Última família deixa a Favela Marte, em Rio Preto, para início da urbanização
Mudança da última moradora põe fim à ocupação na Favela Marte. Local vai passar por urbanização e construção de casas para receber de volta os habitantes em 2023


As entidades Valquírias World e Gerando Falcões estão em negociação com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo para contratar moradores para participar da urbanização da Favela Marte. Com a saída da última moradora, Ângela Estela Grola, 69 anos, na manhã desta sexta-feira, 5, a obra deve ser iniciada na próxima segunda-feira, 8.
“Nós temos um acordo com a CDHU de que boa parte dos trabalhadores da construção serão moradores da Favela Marte. Inclusive, a gente se antecipou a isso, capacitando os moradores, com habilidades em construção civil. Então foi feito um trabalho prévio”, afirma o CEO da Gerando Falcões, Edu Lyra.
A capacitação dos moradores aconteceu ao longo de dois anos por meio de cursos técnicos. Confirmadas as contratações, Edu afirma que vai ser positivo, porque eles irão trabalhar como se fosse num mutirão para fortalecer o vínculo com as novas habitações e se sentirão mais incentivados a trabalhar pela manutenção do bairro.
“Não existe nada mais digno, transformador e empoderador do que os próprios moradores da favela transformarem a favela. É um projeto de dentro pra fora”, afirma Edu. A entrega da obra, com toda infraestrutura e a construção das 240 moradias populares pela CDHU, está prevista para 2023.
Quem está na esperança de ser contratado para trabalhar na construção das casas é Railson Conceição de Mello, 25 anos. Desempregado, sobrevive com trabalho informal de jardinagem, mas sonha em ter carteira assinada. “Eu pretendo trabalhar aqui na construção. Hoje estou desempregado. Quero trabalhar registrado, tudo certinho”, diz o morador.
Pelos cálculos da Gerando Falcões, desde o início do projeto de urbanização da favela, o desemprego entre os moradores caiu de 70% para 19% em dois anos.
“A gente fez isso por meio de um pacto pela inclusão econômica com dezenas de empresas de Rio Preto, e com processos de capacitação e formação de mão de obra. A parceria com a iniciativa privada tem sido vitoriosa. A meta é zerar o desemprego na favela”, diz o dirigente social.
Presente na saída da última moradora da favela, o prefeito Edinho Araújo (MDB) lembrou que a Prefeitura vai participar na urbanização do novo bairro, ao construir o sistema de distribuição de água e captação do esgoto. Por seis anos, a comunidade sobrevivia com ligações irregulares e fossas sanitárias.
A partir de segunda-feira, 8, vai ser iniciado o processo de demolição total dos barracos. Parte deles já está semidestruída, como forma de evitar ocupação por outras pessoas.
O trabalho de demolição de todos os barracos tem estimativa de durar aproximadamente duas semanas, inclusive com o trabalho de retirada dos entulhos.
Logo em seguida, virá uma equipe de engenheiros para checar as condições da área e posterior preparação do solo, para receber tubulações de água e esgoto e galerias pluviais.
Para a construção das 240 casas, serão investidos no projeto R$ 58 milhões, sendo R$ 28 milhões do governo do Estado, R$ 15 milhões da Prefeitura e R$ 15 milhões arrecadados pela ONG Gerando Falcões com a iniciativa privada.
A Favela Marte será a primeira a ter placas solares e a ser totalmente autossustentável na geração de energia elétrica no Brasil. Todos os equipamentos de instalação serão custeados pelo Banco BV e o Meu Financiamento Solar. As casas também serão entregues aos moradores com eletrodomésticos.
Preconceito foi desafio
A última moradora a deixar a Favela Marte, Ângela Estela Grola, 69 anos, fez a mudança na manhã desta sexta-feira, 5. Assim como os outros moradores, a idosa ficará pelos próximos 18 meses em um imóvel alugado, bancado pela ONG Gerando Falcões.
“Eu vou me mudar, mas sempre vou dar um jeito de vir acompanhar de perto a construção das novas casas. E estou feliz que vão levar meu pé de coqueiro, porque é um filho que eu vi crescer”, diz a moradora, que havia feito a plantação no quintal.
Para a CEO do Instituto Valquírias World, Amanda Oliveira, a saída da última moradora é bastante significativa. “Ver a dona Ângela sair daqui, de cabeça erguida, é uma mensagem de que a pobreza está sendo derrotada”, afirma a presidente.
Amanda afirma que houve dificuldade no processo de locação de imóveis para os moradores da favela. “O preconceito existe, algumas pessoas ainda têm um pensamento arcaico, mas isso não foi motivo para a gente desistir. Bolamos a nossa estratégia e, por fim, estão todos em seus lares transitórios. Foi até bom algumas pessoas não aceitarem. Essas pessoas da favela merecem ir para um lugar onde elas são realmente aceitas”, diz Amanda.
Segundo a Prefeitura, 65 famílias estão morando em imóveis alugados, tipo apartamento, e outros 175 moradores foram transferidos para casas espalhadas em diversos pontos da cidade.
Para o líder comunitário da favela, Benvindo Oliveira, a mudança da última moradora coloca um ponto final no processo de liberação dos imóveis. “Hoje estamos vendo sair a última moradora, sair para morar em um lar transitório. A casa da dona Ângela, uma das primeiras moradoras (a chegar na favela), por muitos anos foi referência, inclusive para quem não tinha água quente para tomar banho, no início da ocupação”, afirma o líder. (MAS)