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Cactos servem de alimento bem antes de reality show 'No Limite'

Plantas de regiões de clima desértico ou semi-árido, os cactos são usados como alimento muito antes de matar a fome de competidores de "No Limite"

por Hárlen Felix
Publicado em 21/07/2021 às 23:04Atualizado em 22/07/2021 às 07:52
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A palma, ou nopal, é uma espécie de cacto bastante consumido no nordeste brasileiro, sendo usado também como forragem animal (Pixabay/Reprodução)
A palma, ou nopal, é uma espécie de cacto bastante consumido no nordeste brasileiro, sendo usado também como forragem animal (Pixabay/Reprodução)
A palma, muito consumida no nordeste do Brasil: todas as espécies de cactos dão flores e frutos (Pixabay/Reprodução)
A palma, muito consumida no nordeste do Brasil: todas as espécies de cactos dão flores e frutos (Pixabay/Reprodução)
Queridinha por quem consome pancs, a ora-pro-nóbis pertencem à família Cactaceae (Pixabay/Reprodução)
Queridinha por quem consome pancs, a ora-pro-nóbis pertencem à família Cactaceae (Pixabay/Reprodução)
O mandacaru é outro tipo de cacto muito consumido no Brasil (Pixabay/Reprodução)
O mandacaru é outro tipo de cacto muito consumido no Brasil (Pixabay/Reprodução)
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No reality show de resistência “No Limite”, cuja última temporada chegou ao fim na Globo na terça-feira, 20, muita gente ficou surpresa ao ver alguns dos concorrentes recorrendo a um cacto para matar a fome. Apesar de não ser algo tão comum no sudeste e sul do Brasil, várias espécies de cactos podem ser consumidas como alimento.

Natural da Bahia e morando em Rio Preto há três meses, a técnica de enfermagem Uana Santos Carvalho, de 19 anos, é apaixonada por palma, uma espécie de cacto que é muito consumida no nordeste brasileiro. “Sempre quando alguém viaja para a Bahia eu peço para trazer palma. Não consegui achar para comprar aqui, em Rio Preto”, conta.

Uana consome a palma refogada com carne de sol, torresmo ou carne moída. “Tiro todo o espinho do cacto, corto bem picadinho e fervo com vinagre. Depois, lavo ele na água fria, tempero e faço as combinações. É um dos pratos que mais gosto”, diz.

Entusiasta da gastronomia, o administrador Francisco Cozeto, de Rio Preto, já teve a oportunidade de consumir cactos como alimento em duas ocasiões. A primeira vez foi nos anos 1980, na cidade de Jacobina, no interior da Bahia, onde experimentou a palma. “A palma havia sido refogada com bastante tempero e vinha com toucinho fresco. Achei bem gostoso. Ela tem uma textura muito parecida com a de uma abobrinha e traz um pouco daquela gosma do quiabo”, relembra ele, que, há cinco anos, em viagem pelo Panamá, também teve a oportunidade de saborear a palma, que naquele país é chamada de cacto nopal. “Esse cacto foi servido com ovo, tomate e cebola picadinha, e vinha acompanhado de uns ‘patacones’ [iguaria feita de pedaços de bananas verdes fritas que se assemelha a uma batata chips]. Também comi a fruta do nopal, que lembra muito o figo no sabor.”

Pancs

Professor do Departamento de Ciências Biológicas do Ibilce/Unesp, o biólogo Luís Henrique Branco destaca que os cactos podem ser considerados pancs (produtos alimentícios não-convencionais), já que nascem espontaneamente na natureza. No entanto, ele sinaliza quem nem todas as espécies de cactos - que pertencem à família Cactaceae - são comestíveis. “Tratam-se de espécies que não são exatamente tóxicas, mas que apresentam uma acidez muito forte, podendo causar vômitos e desarranjos intestinais. Há também espécies que são alucinógenas. Ainda há fatores como o difícil manejo devido à presença dos espinhos. Há cactos que têm muitos espinhos e exigem cuidado”, comenta. “Mas os espinhos dos cactos não são venenosos. Isso é mito. Eles podem causar um dano físico, mas não são venenosos”, acrescenta.

Segundo o biólogo, as características marcantes dos cactos, como o caule mais espesso e a presença de água e espinhos, representam modificações que as espécies dessa família sofreram para se adaptar a regiões onde a água é restrita. “É o que na botânica chamamos de síndrome. Ao longo de seu processo evolutivo, essas modificações foram geradas para que a planta ocupasse ambientes secos. Por isso, os cactos são comuns em regiões de clima desértico e semi-árido”, declara.

Luís Henrique ainda informa que os cactos são originários da América e que somente no Brasil são cerca de 300 espécies, das quais 200 são endêmicas, ou seja, nascem apenas por aqui. Entre os cactos mais consumidos no País, ele aponta o facheiro (Pilosocereus pachycladus), xiquexique (Pilosocereus polygonus), mandacaru (Cereus jamacaru), coroa-de-frade (Melocactus) e palma (Opuntia ficus-indica), que também é usada como alimentação animal. Agora vem o melhor: você sabia que a ora-pro-nobis (Pereskia aculeata), a mais adorada por quem consome pancs, também é um cacto? Ou seja, você já pode ter consumido uma Cactaceae sem saber.

Outro aspecto marcante apontado pelo professor do Ibilce/Unesp é que todo cacto dá flores e frutos. Um fruto de cacto que é bastante conhecido na região de Rio Preto é a pitaia, também conhecida como fruta-dragão. “Se eu estivesse perdido no deserto e encontrasse um cacto, a primeira coisa que procuraria nele para consumir é o seu fruto. O hábito de consumir o caule surgiu de uma necessidade de driblar a escassez de alimento, ou seja, não tinha outra coisa para se comer. Por isso, acredito que os cactos não venham a se tornar um alimento rotineiro na mesa brasileira.”