Diário da Região
MEDICINA PELA VIDA

Conheça a história de médicos de Rio Preto que atuam em ações voluntárias

Na última reportagem da série “Medicina Pela Vida”, Diário traz histórias de médicos que doam seus conhecimentos e seu dom voluntariamente

por Millena Grigoleti
Publicado em 20/10/2023 às 20:29Atualizado em 21/10/2023 às 09:51
Médica Maria Fernanda Martinelli Trabulsi durante atendimento no barco-hospital Papa Francisco (Divulgação)
Médica Maria Fernanda Martinelli Trabulsi durante atendimento no barco-hospital Papa Francisco (Divulgação)
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Existe um provérbio que diz que “sempre fica um pouco de perfume nas mãos que oferecem flores” - ou seja, uma boa ação invariavelmente deixa algo bom para quem a pratica, não apenas para quem a recebe. Na última reportagem da série “Medicina Pela Vida”, o Diário traz histórias de médicos que doam seus conhecimentos e seu dom voluntariamente em prol de quem precisa.

Caso da especialista geral e em aparelho digestivo Maria Fernanda Martinelli Trabulsi, que atua na Santa Casa de Rio Preto. Ela já perdeu as contas de quantas expedições voluntárias participou - uma delas no Pará, quando ainda amamentava a filha de 5 meses, em 2019. Era a primeira expedição do barco-hospital Papa Francisco, da Associação e Fraternidade Lar São Francisco de Assis na Providência de Deus, com sede em Jaci.

Mesmo com a bebê pequena, sentiu que tinha de integrar a missão. “Me organizei, ordenhei e reservei leite para ela duas semanas antes. Estava começando a comer frutinhas, fiz todo um esquema para conseguir ir”, lembra.

Ela acredita que foi providência divina estar na equipe que foi a uma região que a profissional já conhecia de outras missões. Durante a viagem, os profissionais salvaram uma mãe que tinha dado à luz duas crianças e estava com infecção generalizada pós-parto. Sem a cirurgia que removeu seu útero, feita no navio, teria poucas horas de vida. O leite que Maria Fernanda ordenhou durante a viagem foi dado aos dois bebês. “Eles estavam sem mamar. Eu sabia que alguma coisa precisava de mim, foi isso que me motivou e foi providência divina a gente estar lá.”

O que a motiva é ajudar o próximo. “Dar um pouquinho de nós. Nós temos tanto e as pessoas têm tão pouco. É uma troca muito grande. Para mim não é nada: atendimento médico, palavra, orientação. Para eles é gigante”, afirma ela, que sente gratidão em colaborar. “Sempre dá para fazer alguma coisa. Cada um na sua possibilidade: eu como médica, outros como dentista, enfermeiro, tripulação.”

Muito trabalho, e gratidão, pela frente

Psiquiatra Ururahy Botosi Barroso, de 63 anos, que atende voluntariamente (Guilherme Baffi 18/10/2023)
Psiquiatra Ururahy Botosi Barroso, de 63 anos, que atende voluntariamente (Guilherme Baffi 18/10/2023)

Maria Fernanda conta que sempre sonhou em ir para outro país, inclusive em zonas de conflito, fazer trabalho voluntário. Hoje isso não é prioridade. “Depois que minha filha nasceu, vi que o Brasil é muito carente. Na nossa cidade tem muita carência. Eu faço o que surge. Se cada um fizer um pouquinho, não importa onde seja, já vai fazer muita diferença para muita gente.”

A mesma linha de pensamento tem o psiquiatra Ururahy Barroso, motivado em saber que é útil. “Todo mundo deveria fazer um tipo de trabalho voluntário.” Ele menciona que no trabalho do dia a dia existe uma compensação financeira e que é sempre bom quando qualquer paciente lhe dá um retorno positivo.

“Sempre é muito bom quando você é abordado por uma pessoa que às vezes você nem lembra mais e ela fala ‘poxa, doutor, o senhor me atendeu um dia na associação, na comunidade ou na rua. Aquilo pra mim foi tão importante, refiz minha vida’”, afirma o médico. “A gente não faz esperando gratidão. O amor é bom para quem ama. A sensação é eterna, a gratidão é de alma para alma, não apenas nessa vida, nesse estágio que é tão rápido.” (MG)

Uma tradição de família

Doutor Fabio e doutora Maria Fernanda durante parto (Divulgação)
Doutor Fabio e doutora Maria Fernanda durante parto (Divulgação)

O cirurgião geral Fabio Coimbra Dória, de 50 anos, que também integrou a primeira expedição do Barco Papa Francisco, que atende comunidades ribeirinhas amazônicas no Pará, se prepara para mais uma viagem, que deve ocorrer em novembro. Ele nem lembra de quantas missões voluntárias já participou. Em uma delas, inclusive, conheceu a esposa, Ada Paula Grinaboldi Dória, de 47 anos, bacharel em direito e estudante de psicologia com quem é casado há 17 anos e tem duas filhas. Ambos atuavam como palhaços voluntários e ela também segue no voluntariado.

Fabio conta que a inspiração para buscar o bem-estar do próximo vem de família, dos também médicos Ricardo Dória, seu pai, e do avô Oscar Dória. “Todo domingo de manhã eles iam ao salão paroquial atender os pacientes da igreja. Nasci e criei meus filhos nesse contexto. Toda vez você volta de uma missão mais descansado e ativo do que foi, porque é revigorante.”

Para guiá-lo no trabalho, o cirurgião lembra de uma frase do avô: “Nós damos pouco quando damos de nossas posses, mas realmente damos quando damos de nós próprios. Dar quando é solicitado é belo, porém mais belo e significativo é dar sem ser solicitado, só por haver compreendido.”

O que move o profissional é a energia de gratidão que recebe de volta dos pacientes. “Outra coisa que me encanta no voluntariado é que ele iguala as pessoas. Num café da manhã antes de começar o dia não tem patrão, empregado, quem tem condição melhor ou pior, quem fala o português melhor ou pior, não tem diferença de raça. Todos somos irmãos e todas as pessoas são de muito bons princípios. A gente forma uma família de voluntariado.” (MG)

Sem distinção entre pacientes

O psiquiatra Ururahy Botosi Barroso, de 63 anos, trabalha há quase 40 anos com voluntariado. Uma das atuações foi na Justiça Restaurativa, na reabilitação de homens indiciados pela Lei Maria da Penha. Com uma formação em espiritismo, atende pessoas adictas em sua clínica e crianças, adolescentes e adultos encaminhados ao que ele chama de “Plano A do Amor”. “Quem encaminha os pacientes são algumas associações que me ligam dizendo da necessidade de algumas pessoas. O paciente é atendido da mesma forma, tempo, lugar e horário que os particulares”, explica.

Barroso acredita no fator social do trabalho voluntário, tendo inclusive o padre Júlio Lancellotti, que atende moradores em situação de rua em São Paulo, como um exemplo a ser seguido. Ele conta que muitas vezes o paciente chega com a sensação de que vai ser atendido de qualquer forma. “A gente tem que oferecer o melhor e melhor ainda. São pessoas que o sistema capitalista já exclui, muitas vezes em estado de pobreza.”

Outra orientação é que o trabalho voluntário exige responsabilidade. “Se você se compromete, tem que fazer. Todos nós somos seres humanos, necessitamos amar e ser amados. Toda pessoa em qualquer lugar tem que se sentir amada, é ali que começa o tratamento ou cura, ela se sentir amada, acolhida, valorizada, que tem alguém olhando para ela naquele momento.” (MG)