Rio Preto é o centro da rota do ouro ilegal
Investigações de quatro estados colocam Rio Preto como um dos destinos do ouro extraído ilegalmente no País; metal chega a fábricas clandestinas, que o transforma em joias ou em barras para exportação

Investigações da Polícia Federal de quatro estados colocam Rio Preto como um dos principais destinos do ouro extraído ilegalmente no Brasil. O metal precioso é retirado de garimpos no Amazonas, no Mato Grosso, no Pará e no Tocantins e, por aqui, chega a ourives em fábricas clandestinas da cidade, que o preparam para exportação ou o transformam em joias.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o ouro extraído de garimpos clandestinos é enviado em pó ou em barras rústicas para as empresas de joias do estado de São Paulo, inclusive Rio Preto, para passarem pelo processo de retiradas de impurezas. Depois, são colocadas em barras no padrão mundial de comercialização para serem vendidas para empresas brasileiras ou exportadas ilegalmente para Emirados Árabes Unidos, Suíça, Turquia, Índia, entre outros países, principalmente europeus.
Somente neste ano, uma empresa do setor de ouro de Rio Preto foi alvo duas vezes de mandados de busca e apreensão, nos dias 14 e 28 de junho, cumpridos pela Polícia Federal.
Os alvos da operação de combate ao contrabando, um casal de ourives, são suspeitos de comprar ouro de garimpos ilegais feitos em terras de preservação ambiental no Mato Grosso e Tocantins. Os garimpos estariam em Pontes e Lacerda (MT) e Natividade (TO). O advogado do casal, Luis Fernando Bongiovani, afirmou que seus clientes têm notas fiscais do ouro apreendido (1,5 quilo) e que está declarado no Imposto de Renda.
No ano passado, outra empresa de joalheria de Rio Preto foi alvo da Operação Ruta 79, suspeita de participar de um esquema que teria tirado ilegalmente uma tonelada de ouro do Brasil.
O delegado coordenador da Polícia Federal de Rio Preto, Cristiano Pádua, afirma que os contrabandistas de ouro são atraídos pela grande quantidade de empresas do ramo.
“Tendo em vista que Rio Preto é considerado um grande polo joalheiro, pode-se dizer que há possibilidade de que ouro de garimpos ilegais seja trazidos para essa cidade”, diz o delegado.
Responsável por uma das investigações sobre contrabando de ouro, o procurador Bruno Silva Domingos, do MPF do Tocantins, diz que a cidade é suspeita de abrigar empresas receptadoras do ouro ilegal.
“Nesta operação que a gente deflagrou recentemente - não posso dar maiores detalhes – tem receptadores que beneficiam esse ouro e conseguem comercializar aqui e fora”, diz o procurador sobre a participação de Rio Preto.
De acordo com a PF, o ouro chega em Rio Preto, preferencialmente pelas estradas, em carros e até malas de passageiros em viagens de ônibus interestaduais.
Em abril deste ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu na BR-153, em Rio Preto, um carro transportando 22 barras de ouro avaliadas em R$ 1 milhão que estavam escondidas debaixo do banco do motorista. Ele não revelou a origem do produto e não apresentou documentação. Mesmo assim, responde em liberdade.
Nesta investigação, além de Rio Preto, são investigadas empresas em Porto Nacional, Conceição do Tocantins (TO), Goiânia, Uruaçu (GO), Ribeirão Preto e São Paulo (SP), Londrina (PR) e Caxias (RS), onde há empresas receptadoras de ouro clandestino.
Alto valor, baixa punição
O crime é incentivado pela alta valorização do metal precioso. Em janeiro de 2020, o grama custava em torno de R$ 200. A mesma quantidade custa hoje R$ 353,29. “O ouro tem um valor agregado muito alto. O grama está em R$ 353, muito maior do que a cocaína pura. Por isso, percebemos um aumento do garimpo. Hoje tem um jeito fácil de fazer dinheiro”, diz o procurador do MPF.
Em parceria com a Receita Federal e a Polícia Federal, o MPF tem combatido o contrabando de ouro, mas o procurador afirma que a atual legislação é de baixa punição.
“A pena é extremamente baixa, de um a cinco anos, que pode dar suspensão condicional do processo. Se é condenado, sofre uma pena restritiva de direito”, lamenta o procurador.
Por outro lado, o dano ambiental causado pelo garimpo é grande. A cada quilo de ouro extraído, é gerado R$ 1,7 milhão em prejuízo ecológico, segundo o MPF.
Além disso, Bruno lembra que a extração clandestina prejudica os garimpeiros pelo contato com o mercúrio usado para destacar o ouro da terra. O produto químico também contamina o solo e os peixes consumidos pelas comunidades mais próximas.
O caminho do ouro do garimpo até Rio Preto
Origem do ouro ilegal em Rio Preto
- Amazonas
- Mato Grosso
- Pará
- Tocantins
Operações da PF na região de Rio Preto
- Operação RUTA 79 - 2021
- Operação Via Áurea - 2022
- Operação Midas - 2022
- Operação Lavagem de Dinheiro - 2022
Localização das empresas investigadas
- Rio Preto
- Mirassol
- Catanduva
Maiores garimpos do País
- 1º - Pará
- 2º - Minas Gerais
- 3º - Mato Grosso
- 4º - Rondônia
- 5º - Amazonas
- 6º - Goiás
- 7º - Amapá
- 8º - Bahia
- 9º - São Paulo
- 10º - Rio Grande do Sul
De 2010 a 2020, o número de garimpos em terras indígenas cresceu 495%
Como funciona o garimpo legalizado
É preciso obter requerimento da área em que esta atividade é realizada, através de uma Permissão de Lavra Garimpeira (PLG)
Apresentar as licenças de instalação, licença prévia e licença de operação
Venda do ouro
Ter documento de origem do ouro
Vender em um dos pontos de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs)
Pagar o IOF (Impostos sobre Operações Financeiras) de 1% e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) com percentual definido por legislação local.
São analisados:
- Pureza - quilates
- Peso
Passo a passo do contrabando do ouro
- Garimpeiro encontra a pepita
- Entrega para o dono do garimpo
- Dono do garimpo vende para um comerciante
- Comerciante traz o ouro em pó ou em barras pequenas para Rio Preto
- Ourives faz a purificação do ouro para transformar em barras maiores ou em joias
- Ouro é exportado ilegalmente para o exterior
Fraudes identificadas pela PF
Nota fiscais de ouro em nome de mortos
Grande quantidade de ouro comprado por pessoas que recebem auxílio emergencial
Empresas não legalizadas de compra de ouro
Firmas de fachada
Principais destinos da exportação ilegal:
- Emirados Árabes Unidos
- Suíça
- Turquia
- Índia
- Outros países da Europa
Crimes cometidos no contrabando de ouro
Organização criminosa: pena de 3 a 8 anos
Lavagem de dinheiro: pena de 3 a 10 anos
Contrabando: pena de 2 a 5 anos
Descaminho: pena de 1 a 4 anos
Receptação qualificada: pena de 3 a 8 anos
Usurpação de bens da União: pena de 1 a 5 anos
Fonte: MapBiomas, Polícia Federal e reportagem
Falhas no sistema
Cesar Diniz, doutor em Geologia, responsável técnico do MapBiomas Mineração, afirma que uma das falhas do governo no combate ao contrabando de ouro é permitir que a documentação de regulamentação seja preenchida manualmente.
“Sabemos que tem empresas que omitem a quantidade verdadeira de ouro extraído ou inventam a origem, falando que vem de uma área legal, quando na verdade pode vir de uma reserva ambiental ou território indígena”, explica o acadêmico.
Segundo Diniz, o proprietário de garimpo ilegal também comete crimes trabalhistas por não registrar a carteira de trabalho dos garimpeiros, profissão regulamentada por legislação federal.
“A maioria dos garimpos simplesmente não segue as regras. Portanto é uma atividade ilegal, essa é a realidade nacional”, diz o professor. Os estados com maior número de garimpos ilegais são Pará e Mato Grosso.
Por lei, todo ouro extraído tem que ser obrigatoriamente comunicado para o governo federal, para que seja contabilizado e tributado. “O garimpo ilegal não gera nenhum ganho para o País, porque esse ouro não deixa seus impostos no Brasil. É enviado para fora, depois retorna em forma de joias de grandes joalherias, em altos valores”, explica o geólogo. (MAS)
Associação critica ilegais
Um dos setores mais representativos para a economia de Rio Preto é o polo joalheiro, que concentra 150 empresas e gera emprego para aproximadamente duas mil pessoas.
Presidente da Associação dos Joalheiros e Relojoeiros de São José do Rio Preto (Ajoresp), Sergio Iorio afirma que o fato de empresas do setor na cidade serem alvos de investigações da Polícia Federal, sobre o destino final de contrabando de ouro, mancha a imagem do setor. “Não compactuamos com tal situação, representamos as indústrias da cidade. A imagem do setor como um todo fica em evidência de forma negativa, porém quem conhece um pouco mais do setor sabe do trabalho sério que fazemos”.
Sérgio afirma que várias empresas do setor fecharam após passarem pela crise financeira nacional e os dois anos de pandemia.
Para combater a ilegalidade, Sérgio afirma que a entidade sempre dá informações a seus associados sobre a legislação do setor, como respeitar o recolhimento dos impostos e nunca comprar ouro de origem clandestina.
“A Associação baliza seus associados sempre na condução formal dos seus negócios, seguindo as regras e leis dos órgãos reguladores e fiscalizadores que regem nosso setor, e com a aquisição do ouro e de qualquer matéria-prima não é diferente”. (MAS)