Diário da Região
SAÚDE MENTAL

Rio Preto tem apenas 38 escolas com psicólogos e 37 delas são particulares

Dados do último Censo Escolar revelam que o cuidado com a saúde mental ainda não é prioridade na maioria das escolas de Rio Preto; na rede municipal, nenhuma escola conta com esse tipo de profissional

por Da Redação
Publicado em 16/12/2023 às 18:06Atualizado em 17/12/2023 às 07:16
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Beatriz Juliani Fabbri e Carlos Freitas são os psicólogos responsáveis pelo atendimento aos estudantes e pelas aulas semanais de educação socioemocional no colégio Intelectus (Guilherme Baffi 13/12/2023)
Beatriz Juliani Fabbri e Carlos Freitas são os psicólogos responsáveis pelo atendimento aos estudantes e pelas aulas semanais de educação socioemocional no colégio Intelectus (Guilherme Baffi 13/12/2023)
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Ao mesmo tempo em que se discute a importância do cuidado com a saúde mental de crianças e adolescentes, escolas públicas de Rio Preto ainda padecem com a falta de profissionais capacitados para atuar na linha de frente desse cuidado. Dados do último Censo Escolar, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em fevereiro de 2023, revelam que a cidade tem 44 psicólogos atuando nas instituições. São 43 profissionais distribuídos em 37 unidades da rede particular, um na rede estadual e nenhum na rede municipal de ensino.

Das 322 escolas de Rio Preto que constam no Censo, aproximadamente 11% oferecem apoio psicológico aos alunos. Dessas, 97% são particulares. A única escola pública com psicólogo na cidade é da rede estadual: a Professor Bento Abelaira Gomes, no Jardim Antunes.

Na média nacional, segundo levantamento do jornal O Globo, a proporção de psicólogos em escolas é de apenas 0,05% em relação ao número total de estudantes matriculados. Isso significa que existem 24,4 mil profissionais para atender um total de 47,4 milhões de alunos dos ensinos infantil, fundamental e médio.

Essa realidade, no entanto, está prestes a mudar. A lei federal 13.935, sancionada em 2019 e regulamentada em dezembro de 2022, após pressão de entidades da área, determina que as redes públicas de educação básica disponham de serviços de psicologia e de serviço social, por meio de equipes multiprofissionais. Foi estabelecido um prazo de dois anos, a partir da regulamentação, para que as redes se adéquem à norma, ou seja, até dezembro de 2024, as unidades devem seguir o que foi proposto.

Em nota, a Secretaria de Educação de Rio Preto afirmou que um concurso para contratação de um psicólogo e dois assistentes sociais foi homologado no último dia 9, a fim de cumprir a nova legislação. A equipe multiprofissional, segundo a pasta, promoverá ações estratégicas institucionais articuladas e integradas com as diversas políticas e secretarias e a comunidade escolar.

Rede estadual

Em outra ponta, o programa “Psicólogos nas Escolas”, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), em vigor desde agosto de 2023, conta com 550 profissionais que realizam visitas semanais a todas as escolas estaduais, totalizando pelo menos 60 mil horas de atendimento presencial por mês. Atualmente, a Diretoria de Ensino de Rio Preto possui cinco profissionais dedicados a essa iniciativa.

A ação do governo estadual foi idealizada após ataques a escolas no Brasil. Somente neste ano, foram registradas nove ocorrências, sendo a mais recente em 23 de outubro, na Escola Estadual Sapopemba, zona Leste da capital paulista, onde uma aluna de 17 anos morreu e outros três ficaram feridos.

Segundo a Seduc-SP, os psicólogos se concentram em ações preventivas, acolhimentos, dinâmicas de grupo, escutas, desenvolvimento de habilidades socioemocionais, psicologia escolar e saúde mental na escola. Em caráter de exceção, eles estão autorizados a fornecer atendimento individualizado e promover a orientação e encaminhamento para a rede protetiva, como unidades de saúde, quando necessário. Esses profissionais atuam diretamente com os professores orientadores de convivência (POCs) atrelados ao Conviva, recurso idealizado para apoiar a gestão das secretarias municipais de educação de todo o País.

(Colaborou Nathália Gomes)

Para escolas particulares, psicólogo é investimento e ajuda o desenvolvimento integral

Ivanete e Marilda são pedagogas e psicólogas na escola Colmeia que oferece apoio aos alunos e aos pais (Guilherme Baffi 13/12/2023)
Ivanete e Marilda são pedagogas e psicólogas na escola Colmeia que oferece apoio aos alunos e aos pais (Guilherme Baffi 13/12/2023)

Cristiane Lobanco Villa, coordenadora do Núcleo das Escolas Particulares (NEP) da Associação Comercial e Empresarial de Rio Preto (Acirp), afirma que as escolas privadas têm investido e se importado cada vez mais com o desenvolvimento integral dos alunos, abordando aspectos cognitivos, emocionais e sociais do processo educacional. “A psicologia escolar tem um papel único e importante, que busca compreender, desenvolver e melhorar a interação entre estudantes, professores e o ambiente educacional”, afirma.

Fundada em 1980 pelas psicólogas e pedagogas Ivanete Milani Martins e Marilda Lucatto de Campos, a escola Colmeia recebe os pequenos desde o maternal (um a dois anos de idade) até o pré (de cinco a seis anos). Na instituição, ambas as profissionais trabalham com um número limitado de crianças por grupo em período integral, interagindo, observando e avaliando aspectos comportamentais, afetivos, emocionais, sociais, psicomotores e cognitivos para captar necessidades, além de encaminhamentos para profissionais especializados quando preciso. Dessa forma, para Ivanete e Marilda, as crianças sofrem o menor impacto possível no processo de aprendizagem.

Elas ainda reforçam que esse apoio se estende às famílias, tanto de forma solicitada por pais ou responsáveis, quanto convocada pela escola. “Acreditamos que a parceria entre escola e família é fundamental para o desenvolvimento das crianças, e nos colocamos sempre à disposição das famílias para orientá-las quando necessário”, acrescentam as mantenedoras.

No último Censo Escolar, o colégio Intelectus registrou três profissionais da área e conta com psicólogos desde sua fundação, em 2004. Inicialmente, os profissionais eram voltados à orientação vocacional dos alunos e ao atendimento de situações específicas, mas, desde 2019, as aulas regulares de educação socioemocional compõem a grade curricular do 4º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio.

Atualmente, os psicólogos Carlos Freitas e Beatriz Juliani Fabbri são os responsáveis pelo atendimento aos estudantes e pelas aulas semanais. A instituição também oferece palestras regulares de educação socioemocional com as famílias de forma trimestral. “A participação desses profissionais é extremamente importante no desenvolvimento da consciência de responsabilidade e respeito, fazendo com que os alunos conheçam suas habilidades e saibam lidar com os desafios impostos, inclusive, em avaliações”, comenta Francis Alvaceta, coordenador pedagógico do colégio. (NG)

Atendimento clínico não é o foco, diz CRP

Apesar de ainda não existirem estudos que apontem qual a quantidade ideal de psicólogos por escola ou por estudantes, a psicóloga Vanessa Gimenez Ferreira, membro da comissão gestora do Conselho Regional de Psicologia (CRP) de Rio Preto, destaca a importância de compreender as práticas cotidianas da rotina escolar, considerando a escola como um lugar privilegiado de convivência e inserção social e valorização dos professores como agentes principais no processo educacional.

“O profissional (de psicologia) deve estar atento à criação de estratégias que favoreçam a coletivização das práticas cotidianas. São muitas as estratégias possíveis de acordo com a realidade institucional, como realização de grupo com professores, pais e estudantes, análise dos documentos e dos registros escolares e articulação com outras instituições que constituem a rede de cuidados da comunidade”, diz Vanessa.

Para a psicóloga, porém, o foco da atuação desses profissionais na escola não é o atendimento individualizado. “Destaca-se que não cabe atendimento clínico na escola, visto que as demandas clínicas devem ser encaminhadas para o Sistema Único de Saúde, o SUS”, explica.

Atualmente, o CRP atua em psicologia escolar com materiais e pesquisas aprofundadas, além de comissões que estudam e dialogam sobre o tema. A entidade também elaborou as Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) na educação básica (2019), por meio do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop). A iniciativa, criada em 2006 pelo Sistema Conselhos de Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, o CFP, e os CRPs), promove a qualificação da atuação profissional de psicólogos que atuam nas diversas políticas públicas.

Vanessa acrescenta que os princípios para uma atuação do psicólogo na educação básica devem estar alinhados com a implementação do Projeto Político Pedagógico e a construção de seu projeto de atuação; problematizar o cotidiano escolar, colaborando na construção coletiva do projeto de formação em serviço, no qual professores possam planejar e compor ações continuadas; construir estratégias de ensino-aprendizagem, considerando os desafios e as necessidades da comunidade; considerar a dimensão de produção da subjetividade, sem reduzi-la a uma perspectiva individualizante; potencializar a construção de saberes considerando a diversidade cultural das instituições; buscar conhecimentos técnico-científicos da Psicologia e da Educação, em sua dimensão ética para sustentar uma atuação potencializadora; produzir deslocamento do lugar tradicional do psicólogo no sentido de desenvolver práticas coletivas, buscando saídas para os desafios impostos; e, por fim, romper com a patologização, medicalização e judicialização das práticas educacionais nas situações em que as demandas por diagnósticos fortalecem a produção do distúrbio/transtorno, da criminalização e da exclusão. (NG)

Cidades da região investem na área

Se Rio Preto ainda não conta com psicólogos na rede municipal de ensino, cidades da região, como Pindorama e Monte Aprazível, têm profissionais que desempenham papéis que vão desde intervenções preventivas e de suporte até palestras com assuntos variados.

Pindorama, que tem dez escolas municipais, conta com uma psicóloga desde 2008, mas a secretária de Educação da cidade, Maria Regina Cabrera Corsatto, informou à reportagem que mais uma profissional foi contratada neste ano para atuar na rede. Já para 2024, a intenção é dar mais atenção à saúde mental dos alunos. “​​Para o próximo ano letivo, as unidades escolares contarão com o serviço de assistência social para atender o projeto da Escola Acolhedora”, afirma Maria Regina.

De forma similar aos colégios particulares, as atividades desenvolvidas com os alunos vão desde atendimentos individuais a palestras com temas diversos, segundo a necessidade da realidade escolar. Os estudantes são atendidos pela psicóloga e, quando necessário, encaminhados para o tratamento adequado. O atendimento é realizado uma vez por semana, e sempre quando precisar.

Em Monte Aprazível, que tem 13 escolas municipais, o cenário é parecido com o de Pindorama: um psicólogo, contratado há dois anos, atende toda a rede, da Educação Infantil até o Ensino Fundamental II. O trabalho é desempenhado com visitas periódicas, abordando questões como elaboração de projetos e desenvolvimento, e interações diárias com os estudantes adolescentes. “Dada a complexidade dessa fase, eles lidam regularmente com questões como bullying, depressão, abuso, uso de drogas, violência, faltas escolares, estrutura familiar, entre outros desafios frequentes. A proximidade diária permite uma abordagem mais eficaz na prevenção e intervenção em situações delicadas”, diz o assessor de Educação da cidade, Pedro Eduardo Poloto.

Dentre as iniciativas voltadas para o bem-estar dos alunos, há o Projeto de Transição, que abrange quatro fases, em que são realizadas atividades como pintura, desenhos, confecção de cartazes e ponteiras de lápis para auxiliar os alunos durante a mudança de etapas de ensino, a fim de minimizar os impactos que a troca de escola possa causar na educação. Com os alunos mais velhos, as ações incluem rodas de conversa e filmes para discutir temas relevantes. O encaminhamento especializado também é aplicado quando necessário. (NG)