No Dia de Combate ao Alcoolismo, dependentes falam da luta contra o vício
Após perder tudo, empresário conseguiu se libertar do vício e agora é voluntário

“As pessoas falam de fundo do poço. Eu cheguei no pré-sal. Perdi emprego, casamento, dormi na rua, emagreci 20 quilos. A recuperação só tem começo, não existe fim”. O depoimento é do empresário José Roberto Ferreira Francisco, de 43 anos, que durante anos lutou contra o vício do alcoolismo, doença que afeta quatro milhões de brasileiros segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Somente a Secretaria de Saúde de Rio Preto realiza, em média, dois mil atendimentos por ano a pessoas que tentam se libertar da dependência de bebida alcoólica. As unidades do Centro de Atenção Psicossocial Adulto Álcool e Drogas (Caps AD), a Pastoral da Sobriedade e a Associação Lar São Francisco de Assis na Providência de Deus (Lar de Jaci) são caminhos para quem precisa de ajuda.
Neste 18 de fevereiro, Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, a história de José Roberto representa uma centelha de esperança para quem deu o passo mais importante do tratamento: admitir a dependência.
“Meu pai foi alcoólatra e dependente químico, então eu já tinha uma pré-disposição ao vício. Quando jovem, comecei a beber por curiosidade, mas o consumo foi só aumentado. Inconscientemente, estava reproduzindo os mesmos comportamentos do meu pai. Só com terapia descobri que a minha dependência tinha como origem traumas emocionais. Além da carência afetiva da infância, eu queria ser legal como o meu pai, ser tão popular quanto ele”, conta.
Os conflitos familiares foram as primeiras consequências do alcoolismo. José Roberto lembra que agrediu uma tia a qual considerava como mãe, separou da esposa e gerou medo na filha, que tinha apenas quatro anos. A falta de compromisso com o trabalho também ocasionou o desemprego.
“Não via mais sentido na vida. O vício rouba toda a sua fé, a sua autoestima. Eu tinha casa, família, mas passava dias na rua. Me humilhava por um copo de bebida, pedia, furtava. Eu caçava latas de cerveja em frente aos bares para beber o resto que as pessoas jogavam fora, conta.
Internado compulsoriamente no Hospital de Bezerra de Menezes, José Roberto passou 45 dias sóbrio mas, assim que recebeu alta, voltou a beber. Só que foi no tempo de hospitalização que ouviu falar do Lar de Jaci e decidiu conhecer o trabalho realizado pelos freis.
“O amor me salvou. Ter sido respeitado e acolhido nas minhas dores me motivou a continuar o tratamento. Lá comecei a me alimentar bem, a ocupar a minha cabeça com trabalho, a fortalecer a minha fé. As regras com horários foram muito importantes pra eu me reorganizar”, conta.
Após meses de tratamento, José Roberto foi ajudado por um primo, que ofereceu emprego como vidraceiro. Para manter-se firme, ele passou a frequentar os encontros realizados pela Pastoral da Sobriedade, trabalho realizado pela igreja católica. Hoje, atua como voluntário e conta a própria história para motivar quem ainda tem dificuldade em recusar o primeiro gole.
“As pessoas precisam saber de todos os danos que causam a bebida alcoólica. Acidentes de trânsito, violência, rompimento de vínculos afetivos. Estou sóbrio há 6 anos e dois meses, mas reconheço que cometi erros irreparáveis. Não ter visto a minha filha crescer foi um deles”.
Encontros e conversas
A Pastoral da Sobriedade realiza encontros e rodas de conversa em sete paróquias de Rio Preto, todos os dias da semana. Aproximadamente 80 homens e mulheres, em proporção parecida, são atendidos pelo projeto. Coordenador diocesano da pastoral, Geovane Prates Ferreira conta que o grupo trabalha em diversas frentes.
“A primeira é a prevenção. Por meio de palestras e entrevistas, tentamos evitar que principalmente os jovens sejam vítimas de alcoolismo. A segunda é a recuperação, tanto recepcionando quem busca ajuda, quanto atendendo a pedidos de socorro de familiares. Esse trabalho envolve não apenas o acolhimento do doente, mas da família, que sofre todas as consequências do vício. Oferecemos encaminhamento para tratamento e trabalhamos também na reinserção social, restaurando os vínculos familiares e incluindo o assistido, por meio do trabalho e das atividades sociais, porque a dependência exclui”, diz.
A pastoral também tem atuação política, por meio do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas (Comad).
Geovane diz que grande parte das pessoas atendidas adquiriram o hábito de beber no ambiente familiar. “O álcool é uma substância socialmente aceita, que está presente em grande parte das confraternizações. Quando os pais compartilham experiências positivas sobre o álcool, acabam incentivando o consumo como algo bom”.
Alguns sinais indicam que é preciso procurar ajuda: se o consumo de bebida é diário, se começa a prejudicar o trabalho ou enseja discussões familiares e se o dependente muda a agenda por conta do vício, como deixar de frequentar lugares onde não há bebida.
“Existe um lugar que pode te ajudar, onde as pessoas não vão te julgar pelos seus atos ou sua aparência, porque conhecem a sua dificuldade. Não espere sofrer perdas maiores. A decisão mais corajosa que uma pessoa pode tomar é ter a humildade de pedir ajuda”, aconselha o coordenador da pastoral.
Onde buscar ajuda
Pastoral da Sobriedade
Segunda-feira - 20h
- Paróquia São Francisco de Assis: rua Ruither Moreira Rodrigues, 1087, São Francisco
- Paróquia Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento do Mont Serrat: rua José Nogueira de Carvalho, 295, Vila Maceno
- Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus: Praça Santa Terezinha, 566, Vila Esplanada
- Lar Sagrado Coração: em Jaci
Terça-feira - 20h
- Paróquia Jesus Bom Pastor e São Sebastião: av. Tanabi, 3.330, Eldorado
Quarta-feira - 20h
- Capela São Paulo Apóstolo (Paróquia Santo Expedito): rua Angélica Colino Paes de Almeida, 379, Parque das Aroeiras
Quinta-feira - 20h
- Paróquia Nossa Senhora do Brasil: rua Virgílio Dias de Castro, 388, São Deocleciano
Sexta-feira - 20h
- Lar São Francisco de Assis: em Jaci
Município
O atendimento multidisciplinar é feito no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD)
Envolve psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermagem, clínica geral, atividades terapêuticas diversas, seja individual ou em grupo
Os serviços de saúde mental também realizam outros encaminhamentos necessários a cada caso, como consultas em outras especialidades, exames, procedimentos médicos ou de enfermagem, fisioterapia, entre outros
São dois Caps-AD:
- Caps-AD Norte, na rua Joaquim Rosa dos Santos, 851, Vila Clementina
- Caps-AD Sul, na rua Voluntários da Pátria, 5, no distrito de Engenheiro Schmitt