Reciclagem de veículos avança, mas ainda esbarra na ilegalidade em Rio Preto
Em cinco anos, 3.793 veículos foram abandonados nas ruas de Rio Preto, causando riscos de contaminação química e abrigo para vetores de doenças, como o mosquito da dengue

Asfalto, tapetes para automóveis, pisos de quadras poliesportivas, cimento e até solas de calçado. Esses são apenas alguns dos produtos que podem ser obtidos através da reciclagem de peças de veículos. Contudo, diferente de outros países, o Brasil ainda dá passos lentos em relação ao reaproveitamento de sua frota antiga. Ao mesmo tempo, o mercado ilegal de peças veiculares continua firme e forte, alimentando furtos e roubos de automóveis no País.
Para se ter uma ideia, estima-se que apenas 1,5% da frota brasileira é reciclada, enquanto em países da Europa cerca de 85% dos veículos que “aposentam” têm como destino final o reaproveitamento de suas peças. A reciclagem de veículos é o tema da quarta reportagem da série especial Caminho Verde.
Setor que sempre andou na corda bamba entre a formalidade e ilegalidade, o desmanche de veículos é um dos caminhos para o reaproveitamento de peças. Em Rio Preto, Carlos Kaci Brito, 70 anos, é um dos rio-pretenses que possuem autorização do Detran para trabalhar no desmonte de automóveis. “A gente consegue aproveitar muita coisa do carro. Parte das peças, em bom estado, vendo e a outra parte vai para reciclagem”, contou.
No ano passado, 11,5 milhões de toneladas de ferro e aço foram reciclados no Brasil, segundo o Instituto Nacional das Empresas de Sucata Ferro e Aço (Inesfa). “Em média, cerca de 30% desse total advém da reciclagem de veículos”, afirmou o presidente do Inesfa, Clineu Alvarenga.
Embora não existam dados oficiais, estima-se que aproximadamente 500 mil carros são desmontados anualmente no Brasil. Dos 42,7 mil veículos apreendidos no ano passado pela Polícia Rodoviária Federal, 15.785 veículos (37%) foram para reciclagem, seja como fardo metálico prensado para aproveitamento na indústria siderúrgica ou ainda para aproveitamento de peças.
“O que falta no Brasil é a regulamentação por decreto da logística reversa de veículos. Dependendo do estado do carro, 85% das peças podem ser reaproveitadas para reposição”, disse Clineu.
George Rugitsky, diretor de Economia e Mercados do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), revela que, por ano, cerca de 2% da frota de veículos brasileira é “aposentada”. “Estatisticamente, cerca de 1,5% ao ano de automóveis e 0,5% ao ano de caminhões deixam de circular anualmente por envelhecimento, roubo sem recuperação e acidentes com perda total”.
Abandono
A falta de uma política nacional em relação à destinação correta da frota de veículos antigos ajuda na formação de cemitérios de veículos. Como consequência, veículos em final de vida útil estocados em pátios de órgãos de trânsito ou abandonados nas ruas continuam a poluir. Isso porque o processo de oxidação e o vazamentos de líquidos podem contaminar o solo e lençóis freáticos. Os veículos podem também virar abrigo para vetores de doenças como o mosquito Aedes aegypti, que transmite a dengue, zika vírus e chikungunya.
Entre 2017 e 2021, em Rio Preto, 3.793 veículos foram encontrados nas vias da cidade em estado de abandono, de acordo com dados da Secretaria de Trânsito. Como forma de diminuir a incidência do abandono veicular, neste ano, a Prefeitura começou a multar em R$ 1,3 mil os donos de automóveis abandonados. Somente no primeiro trimestre, dez motoristas foram multados.
RECICLAGEM DE VEÍCULOS
Aproximadamente 86% de todo material contido em um veículo pode ser reciclado
Volante – como se trata de peça de segurança, a coluna pode ser desmontada e revendida apenas para remanufatura ou enviada para usinas de siderurgia como matéria-prima
Sistema de refrigeração – em veículos em que não há danos, os gases do ar-condicionado são retirados e destinados para reúso
Bancos – podem ser retirados e revendidos
Peças de segurança – são enviadas para os fabricantes que podem remanufaturá-las e colocá-las para revenda ou para usinas de siderurgia para serem usadas como matéria-prima
Tanque e combustível – combustível é destinado para reúso. Tanque vai para usinas de siderurgia
Lataria – partes inteiras são removidas e vendidas. Partes danificadas vão para usina siderúrgica para reciclagem para utilização como matéria-prima
Bateria – é devolvida para os fabricantes ou enviada para recicláveis
Motor de arranque e alternador – podem ser removidos e revendidos para consumidor final ou enviados para manufatura
Motor e transmissão – são desmontados e as peças podem ser vendidos ao consumidor final e oficinas
Óleo – são drenados e enviados para reciclagem, transformando-se em óleo refinado
Pneus – os pneus são reciclados por empresas especializadas e transformados em vários outros produtos, como solas de sapatos, asfalto, piso de playground infantil e jardins
Vidro – costuma não ser rentável, pois é de difícil reciclagem
Pneus viram asfalto
Uma das principais peças automotivas reaproveitadas são os pneus. Somente no ano passado, foram coletados 621 toneladas do produto em Rio Preto, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente. No Brasil, dados da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) apontam que pelo menos 450 mil toneladas de pneus são descartados por ano. Isso equivale a cerca de 90 milhões de unidades utilizadas em carros de passeio.
Quando o descarte é feito de forma errada, os pneus se tornam um problema para o meio ambiente: demoram, em média, 600 anos para se decompor na natureza. Também podem se tornar criadouros do mosquito Aedes aegypti.
“O pneu tem o seu ciclo de vida, por isso a importância de fazer o descarte correto. Muita gente não imagina, mas o pneu pode virar asfalto, temos concessionárias no Estado de São Paulo que já utilizam o asfalto ecológico feito de pneu”, destacou Klaus Curt Muller, presidente-executivo da Anip.
No Estado, levantamento feito pela Artesp mostra que 1,3 mil quilômetros de rodovias são pavimentados com asfalto de borracha. Estudos apontam que entre os benefícios desse tipo de piso em relação ao convencional está a resistência, já que a mistura de 15% de pó de borracha, proveniente de pneus triturados de caminhões, dá mais elasticidade à liga asfáltica. Essa característica garante uma vida útil maior da pavimentação, com menos deformações e buracos na pista.
Outro ponto positivo é a melhor aderência e a redução do risco de aquaplanagem, que é causada quando há um acúmulo de água na pista, fazendo com que o veículo perca momentaneamente o contato direto com o solo. “O asfalto de borracha é bom para o meio ambiente, mas também é econômico, pois dura mais. Em um mundo onde cada vez mais tendemos a pensar em reúso e reciclagem, o ciclo do pneu consegue cumprir isso”, diz Muller.
Raspa de asfalto
Na região de Rio Preto, a Triângulo do Sol, concessionária responsável pela rodovia Washington Luís (SP-310), é uma das empresas que fazem a utilização do asfalto ecológico. Porém, a empresa ainda não utiliza pneus para confecção de asfalto, mas sim os resíduos das “raspas” de asfaltos gerados.
Nos últimos três anos, cerca de 24 mil metros cúbicos - o equivalente a 1,6 mil caminhões - de “raspas” asfálticas foram reciclados e reaproveitados através do processo de utilização dos restos do asfalto, diminuindo-se, assim, a extração de pedras virgens em pedreiras e contribuindo com a preservação do meio ambiente. (RC)
DESTINAÇÃO DOS PNEUS RECOLHIDOS EM 2020
REAPROVEITAMENTO ENERGÉTICO EM CIMENTEIRAS – 57%
- Pelo seu alto poder calorífico, os pneus inservíveis são utilizados como combustível alternativo em fornos de cimenteiras, em substituição ao coque verde de petróleo.
OUTRAS UTILIZAÇÕES – 22%
- A borracha retirada dos pneus inservíveis pode ainda ser utilizada em: asfalto borracha, tapetes para automóveis, pisos industriais e pisos para quadras poliesportivas.
PRODUTOS LAMINADOS – 13%
- Nesse processo, os pneus não-radiais são cortados em lâminas que servem para a fabricação de percintas (indústrias moveleiras), solas de calçados, dutos de águas pluviais etc.
SIDERÚRGICAS – 8%
- Todo aço retirado dos pneus durante os processos de trituração é reencaminhado para as siderúrgicas.
Fonte: Nós Digital, Sindipeças, Anip e reportagem.