Rio Preto terá projeto pioneiro de combate ao abuso infantil
Professores de Rio Preto vão participar de projeto pioneiro que visa auxiliar na identificação de casos de abusos contra crianças

Duas escolas estaduais de Rio Preto foram escolhidas para participar de um projeto piloto, elaborado pelo Instituto Paulista de Magistrados (Ipam), que visa capacitar professores e educadores para identificar situações de abuso sexual infantil. Intitulado Projeto Eu Tenho Voz Na Rede, o curso on-line foi anunciado nesta semana, em razão do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, lembrado nesta quarta-feira, 18.
“Trata-se de um curso de formação, no formato EaD (ensino a distância), elaborado por uma equipe técnica do Ipam, composta por juízes, psicólogos, educadores e assistentes sociais, todos especialistas em violência doméstica. Baseado em pesquisas científicas e experiências práticas, ele vai ensinar os funcionários da educação a identificar sinais de abuso sexual e como proceder, seja na abordagem à criança ou na tomada de providências”, explica o juiz da Vara da Infância e Juventude, Evandro Pelarin, que conseguiu trazer a iniciativa para Rio Preto.
As primeiras escolas do estado de São Paulo a receberem o treinamento serão a Professor Oscar Salgado Bueno, na Vila Diniz, e a Pio X, na Santa Cruz.
Psicóloga judiciária da Infância em Rio Preto, Railda Ferreira Galbiati diz que o projeto terá duas fases. A primeira é o curso on-line, com duração de 10 horas/aula. O profissional inscrito tem um prazo de 30 dias para concluir o estudo do conteúdo.
“A segunda etapa consiste em uma roda de conversa (presencial ou remota), para que os educadores tirem dúvidas com a equipe multiprofissional responsável pela elaboração do projeto. Os profissionais também assistem às peças que serão apresentadas às crianças”, diz.
Pelarin diz que também se inscreveu no programa que visa três objetivos: ouvir, acolher e encaminhar. “A escola é um espaço fundamental de proteção, o lugar onde a criança passa mais tempo, depois da própria casa. Muitas denúncias vêm da escola, justamente porque a criança vulnerável estabelece um vínculo de confiança com a professora”, afirma o juiz.
“Semana passada recebi e-mail de uma creche comunicando o comportamento estranho de uma bebê. A vítima, que ainda não verbaliza, colocava a mãozinha na parte íntima e parecia reclamar de dor. É imprescindível que os funcionários tenham esse olhar atento. Determinei a imediata apuração do caso”.
Segundo a Secretaria de Assistência Social de Rio Preto, em 2021 foram registradas 787 notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes. Neste ano, até o mês de abril, foram 290 registros, 62 a mais do que o mesmo período do ano passado, quando foram registradas 228 notificações.
Em três anos, a Vara da Infância e Juventude instaurou 47 processos contra adolescentes suspeitos de ato infracional de abuso sexual. “Em mais da metade dos casos, a vítima é um parente próximo: irmão, primo. Os outros casos são contra coleguinhas”, revela Pelarin.
O curso oferecido pelo Ipam terá certificação. Com base na experiência em Rio Preto, o método poderá ser aperfeiçoado para que unidades de todo o Estado recebam o treinamento.
Treino para deixar o olhar atento
“Percebi que a menina tinha verdadeiro pavor de homem. Não sentava próxima aos meninos, estava sempre isolada. Às vezes se recusava até a sair para o recreio”.
O relato é de uma professora do ensino fundamental 1, que identificou uma vítima de violência sexual por meio da análise do comportamento.
É para treinar esse olhar sensível que a Secretaria de Assistência Social realiza neste mês uma série de ações em escolas municipais de Rio Preto para instruir professores sobre os sinais de violência doméstica e abuso sexual e alertar os alunos, de maneira lúdica, sobre comportamentos inapropriados que podem passar despercebidos por eles, mas configurar assédio. Nesta terça-feira, 17, equipe do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do Santo Antônio visitou a escola municipal Darcy Ribeiro. Alunos assistiram uma peça infantil em que são demonstradas situações que devem acender o alerta dos pequenos.
“Há um muro do silêncio. A criança pede socorro pela mudança de comportamento. A partir da identificação de uma vítima, a escola comunica o Conselho Tutelar e toda uma rede de assistência é mobilizada para acolher essa criança e a família dela também.
Atendimento em saúde, assistência psicológica, investigação criminal. São muitos atores envolvidos para que a vítima não seja revitimizada”, diz a secretária da pasta, Helena Marangoni.
Além das escolas, haverá ações de distribuição de panfletos em Unidades Básicas de Saúde, quadras esportivas, pista de caminhada e terminal urbano. (JT)
DADOS
290 notificações de violência sexual foram registradas neste ano, de janeiro a abril. É o equivalente a 5 casos a cada dois dias
787 notificações de ocorrências do tipo foram contabilizadas em todo o ano passado
Denúncias
Para denunciar casos do tipo, é preciso procurar o:
- Conselho Tutelar
- Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)
- Disque 100
- 190 (Polícia Militar)
Sinais de preocupação
1- Mudanças de comportamento
- Como alterações de humor entre retraimento e extroversão, agressividade repentina, vergonha excessiva, medo ou pânico. Em algumas situações a mudança de comportamento é em relação a uma pessoa ou a uma atividade em específico.
2- Proximidades excessivas
- A violência costuma ser praticada por pessoas da família ou próximas da família na maioria dos casos. O abusador muitas vezes manipula emocionalmente a criança, que não percebe estar sendo vítima.
3- Comportamentos infantis repentinos
- Se o jovem voltar a ter comportamentos infantis, os quais já abandonou anteriormente, é um indicativo de que algo esteja errado.
4- Silêncio predominante
- Para manter a vítima em silêncio, o abusador costuma fazer ameaças de violência física e mental, além de chantagens. É essencial explicar à criança que nenhum adulto ou criança mais velha deve manter segredos com ela que não possam ser compartilhados com pessoas de confiança, como o pai e a mãe, por exemplo.
5- Mudanças de hábito súbitas
- Uma criança vítima de violência, abuso ou exploração também apresenta alterações de hábito repentinas. Sono, falta de concentração, aparência descuidada, entre outros, são indicativos de que algo está errado.
6- Comportamentos sexuais
- Crianças que apresentam um interesse por questões sexuais ou que façam brincadeiras de cunho sexual e usam palavras ou desenhos que se referem às partes íntimas podem estar indicando uma situação de abuso.
7- Traumatismos físicos
- Os vestígios mais óbvios de violência sexual em menores de idade são questões físicas como marcas de agressão, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez.
8- Enfermidades psicossomáticas
- São problemas de saúde, sem aparente causa clínica, como dor de cabeça, erupções na pele, vômitos e dificuldades digestivas, que na realidade têm fundo psicológico e emocional.
9- Negligência
- Muitas vezes, o abuso sexual vem acompanhado de outros tipos de maus-tratos que a vítima sofre em casa, como a negligência. Uma criança que passa horas sem supervisão ou que não tem o apoio emocional da família estará em situação de maior vulnerabilidade.
10- Frequência escolar
- Observar queda injustificada na frequência escolar ou baixo rendimento causado por dificuldade de concentração e aprendizagem. Outro ponto a estar atento é a pouca participação em atividades escolares e a tendência de isolamento social.
Fonte: Prefeitura e site www.childhood.org.br
Casos são subnotificados
No ano passado, Rio Preto registrou 116 casos de estupro de vulnerável, violência sexual praticada contra menores de 14 anos. “Os números oficiais são alarmantes, mas a gente tem que levar em consideração que muitas vítimas sofrem em silêncio e, em muitos casos, só vão revelar a violência sofrida quando já são adultos”, afirma a delegada Dálice Ceron, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), em Rio Preto.
As razões são inúmeras, e incluem medo, descrédito da família ou até sentimento de culpa. “A vítima é condicionada a pensar que ela causou o abuso que sofreu, ou que está sendo punida por algo”, explica Dálice.
Ela diz que quando há campanhas educativas, a delegacia especializada registra aumento de denúncias, porque as pessoas são encorajadas a procurar a polícia.
“Quando há palestras em escolas, ou quando a professora convida os alunos a falar sobre a família, são situações em que estupros são descobertos. Por vezes, as crianças também confidenciam com os coleguinhas, e a professora acaba sabendo. A escola tem que ter sensibilidade para acolher essa vítima”.
O dia 18 de maio marca o assassinato da menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de 8 anos, no estado do Espírito Santo. Os suspeitos do crime eram membros de famílias influentes e foram absolvidos. Após ser drogada e estuprada, a criança teve o corpo desconfigurado por ácido. Por isso a data foi instituída como dia de luta e conscientização. (JT)