Rio-pretenses comemoram a distribuição de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS
Pacientes que dependem de medicamentos à base de canabidiol comemoram a sanção da lei que prevê a distribuição pelo SUS; regras para obter os remédios ainda serão regulamentadas

“Sacrifico R$ 700 da minha aposentadoria para importar o óleo de canabidiol. Foi o que me garantiu qualidade de vida, porque eu não estava mais conseguindo andar, de tanta dor. O fornecimento gratuito do medicamento é uma vitória para quem não tem condições de pagar”, comemora a funcionária pública aposentada Nilda Waideman, de 62 anos, sobre a sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao projeto de lei 1.180/2019, que prevê a distribuição de medicamentos à base de canabidiol pelo poder público nas unidades de saúde conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
A decisão foi publicada nesta quarta-feira, 1º, no Diário Oficial do Estado, e tem 90 dias para entrar em vigor. Nilda sofre de artrose e hérnia de disco e faz uso dos medicamentos desde o ano passado.
De autoria do deputado estadual Caio França (PSB), o projeto de lei original apresentava regras específicas sobre os tipos de medicamentos a serem fornecidos e os critérios para que o paciente tenha direito ao produto nas unidades de saúde. No entanto, os critérios foram vetados pelo governador, que determinou a criação de uma comissão de trabalho para implantar as diretrizes desta política no Estado, com participação de técnicos e representantes de associações sem fins lucrativos de apoio e pesquisa à cannabis e de associações representativas de pacientes. O grupo deve ser formado em até 30 dias a partir da publicação da lei.
A justificativa para o veto de vários artigos é que a proposta esbarra nas limitações decorrentes do princípio da separação dos poderes, ou seja, caberia ao governo definir os critérios.
Membro da comissão de direito médico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Rio Preto, o advogado Paulo Younes acredita que o veto poderá ser derrubado pela Assembleia Legislativa.
“O projeto é submetido à apreciação da comissão de Constituição e Justiça. Apesar de o parecer ser apenas opinativo, e não vinculativo, a análise sobre os limites de atuação da ‘casa’ já foi feito”, diz.
Apesar dos vetos, o advogado considera positiva a sanção sobre a distribuição gratuita de medicamentos a base de canabidiol no estado.
“O governo reconheceu a urgência da necessidade do uso de um composto que vem trazendo resultados muito positivos no tratamento de epilepsias, por exemplo. Essa medida vai beneficiar principalmente a população hipossuficiente, que não tem condições de importar o produto e acaba desassistida ou se expondo a produtos sem fiscalização”, diz.
Especialista em dor e prescritor de cannabis medicinal, o médico Valdecir Tadei comemorou a sanção da lei, ainda que com os vetos. “Creio que na fase de regulamentação todas as dúvidas serão sanadas. Cabe à Secretaria de Saúde do estado, sob o comando de um médico compromissado com a sociedade (Eleuses Paiva), estabelecer termos que garantam o acesso de pessoas que precisam desse tratamento”.
O projeto de lei aprovado no fim de dezembro pela Alesp trazia que caberá à Secretaria da Saúde do Estado implementar todas as diretrizes previstas. A pasta também será responsável por fazer um cadastro de todos os pacientes - o formulário deve estar disponível online. Nele, a pessoa precisa comprovar que não tem condições financeiras de comprar o tratamento na rede privada.
Economia na compra
Além de democratizar o acesso ao medicamento com comprovação científica, a promulgação da lei teve como escopo a economia dos cofres públicos com judicialização de pedidos de fornecimento dos óleos à base de canabidiol.
Segundo a Secretaria de Saúde do estado, somente no ano passado foram gastos R$ 20 milhões em ações deferidas pela Justiça a favor de pacientes. No estado, aproximadamente 40 mil pessoas têm autorização da Anvisa para importar óleo.
Em Rio Preto, a Secretaria Municipal de Saúde cumpre 21 ações judiciais de fornecimento de medicamento e responde a uma outra, que ainda está em curso.
Para atender à demanda, no ano passado a Prefeitura abriu pregão eletrônico para a compra de até 4,2 mil frascos de medicamentos à base de canabidiol e tetrahidrocanabinol ao custo estimado de R$ 7,3 milhões. Foi o valor mais alto a ser investido pelo município na compra de remédios produzidos a partir da planta da maconha.
“As ações judiciais impactam diretamente o orçamento público da saúde pública, privilegiando direitos individuais em detrimento das políticas públicas estabelecidas no SUS. Além disso, obrigam o Estado a fornecer produtos sem registro na Anvisa, delimitação de dose de segurança, evidência de eficácia, indicação terapêutica ou controle clínico do uso”, consta em nota divulgada pelo governo estadual.
Uso terapêutico do canabidiol
Indicações para uso terapêutico com comprovação científica
- Epilepsia de difícil controle
- Autismo
- Ansiedade
- Distúrbio do sono
- Espasticidades causadas por esclerose múltipla, acidente vascular cerebral e lesões medulares
- Dor neuropática
Estudos com resultados promissores:
- Dor crônica
- Doença de Crohn
- Agitação por demência (como o Alzheimer)
- Parkinson
Entenda melhor
Utilizar remédios à base de canabidiol é a mesma coisa que utilizar maconha?
- Não. O canabidiol é uma das substâncias da Cannabis sativa, não tendo os mesmos efeitos psicóticos encontrados quando a planta é utilizada como entorpecente. A substância não causa dependência
Por que os medicamentos são caros?
- Os preços são elevados porque, em sua maioria, os medicamentos não são produzidos no Brasil nem contam com matéria-prima local.
A Lei
- - A lei sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) prevê a distribuição gratuita de medicamentos com canabidiol pelo SUS de São Paulo
O que ela diz
Artigo 1º - Fica instituída a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinóides, incluindo o tetrahidrocanabidiol, em caráter de excepcionalidade pelo Poder Executivo nas unidades de saúde pública estadual e privada conveniada ao Sistema Único de Saúde – SUS.
Artigo 2º - A política instituída tem como objetivo adequar a temática do uso da cannabis medicinal aos padrões de saúde pública estadual mediante a realização de estudos e referências internacionais, visando ao fornecimento e acesso aos medicamentos de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinóides, incluindo o tetrahidrocanabidiol aos pacientes portadores de doenças que comprovadamente o medicamento diminua as consequências clínicas e sociais dessas patologias.
Parágrafo único - São objetivos específicos desta política:
1. diagnosticar e tratar pacientes cujo tratamento com a cannabis medicinal possua eficácia ou produção científica que incentive o tratamento;
2. promover políticas públicas de debate e fornecimento de informação a respeito do uso da medicina canábica por meio de palestras, fóruns, simpósios, cursos de capacitação de gestores e demais atos necessários para o conhecimento geral da população acerca da cannabis medicinal, realizando parcerias público-privadas com entidades, de preferência sem fins lucrativos
Artigo 5º - A Política instituída será responsabilidade da Secretaria da Saúde, que definirá as competências em cada nível de atuação.
Parágrafo único - A Secretaria da Saúde, deverá no prazo de 30 (trinta) dias a contar a partir da publicação desta lei, criar comissão de trabalho para implantar a as diretrizes desta política no Estado, com participação de técnicos e representantes de associações sem fins lucrativos de apoio e pesquisa à cannabis e de associações representativas de pacientes
Artigo 10 - Esta lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação
Como funciona hoje
- Com a indicação do médico, paciente aciona a Justiça para pedir o fornecimento gratuito do medicamento, via município ou Estado
- Os casos são avaliados pela Justiça, mas em geral é necessário comprovar que outros tratamentos não deram resultado e que não tem condições financeiras de arcar com os custos do medicamento
Como vai ser
- O acesso ao medicamento será facilitado, sem precisar passar pela Justiça - ainda será necessário, porém, comprovar a necessidade de uso
- Uma comissão da Secretaria de Saúde estadual ainda vai detalhar as regras de acesso