Sites de apostas movimentam R$ 2 milhões por semana na região de Rio Preto
Região de Rio Preto tem ao menos 40 sites de apostas esportivas. Sem regulamentação, atividade não é crime, mas portais precisam ser hospedados fora do País





Sites de apostas ganham espaço e movimentam um mercado milionário que reúne uma legião de apostadores anônimos. São pessoas que tentam a sorte ao indicar os resultados de jogos de futebol, de basquete, de vôlei, de tênis, do UFC, de boxe e até de e-sports.
A estimativa é de que ao menos 40 portais estejam em funcionamento na região de Rio Preto, arrecadando cerca de R$ 2 milhões por semana. O crescimento do setor é devido à promessa do governo federal de regulamentar as bancas de apostas esportivas até o início de 2022. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que o País deixa de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões pela falta de regulamentação do mercado.
O valor mínimo da aposta é de R$ 2 e, dependendo do tamanho da banca, o limite máximo chega a R$ 3 mil. Mas um apostador pode fazer várias apostas. O valor máximo da premiação, no entanto, pode variar. Um site de Rio Preto estipulou limite de até R$ 50 mil para realizar pagamentos aos seus apostadores.
O Diário conversou com os chamados cambistas, que têm a missão de validar as apostas junto aos sites. Isso porque o sistema não deixa o próprio jogador fazer seus jogos - como ocorre com os portais mais conhecidos na Europa, em que o pagamento é feito a partir do cartão de crédito. Os cambistas ou colaboradores recebem comissões de até 20% em relação à quantidade de apostas, o que representa entre R$ 100 e R$ 3 mil por semana.
Essas pessoas, que pediram para não ser identificadas, contaram que existe uma hierarquia formada ainda por gerentes ou coordenadores, até chegar aos donos dos sites, que na sua maioria dos casos são empresários. Na posição de cambistas e gerentes haveria também empresários, profissionais liberais e, até policiais militares.
No meio, porém, impera a lei do silêncio em relação a nomes ou qualquer tipo de identificação dos envolvidos neste mundo das apostas esportivas na região. "Dá dinheiro para quem é da banca. Quando eu era cambista, eu entrava no site. O apostador mandava o código para mim e fazia o Pix. Eu acertava com o coordenador as apostas”, afirmou um dos cambistas ouvidos pelo Diário.
Um dos motivos apontados para resguardar as identidades é a ausência de uma legislação para o setor, atrelada à reputação do mercado - que não é boa para parte da população. Por isso, a maioria dos cambistas e apostadores são identificados nos bilhetes apenas por apelidos, já que as apostas estão associadas ao vício em jogo. Quem participa, no entanto, afirma que a regulamentação poderia elevar o setor à condição de entretenimento.
A reportagem conseguiu também contato com o sócio proprietário de um site de Rio Preto. Ele não quis detalhar a operação do negócio e resumiu dizendo: “tem semana que se ganha dinheiro e outra que se perde”. “A nossa expectativa é a de que a regulamentação pelo governo (federal) aconteça até o início do próximo ano”, disse.
Pesa contra o mercado ainda a existência da Lei de Contravenções Penais, que impede a exploração ou estabelecimento de jogos de azar no País. Um dos argumentos dos integrantes do setor de apostas, no entanto, é de que não se trata de jogo de azar, mas de conhecimento dos jogos esportivos. Ou seja, não dependeria apenas de sorte para o apostador ganhar.
Os proprietários de sites se agarram ainda à lei sancionada em 2018, que legalizou as apostas esportivas, desde que com cota fixa, ou seja, com predefinição de ganho em caso de sucesso na aposta. Mas, os sites de apostas locais ainda precisam ser hospedados em servidores no exterior para poder operar no país e, por isso, sequer tem escritórios.
(Colaborou Arthur Pazin)
Psicólogas fazem alerta sobre jogatina
Psicólogas alertam para o risco de apostadores ficarem viciados no jogo. "Essas pessoas são diagnosticadas como jogadores compulsivos", afirmou a coordenadora do Departamento de Psicologia da Unip de Rio Preto, Rosana Garcia, ao dizer que o apoio da família é fundamental. "Mas é necessário que esta pessoa passe por uma avaliação psicológica e também, se necessário, por avaliação com psiquiatra. Este momento de pandemia tem colocado as pessoas em situação de vulnerabilidade".
E a possibilidade de jogar online potencializa os riscos. "É preciso buscar ajuda profissional, inclusive, em grupos de apoio", disse Rosana.
Para a psicóloga Patrícia Longui Cassiano, o risco é o desequilíbrio não só na vida financeira. "Muitas pessoas com esse tipo de comportamento passam a se ausentar da convivência familiar. Também não cuidam tanto da saúde pois podem jogar e esquecer de cuidados básicos na manutenção da vida como dormir, se alimentar, ir ao banheiro", afirmou.
Ela diz que a pandemia gerou muitas mudanças de comportamento nas pessoas, que passaram a buscar mais apoio psicológico e que tem melhorado e sabendo lidar com todas as mudanças. "Assim como muitas pessoas buscaram refúgio nos jogos, bebidas e entorpecentes. Dependendo do nível que a pessoa se encontra, é saudável a utilização da medicação e também o apoio psicológico para compreender como lidar com os impulsos e estímulos externos que levam ao jogo", afirmou Patrícia.
"Preocupação"
Em alguns sites de apostas esportivas da região de Rio Preto constam mensagens de alerta aos apostadores. As apostas são retratadas apenas como um "lazer".
"O jogo deve ser visto como uma forma de entretenimento e não como uma forma de fazer dinheiro. Aposte com sensatez e nunca persiga perdas. Aposte apenas aquilo que se pode dar ao luxo de perder", consta em um dos sites visitados pelo Diário.
"Faça pausas do jogo regularmente. Jogar de forma contínua pode fazer com que perca noção de tempo e perspectiva. Não jogue sob influência de álcool ou quando se sente aborrecido ou deprimido". (RL)
Polícia mira crime de extorsão
Como alguns sites fariam as apostas esportivas sem exigir pagamento prévio - geralmente por meio de Pix ou dinheiro vivo - recentemente uma pessoa denunciou suposto crime de extorsão na Delegacia Seccional de Rio Preto porque estaria sendo cobrada pela banca pelas apostas que fez e não pagou. A reportagem apurou que os investigadores já reúnem elementos para a abertura de inquérito policial. O site que entrou na mira da Polícia Civil seria hospedado nos Estados Unidos.
"A responsabilidade é do gerente e do colaborador cobrar o apostador. Tem site que recebe antes as apostas, mas tem gente que fica devendo, depois só recebe no dinheiro, disse uma cambista que entrou no ramo por conta da pandemia da Covid-19.
Outros sites em funcionamento na região dizem estar hospedados na Europa, com destaque para Malta - pequeno país localizado ao sul da Itália. A maioria opera a partir de um software desenvolvido por uma mesma empresa, o qual o Diário teve acesso.
Não há nenhuma burocracia ou necessidade de arrecadar impostos ou pagamentos de guias ou taxas, como ocorre com as empresas convencionais. "O plano inicial custa R$ 8 mil de entrada (adesão), e R$ 3 mil por mês", afirmou o representante da empresa.
A empresa do software sinaliza que o dono da banca terá de pagar mais R$ 1 mil a cada 100 novos logins de acesso criados para novos cambistas fazerem a fezinha de apostadores. Um dos representantes de sites de Rio Preto disse que manteria cerca de 3 mil cambistas em operação em todo o País.
A única preocupação da empresa para abertura do novo site – proposto pelo Diário como mote para obter informações para a reportagem - foi a seguinte: "o senhor já tem ideia para o nome da banca?", questiona. (RL)
América questiona resultado
A Polícia Civil já ouviu o depoimento do presidente do América Futebol Clube, Luiz Prieto, o Italiano, que registrou ocorrência por suposta manipulação de resultado após a derrota do Rubro por 3 a 2 para a Inter de Bebedouro, em agosto. Ele apresentou áudio de que a equipe rio-pretense entregaria a partida.
De acordo com cambista, a possível manipulação do resultado do jogo causou alvoroço em bancas de apostas na região, principalmente em Rio Preto. O delegado titular do 3º Distrito Policial, Renato Pupo, afirmou que foi pedida perícia em CD entregue pelos dirigentes do Rubro. O jogo foi válido pela segunda rodada da primeira fase do Campeonato Paulista da Segunda Divisão.
A suspeita é de que parte dos jogadores tenha entregado o jogo para favorecer o resultado em site de apostas em favor do time de Bebedouro. (RL)
Regulamentação
O presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Legal, José Magno, classificou como rudimentar o sistema dos sites de apostas que operam na região de Rio Preto. Ele participa, no Congresso Nacional, do debate com deputados federais sobre a regulamentação do setor no País. Magno estima que há 450 sites em operação no Brasil e os cerca de 40 da região não na conta.
De acordo com o presidente do instituto, os portais de apostas esportivas operam "em uma zona cinzenta". Ele afirma que, a partir da aprovação da lei federal em 2018, pipocaram novos sites. "O governo (federal) tem de regulamentar a lei em quatro anos", afirmou Magno. Ele disse que atualmente, a proposta está sob avaliação do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES), que vai definir por exemplo o valor e a quantidade de licenças que serão permitidas.
"A questão dos jogos no Brasil precisa de uma revisão urgente e o Congresso está se debruçando sobre isso agora", afirmou Magno em relação à sua participação em audiência pública na Câmara Federal, na semana passada, para debater a proposta de marco regulatório dos jogos no Brasil - projeto de lei 442/91. O texto foi aprovado em comissão especial na Casa em 2016 e, desde então, aguarda votação no plenário.
De acordo o presidente do instituto, além dos jogos online, há em funcionamento bingos, caça-níqueis, jogo do bicho e cassinos. "Tudo operando sem contrapartida para o Brasil e sociedade. O setor movimenta R$ 27 bilhões. Só as apostas esportivas são R$ 10 bilhões. (RL)
'Ganho se o apostador perde'
Um dos cambistas ouvidos pelo Diário sob a condição de anonimato disse que abandonou as apostas esportivas há cerca de um mês. Ele entrou nesse mundo para tentar ganhar uma renda extra. Ele disse que viu amigos perderem muito dinheiro com apostas em partidas de futebol. “Ganho se o apostador perder”.
Ele afirmou que começou a ter prejuízo porque também apostava. “Perdi muito também. Mas tem alguns caras que ganham muito dinheiro. Esses acabam banidos pelos sites ou bancas quando começam a ganhar muito”, disse.
Para o ex-cambista, a disputa entre os os grupos que comandam os sites é grande. Há muitos que abrem e começam com apostas de até R$ 100 e acabam “atrapalhando” outros que já estão no mercado. “É um mundo perigoso. O cara que aposta fiado tem de pagar. Eu tive de pagar para cobrir apostas”, afirmou.
Outro cambista explica que a prestação de contas acontece na segunda-feira. "Toda segunda-feira de manhã o banqueiro fecha o site, fecha tudo. O gerente fecha a banca dele. Ou ele tem que me mandar dinheiro ou eu tenho que passar para ele". (RL)
Como funcionam os sites de apostas
Qual é a estrutura do sistema?
- Empresa fornecedora do software
- Dono do site
- Gerente/coordenador
- Cambistas/colaboradores
Como são feitas as apostas?
As apostas são feitas apenas pelos cambistas, que geram um bilhete com código ao apostador após o pagamento do valor - via Pix.
Os clientes podem montar as apostas na página de simulação - são mais de 460 opções. A aposta mais comum é indicar o time vencedor ou perdedor das partidas.
Cada aposta feita pelo cliente gera um código. Basta enviar para o colaborador/cambista para confirmar a aposta.
O valor mínimo da aposta é de R$ 2 e, dependendo da banca, o limite máximo é de R$ 3 mil.
O valor máximo do prêmio pode variar. Site de Rio Preto estipulou premiação máxima de até R$ 50 mil.
Qual o volume estimado de apostas na região de Rio Preto?
R$ 2 milhões
Quais são os esportes?
Futebol, UFC, boxe, basquete, tênis, e-sports e vôlei
Onde são registrados os sites?
A maioria dos sites de apostas são registrados fora do país
Um dos sites da região afirma estar registrado em Malta - país ao sul da Itália, na Europa
O setor está regulamentado?
Há expectativa de que o setor tenha suas atividades regulamentadas até o próximo ano; o governo federal sancionou a lei número 14.183/2021 com mudanças em regras de tributação e distribuição da arrecadação de apostas esportivas, nos meios físico e virtual. As apostas esportivas foram legalizadas em 2018