Formatos de e-book
Epub
Formato de arquivo gratuito, independente de fornecedor, e um dos mais comuns.
Mobi
Formato utilizado pelo Kindle e parecido com Epub, mas lido por um número menor de leitores.
AZW e AZW3
As extensões AZW e AZW3 são os dois formatos de e-books da Amazon.
IBA
Formato usado para livros criados no aplicativo iBooks da Apple. Tecnicamente semelhante ao Epub, mas depende do código do widget personalizado no aplicativo da Apple Books.
Formato mais popular de e-books.
LRS, LRF e LRX
São extensões de arquivo para o formato de e-book de banda larga.
DJVU
Popular na comunidade científica, com uma compressão que é aproximadamente 10 vezes melhor que o PDF.
LID
Formatos LID (Literatura Infantil Digital), book app ou e-picturebook são incorporados pela literatura infantil em sua reconfiguração para o digital .
Bebê tem acesso a obras físicas e digitais

Não importa se o livro é físico ou digital. O que vale é manter a tradição de ler histórias para os filhos pequenos e, assim, construir uma relação de afetividade, criatividade e, especialmente, pautada pelo gosto da leitura. Assim, a engenheira civil Isabela Tonin Recco Martinelle, de Rio Preto, faz com o filho, Antônio Reco Martinelle, de 2 anos. Os livros infantis estão por toda parte, inclusive no celular.
“Desde bebê, uso os livros para estimular o desenvolvimento do Antônio. Ele tem muito interesse pelos livros sensoriais, com sons e texturas. É uma forma de brincar e despertar o gosto pela leitura, já que os livros passam a fazer parte da rotina”, destaca.
E embora seja importante oferecer livros impressos, Isabela não ignora o fato de o garoto pertencer à Era Digital. “Há pouco tempo conheci o formato de livros interativos, com histórias na palma da mão, com som, animação, ampliação da imagem conforme inclinação do celular. São conteúdos próprios para leitura com internet”, explica. (RF)
Digital não supre relação afetiva com livro

“Todo livro tem, no mínimo, duas histórias: uma que está escrita e outra afetiva. Pode ser a lembrança da infância, de quando ganhou ou comprou, uma dedicatória ou autógrafo e, até mesmo, o cheiro”, diz o jornalista e escritor João Paulo Vani, presidente da Academia Brasileira de Escritores (Abresc), de Rio Preto e fundador do Grupo Editorial HN.
Quem concorda é o jornalista, escritor e historiador Lelé Arantes, fundador da Editora THS. “Eu tenho vários livros em formato de e-book, mas mantenho minha preferência pelo impresso. Gosto de sentir o folhear, a aspereza do papel nos meus dedos e também o cheiro da tinta, além de riscar frases e informações que encontro nos livros e dobrar as pontas das folhas”, conta.
“Essa relação com o ‘objeto livro’, o digital não consegue suprir. Não é à toa que nunca se investiu tanto na materialidade do livro. Editoras têm produzido obras com um projeto gráfico muito diferenciado, alguns até artesanais mesmo”, diz o quadrinista e ilustrador Orlandeli
“O que deve acontecer é um filtro onde o leitor vai decidir qual tipo de suporte atende melhor a experiência que quer ter com cada obra . O que é ótimo”, afirma.
“Sou um grande consumidor de livros digitais. Gosto muito da praticidade. Tem muitas vantagens: fácil de carregar, dá para ler à noite, dicionário, compra com recebimento imediato. Mas não gosto de ler em tela de computador, celular ou Ipad. Tenho um Kindle que me acompanha em todas as viagens. Leitores de e-book são desenvolvidos especificamente para leitura e tornam a experiência muito mais agradável”, diz Orlandeli.
Projeto gráfico
Orlandeli afirma que faz questão de ler alguns livros no impresso. “Um projeto gráfico atento ao contexto da obra te coloca em outro nível de imersão. Quadrinhos, eu leio quase 100% no impresso. O desenho impresso é bem mais interessante de se ver do que na tela. A própria escolha do papel da obra pode contribuir com determinado tipo de arte ou contexto da história. Sem falar que, nos quadrinhos, se usa muitos recursos que funcionam melhor no livro impresso, uma cena em página dupla, virada de página”, explica.
Nesse sentido, Orlandeli destaca que editoras e livrarias devem ficar muito atentas. “Para o autor não muda muita coisa, penso eu. Quem precisa ficar atento é toda a cadeia que faz o livro circular e ser comercializado. Acredito que existe espaço tanto para o impresso como para o digital”, diz. (RF)