Projeto busca evitar a reincidência de menores infratores no crime
Conheça o projeto Jovem em Círculo, que foi implantado na Fundação Casa de Rio Preto para evitar a reincidência de menores infratores no crime. Iniciativa foi inspirada em método terapêutico austríaco

“Mãe, me perdoe por eu não escutar os conselhos que você me deu. Hoje eu estou arrependido, se eu te escutasse, hoje eu não estaria onde eu estou [...] vou correr atrás dos meus sonhos...”.
Com essas palavras, o adolescente Gabriel (nome fictício), de 16 anos, pediu desculpas à família pelo comportamento errado que o levou para dentro Fundação Casa de Rio Preto, onde cumpre internação de cinco meses, por envolvimento com tráfico de drogas. A carta enviada pelo garoto à própria mãe faz parte do projeto Jovem em Círculo, implantado na unidade rio-pretense pelo programa de Justiça Restaurativa, da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto, num esforço institucional de evitar a reincidência de menores infratores no crime.
“Eu escrevi o que estava sentindo, pedindo desculpa, que eu não iria ficar mais debatendo com a minha mãe. Eu não tinha a mente que eu tenho agora. Quando eu sair daqui, vou ficar ‘firmão’, não vou voltar mais para essa vida”, disse à reportagem o adolescente, que sonha em cursar medicina veterinária.
A Justiça Restaurativa é uma técnica de solução de conflito e violência que se orienta pela criatividade e sensibilidade a partir da escuta dos ofensores e das vítimas. O projeto visa estimular os adolescentes a compreenderem o próprio comportamento para que possam alterá-lo. “Para eles entenderem que o comportamento não o define totalmente. Embora, tenha feito algo ruim, posso mudar, encontrar uma nova vida, com uma tomada de consciência,” disse a responsável pela implantação do projeto, a escrevente Leide Patrícia Mozini, da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto.
Leide afirma que a proposta tem como intenção fazer a recuperação dos jovens por meio de rodas de conversas, como forma de fazer eles refletirem sobre os caminhos que adotaram em suas vidas. Para a profissional, é importante os adolescentes entenderem que o mau comportamento deles, que levou à internação, não é decisivo para o resto da vida, que pode ter seu rumo mudado para uma direção positiva.
“São conversas filosóficas, da maneira mais simples possível para que possa chegar até a compreensão deles e absorver. E de encontrar sentido no porque está aqui, o que pode me tirar daqui”, disse.
Leide diz que o projeto tem inspiração no neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl. “Ele desenvolveu a logoterapia, para que as pessoas descubram o sentido da vida. Eu juntei a Justiça Restaurativa com ideias de Viktor Frankl e fizemos uma oficina de pensamento. Eles escreveram cartas para as mães, irmãos e parentes para pedir perdão. E aprenderam que podem transformar o futuro deles”, explica.
Oriundo de família judia e sobrevivente de campo de concentração nazista, Frankl, que viveu entre 1905 e 1997, é reconhecido como um dos maiores psiquiatras da história, criador de um método terapêutico baseado na busca pelo sentido da vida.
Desculpas a outros familiares
Outro adolescente participante do projeto prometeu para a mãe, por meio da carta, nunca mais voltar para o mundo do crime. “Mãe, eu te amo muito, tá bom? Eu sei que não fui o filho que você sempre quis, mas eu vou fazer diferente, tá bom, mãe?”, escreveu.
Parte dos menores internados foi criado pelas avós, o que motivou alguns a pedirem perdão para essas mulheres. “Vó, eu sei que você está triste, mas eu quero que a senhora não fique assim”, escreveu um adolescente.
Com 16 anos, Adam (nome fictício) também internado, escreveu uma carta para a namorada, com quem vivia antes de ser apreendido por ato infracional.
“Eu acabei fazendo algumas coisas lá. Não tinha coragem de falar pra ela. Magoei muito ela. Eu estou arrependido”, diz à reportagem o jovem, que acha ter obtido o perdão da namorada, que regularmente vem visitá-lo, com autorização judicial.
Há entre os adolescentes internados aqueles que resolveram pedir perdão para o irmão, como parte de seu estágio de ressocialização. “Nos momentos difíceis, você sempre estava comigo. Aí, meu parceiro, você tá ligado que logo menos estou de volta e eu estou sentindo sua falta e da (nome da mãe). Queria muito pegar o aniversário dela...” (MAS)
Reeducação dos infratores
O juiz da Vara da Infância e da Juventude, Evandro Pelarin, diz que a iniciativa da Justiça Restaurativa tem como intenção fazer os infratores refletirem para nunca mais errar e darem um novo rumo para suas biografias.
“O tempo que o adolescente fica internado é muito curto. Ele vai voltar (para as ruas). Nossa pergunta é saber como vai ser a sua volta e o que podemos fazer para evitar sua participação no crime”, reflete o magistrado.
Atualmente, com capacidade para 60 internos, a Fundação Casa de Rio Preto está com 44 adolescentes. A maioria levada por ter cometido ato infracional de tráfico de drogas.
Os donos de pontos de venda de entorpecentes atraem os menores de 18 anos para o tráfico, como forma de contornar a legislação penal, porque sabem que os adolescentes não passam anos presos, o que aconteceria com adultos. Desta forma, eles voltam rapidamente para trabalhar para eles, segundo informações da Polícia Militar.
Segundo Pelarin, por enquanto, é cedo para avaliar os resultados do projeto, mas ele acredita que se apenas um adolescente nunca mais se envolver com o crime será um fato a ser comemorado pela sociedade.
Além do trabalho dentro da Fundação Casa, Pelarin tenta articular em Rio Preto, junto à Secretaria de Assistência Social, parcerias com empresas da iniciativa privada para contratação desses jovens infratores para que, dentro do mercado de trabalho, eles fiquem cada vez mais afastados do crime.
Comandante do 17º Batalhão da Polícia Militar, o coronel Paulo Sérgio Martins defende que sejam implantados projetos socioeducativos, voltados para o esporte, nos bairros com maior índice de apreensões, para oferecer aos jovens alternativas que os deixem cada vez mais longe do mundo das drogas. (MAS)