Sete em cada dez veículos rodando em Rio Preto têm mais de dez anos
Um trabalhador brasileiro que ganha até um salário mínimo necessita trabalhar ininterruptamente por aproximadamente quatro anos e meio, sem gastar nada, para comprar o carro zero quilômetro mais barato do mercado

Sete em cada dez veículos de Rio Preto têm mais de dez anos de uso (69,8%). Há uma década, metade da frota rio-pretense (47,7%) tinha essa idade. Em compensação, a parcela de veículos seminovos – com até dez anos – caiu de 52,3%, em 2014, para 30,2%, em 2023. É o que aponta levantamento feito pelo Diário com base em dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).
O envelhecimento da frota de veículos da cidade é influenciado, principalmente, pelo alto preço do carro zero quilômetro. Para ter uma ideia, atualmente, um trabalhador brasileiro que ganha até um salário mínimo necessita trabalhar ininterruptamente por aproximadamente quatro anos e meio – 54 meses -, sem gastar nada, para comprar o carro zero quilômetro mais barato do mercado brasileiro: o hatchback Renault Kwid, com motor 1.0, cujo preço gira em torno de R$ 70 mil.
“Historicamente, são as condições socioeconômicas de nossa população que fazem com que muitos usem veículos velhos como ferramenta de trabalho ou meio de locomoção. Mais recentemente a pandemia e a crise dos semicondutores limitaram a oferta de veículos zero quilômetro, levando muitas pessoas a adiar a troca do carro ou comprar um usado”, disse Henry Joseph Junior, diretor técnico da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Porém, o que parece ser uma saída, hoje, pode sair caro amanhã. A falta de uma política de incentivo à renovação da frota de veículos junto com a inexistência de uma ação pública de incentivo ao uso do transporte coletivo em cidades de médio porte têm feito com que a taxa de motorização – relação entre a quantidade de veículos e a população – cresça exponencialmente na cidade.
Em Rio Preto, por exemplo, em dez anos, a frota de veículos passou de 340.813, em 2014, para 423.663 veículos neste ano. Um aumento de 80%.
Ao mesmo tempo, dados da Secretaria Municipal de Trânsito apontam que o número de passageiros no transporte coletivo de Rio Preto caiu. De 33.990.470 de passageiros transportados em 2014, a cidade transportou 22.882.225 de passageiros em 2022. Uma queda de 32,7%. É como se em dez anos um terço dos rio-pretenses deixasse de andar de ônibus.
O problema é que quando se coloca mais veículos nas ruas aumenta a quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera. Em Rio Preto, o setor de energia, relacionado aos transportes, aparece como principal vilão para emissão de gases que contribuem para o aquecimento global.
Isso porque é a partir da queima do combustível fóssil – gasolina e diesel – que a poluição acontece.
No caso de carros mais velhos, devido seus recursos tecnológicos serem de uma época que a indústria automobilística não tinha tantos dispositivos de retenção de gases do efeito estufa, como hoje, a quantidade de emissão tende a ser maior.
“O envelhecimento da frota acarreta o aumento da circulação de veículos sem manutenção, degradação dos sistemas de controle ambiental, como componentes de motor, catalisadores, óleo, velas, demais componentes, sem falar nos problemas de segurança veicular”, diz Marcus Vinícius Aguiar, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA).
Brasil
No Brasil, um estudo do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) apontou que a idade média dos veículos brasileiros vem aumentando desde 2014. No período, o envelhecimento elevou-se em quase dois anos.
Para ter uma ideia, em 2014, a idade média era de 8 anos e 6 meses. Em contrapartida, atualmente, a idade média dos veículos brasileiros é de 10 anos e 7 meses, sendo de 10 anos e 9 meses para automóveis e 8 anos e 5 meses para motos.
"Um veículo antigo polui mais de cinco vezes que um veículo novo. As reduções dos poluentes são maiores que 80%. Agora, não é só a idade que importa, pois um veículo novo, sem a manutenção periódica em dia, mal regulado, também polui mais que um ajustado aos padrões de fábrica. Daí a necessidade da inspeção técnica veicular (ITV), que vai garantir não somente as emissões em conformidade com a norma, mas, também, a conformidade de todos os itens de segurança, evitando acidentes e custos para a sociedade", apontou George Rugitsky, diretor de Economia e Mercados do Sindipeças.
Incentivo ao transporte coletivo

Especialistas em mobilidade urbana e meio ambiente defendem que o discurso sobre a descarbonização do setor de transporte brasileiro não deve se ater apenas à renovação da frota de veículos, mas reforçar o incentivo ao transporte coletivo.
“Precisamos tomar cuidado para não achar que será apenas renovando a frota que vamos estar ajudando o planeta. Em regra, quando a pessoa tem um carro mais velho, ela roda bem menos, pois usa o carro para ir e voltar do trabalho. Até porque, normalmente, não tem condições de ficar abastecendo a todo momento”, ressaltou Glaucia Pereira, fundadora do Instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana.
Segundo ela, quem realmente anda mais de carro são os donos de veículos mais novos. “E não é porque ele tem um carro mais novo que ele não está poluindo, até porque a maioria dos veículos novos ainda continua sendo movido por combustíveis fósseis. Ou seja, a questão não deve ser o carro mais novo ou não, mas se ele é ou não movido a combustíveis fósseis”.
Glaucia também defende a melhora no transporte coletivo das cidades como a grande questão que precisa ser discutida no Brasil para descarbonização do setor de transportes. “Ninguém anda de ônibus porque quer. As pessoas vão porque vão trabalhar ou estudar. O problema é que, hoje em dia, no país, as condições do transporte coletivo de muitos municípios têm feito as pessoas não irem até ao trabalho de ônibus.”
Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), afirma que outro caminho para o Brasil conseguir diminuir a emissão de gases do efeito é uma política de incentivo aos veículos elétricos. “Quando o combustível fóssil é queimado no motor de um carro ou caminhão ele emite gases do efeito estufa, principalmente o CO2. Precisamos pensar em combustíveis renováveis e na eletrificação da nossa frota”, ressaltou.
Para ele, é necessário ainda que o país passe a escoar mais suas mercadorias por outros meios de transporte, como ferrovias e hidrovias. “Mais do que nunca necessitamos mudar nossa consciência modal.”
Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostram que, atualmente, o trasporte rodoviário é responsável por 65% do transporte de cargas e 90% do de passageiros. (RC)
Poluição do trânsito mata

Diferentemente do que muita gente imagina, a poluição, principalmente a da frota de veículos, já mata mais do que acidentes de trânsito. Dados do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS) mostram que a emissão de gases do efeito estufa causa mais hospitalizações e mortes do que acidentes de trânsito no Estado de São Paulo.
Em 2021, foram 4.844 mortes no trânsito do Estado, de acordo com o Sistema de Informações de Acidentes de Trânsito (Infosiga), contra 12 mil causadas pela poluição do ar, segundo o ISS.
Em Rio Preto, o último estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS) por municípios do Estado, apontou que, em 2011, 213 mortes foram causadas pela poluição do ar na cidade. No mesmo ano, 100 pessoas morreram vítimas de acidentes de trânsito.
Apesar de não aparecer como causa no atestado de óbito, Evangelina Vormittag, presidente do ISS, explica que a poluição é a grande causadora de várias doenças que matam brasileiros. “A poluição é um problema invisível, pois não é palpável como uma vítima acidentada. A água, por exemplo, se está suja ninguém toma. No caso do ar as pessoas não conseguem visualizar e respiram ele poluído o tempo todo.”
Como forma de renovar a frota de caminhões brasileiros, no ano passado, o governo federal lançou o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País (Renovar). O objetivo é tirar de circulação os caminhões de mais de 30 anos de uso.
“No caso dos veículos pesados, o programa Renovar já está aprovado e prestes a entrar em operação, oferecendo incentivos a donos de caminhões e ônibus que queiram tirar das ruas modelos com mais de 30 anos de uso. Mas já há conversas com o governo federal no sentido de criar um programa semelhante para veículos leves, como carros”, afirmou Henry Joseph Junior, diretor técnico da Anfavea. (RC)