Diário da Região
BAIXA COBERTURA VACINAL

Pela primeira vez, Rio Preto não atinge meta das principais vacinas infantis

Baixa cobertura vacinal e imunidade mais ‘fraca’ por conta do isolamento social deixa crianças mais vulneráveis a doenças

por Rone Carvalho
Publicado em 18/06/2022 às 16:54Atualizado em 20/06/2022 às 12:56
Erica Ferrari Garcia, 36 anos, não deixa de vacinar os filhos Matheus e Maria Luisa (Guilherme Baffi/ Arquivo)
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Erica Ferrari Garcia, 36 anos, não deixa de vacinar os filhos Matheus e Maria Luisa (Guilherme Baffi/ Arquivo)
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Pela primeira vez, Rio Preto não atingiu as metas de todas as vacinas para crianças preconizadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). O cenário vai ao encontro do que acontece no Brasil, que também enfrenta uma baixa cobertura vacinal e volta a ser assombrado por doenças que até anos atrás estavam erradicadas, como o sarampo.

Dados da Secretaria de Saúde de Rio Preto mostram que, em 2021, todas as 15 vacinas previstas no Calendário Nacional de Imunização na infância não conseguiram atingir a meta de adesão na cidade. Entre as que tiveram menor taxa de cobertura vacinal estão da febre amarela e a tríplice viral (SCR), que protege contra sarampo, caxumba e rubéola.

“É extremamente preocupante as baixas coberturas vacinais porque o vírus do sarampo, poliomielite e a bactéria que causa a difteria não foram erradicadas, elas continuam circulando. A baixa cobertura vacinal facilita que essas doenças voltem novamente a acometer a população, principalmente, as crianças”, alerta Raquel Stucchi, médica infectologista da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

As crianças brasileiras também estão com o sistema imunológico menos desenvolvido por conta dos quase dois anos de confinamento. Impedidas de brincar na rua e com a baixa cobertura vacinal, muitas estão suscetíveis a serem contaminadas por doenças bacterianas e virais.

“As mesmas crianças que não foram expostas a brincadeiras na terra e ao ar livre durante a pandemia, e que passaram a ter asma e outras doenças porque o sistema imune não se desenvolveu por falta de exposição, estão agora frequentando uma sala de aula. Isso pode deixá-las muito suscetíveis a ficarem mais doentes”, apontou a pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan, Luciana Leite.

Para Fausto Flor Carvalho, do departamento de saúde escolar da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), o surgimento de boatos sobre os imunizantes contra a Covid-19 e o distanciamento dos pais em relação a doenças que estão erradicadas há anos podem ter estimulado a baixa cobertura vacinal.

“Muitos pais não presenciaram essas doenças, não tiveram um colega com poliomielite na sala de aula. Quem teve e sentiu, normalmente, vacina os filhos. Outro fator foi a própria pandemia, com mais gente reclusa vários pais acabaram atrasando as vacinas pela falsa sensação de segurança. Só que na verdade essas doenças matam”, disse Carvalho.

Especialistas alertam que a vacinação é a única forma de evitar que doenças erradicadas não voltem. Isso porque, embora o Brasil tenha conseguido erradicar a poliomielite através da imunização, outros países ainda registram casos. “Em um mundo globalizado as doenças chegam mais rápido. Quando temos baixa cobertura vacinal, deixamos frestas para a entrada dessas doenças”, diz Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Para ela, as vacinas são vítimas do próprio sucesso. “O brasileiro por natureza gosta de se vacinar e nunca tivemos campanhas baixas de vacinação, mas esse descrédito contra os imunizantes, principalmente da Covid-19, acabou por interferir na Campanha Nacional de Vacinação”.

Michela Dias Barcelos, gerente de imunização de Rio Preto diz que a suspensão das atividades presenciais nas escolas também acabou por estimular a queda da imunização. “Temos uma lei que pede ao pai a declaração de vacinação no ato de matrícula, como bebê não frequenta e as aulas presenciais foram suspensas, isso acabou por estimular essa redução da vacinação infantil”.

ECA determina vacinação nas crianças

Guilherme Baffi/ Arquivo (Guilherme Baffi/ Arquivo)
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Guilherme Baffi/ Arquivo (Guilherme Baffi/ Arquivo)

No Brasil, muita gente não sabe, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) obriga a vacinação das crianças. “Os pais que não vacinam seus filhos, se acionados na Vara da Infância e Juventude, podem ficar sujeitos a multas e até a suspensão ou perda do poder familiar, que é a pena mais grave prevista na lei”, disse o juiz da Vara da Infância e Juventude de Rio Preto, Evandro Pelarin.

Em Rio Preto, nos últimos anos, três pais foram notificados pela Justiça para vacinar os filhos. “Nos três casos que temos aqui, já arquivados, assim que intimados pela Justiça sobre a obrigatoriedade das vacinas, os pais regularizaram as carteiras de vacinação”.

Na maioria dos casos, as fake news são as grandes vilãs da não vacinação das crianças. Estudo da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em parceria com a Avaaz, revelou que quase sete em cada dez brasileiros (67%) acreditaram em, pelo menos, uma declaração falsa relacionada a vacinação.

Entre os principais motivos elencados pelos entrevistados para não se vacinarem estão a falta de planejamento ou esquecimento; não achar que a vacina fosse necessária; falta de informação e medo de efeitos colaterais graves.

No Brasil, normalmente, as pessoas se preocupam quando acontece algum caso. Te garanto que se aparecer um caso de criança que ficou paralítica por conta da poliomielite teríamos uma correria pela vacinação, mas não pode ser assim. A gente tem a vacina para evitar que isso aconteça”, diz Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Na contramão das estatísticas, Erica Ferrari Garcia, 36 anos, não deixa de vacinar os filhos Matheus e Maria Luisa. Assim como Marcela de Jesus Romão Murad, 36 anos, que está imune contra fake news e vacinou o filho Heitor Murad, 10 anos, no início do ano contra a Covid-19.

“A gente espera que a população se conscientize da importância da vacinação, que confira se está com o calendário de imunização em dia. Em Rio Preto, a gente sempre teve bons índices vacinais, mas no ano passado, infelizmente, começamos a ter uma queda. É muito importante que as pessoas se vacinem”, afirma Michela Dias Barcelos, gerente de imunização de Rio Preto.

Mitos e verdades sobre as vacinas

1 - AS VACINAS SÃO EFICAZES

VERDADE - Na maioria das vacinas, 97% das pessoas que são imunizadas ficam protegidas. Além de evitar a contaminação por vírus ou bactérias, a imunização combate as complicações das doenças. Por exemplo: ainda que alguém vacinado pegue gripe, provavelmente não desenvolverá pneumonia nem precisará ficar internado.

2 - SE A DOENÇA ESTÁ QUASE ERRADICADA, NÃO PRECISO ME VACINAR

MENTIRA - Mesmo que o município, estado ou país não registrem casos da doença há algum tempo, o vírus pode estar circulando em locais vizinhos ou distantes e pode ser reintroduzido a qualquer momento por viajantes, causando uma epidemia se a maioria da população não estiver imunizada. Essa possibilidade é ainda maior com a globalização. Só é possível deixar de fazer a vacinação quando a doença não existe em nenhum outro lugar do mundo e até hoje só uma está nessa lista: a varíola.

3 - SEM A VACINA, A DOENÇA PODE VOLTAR A CIRCULAR

VERDADE - Uma grande cobertura vacinal protege inclusive quem não pode tomar a dose (caso dos imunodeprimidos com relação à vacina contra poliomielite, por exemplo). É a chamada imunidade de rebanho: o micro-organismo pode até tentar circular, mas não encontra espaço para isso. Se o índice de vacinação diminui, significa que mais pessoas estão suscetíveis à doença, abrindo as portas para uma epidemia. Assim, a eliminação de uma doença em alguns países não significa que ela não pode retornar. Isso porque em outros ela pode continuar circulando e com baixa cobertura vacinal encontrar frestas para voltar a circular nos países que tinham erradicado a doença. Há alguns anos, por exemplo, foi identificado no aeroporto de Viracopos o vírus da poliomielite. Alguém entrou no Brasil com ele, mas ele não conseguiu achar ninguém que fosse vulnerável.

4 - SÓ FOI POSSÍVEL ERRADICAR ALGUMAS DOENÇAS POR CAUSA DAS VACINAS

VERDADE - Em 1994 a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) declarou a erradicação nas Américas do vírus selvagem da poliomielite, o que só foi possível graças a campanhas de vacinação. A imunização foi desenvolvida na década de 1950. Até então a doença causava pânico no mundo inteiro por causa de consequências graves - paralisia e incapacidade de respirar sem a ajuda de aparelhos - que atingiam milhares de pessoas. No Brasil, o último caso foi registrado em 1989. Em 2017, 96,5% das crianças até um ano foram imunizadas em Rio Preto contra a doença.

5 - VACINA CAUSA AUTISMO E DEPOIS DE TOMÁ-LAS AS CRIANÇAS MUDAM DE COMPORTAMENTO

MENTIRA - Um estudo europeu apresentado em 1998 levantou a hipótese de que a vacina contra o sarampo, caxumba e rubéola (tríplice viral) causaria autismo. Ele foi considerado falho e retirado da revista que o publicou. O autor chegou a perder o registro profissional por ter manipulado os dados, mas o pânico já estava instalado e houve surtos dessas doenças. As vacinas também não provocam mudanças de comportamento.

6 – É MELHOR SER IMUNIZADO PELA VACINA DO QUE PELA DOENÇA

VERDADE - Na maioria das vacinas, o micro-organismo está inativado, então vai induzir o organismo a produzir anticorpos contra a doença sem que os sintomas se desenvolvam. Mesmo quando o agente está vivo (caso das vacinas contra febre amarela, varicela, sarampo e poliomielite), ele passa por um processo chamado de atenuação, perdendo, portanto, a capacidade de provocar a doença. Caso a pessoa seja contaminada sem estar vacinada, corre o risco de ter complicações graves e morrer.

Fontes - Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e reportagem

CALENDÁRIO NACIONAL DE VACINAÇÃO

CRIANÇAS

Ao nascer - BCG e Hepatite B

2 meses - Pentavalente, poliomielite (inativada), pneumocócica 10V e rotavírus

3 meses - Meningogócica C

4 meses - Pentavalente, poliomielite (inativada), pneumocócica 10V e rotavírus

5 meses - Meningocócica C

6 meses - Pentavalente e poliomielite (inativada)

9 meses - Febre amarela

12 meses - Pneumocócica 10V, meningocócica C e tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola)

15 meses - Pentavalente com DTP (difteria, tétano e pertússis), poliomielite (atenuada), hepatite A e tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e catapora)

4 anos - Pentavalente com DTP (difteria, tétano e pertússis), poliomielite (atenuada) e catapora

ADOLESCENTES

Hepatite B - Três doses, dependendo da situação vacinal

Meningogócica C - 11 a 14 anos - Um reforço ou dose única, dependendo da situação vacinal

Febre amarela - Dose única, dependendo da situação vacinal

Tríplice viral - Duas doses, dependendo da situação vacinal

HPV - Duas doses em meninas de 9 a 14 anos e duas doses em meninos de 11 a 14 anos

Dupla adulto - (tétano e difteria) - Uma dose a cada dez anos, se comprovado esquema anterior contra as doenças

ADULTO (20 a 59 anos)

Hepatite B - Três doses, dependendo da situação vacinal

Febre amarela - Dose única, dependendo da situação vacinal

Tríplice viral - Duas doses, dependendo da situação vacinal

Dupla adulto - (tétano e difteria) - Uma dose a cada dez anos, se comprovado esquema anterior contra as doenças

IDOSO (60 ANOS OU MAIS)

Hepatite B - Três doses, dependendo da situação vacinal

Febre amarela - Dose única, dependendo da situação vacinal

Dupla adulto - (tétano e difteria) - Uma dose a cada dez anos, se comprovado esquema anterior contra as doenças

GESTANTE

Hepatite B - Três doses, dependendo da situação vacinal

Dupla adulto - (tétano e difteria) - Três doses, dependendo da situação vacinal

dTpa - (difteria, tétano e coqueluche) - Uma dose a cada gestação a partir da 20ª semana

INFLUENZA

Reforço anual - Crianças até 6 anos incompletos, gestantes, puérperas, idosos, pessoas com doenças crônicas e comorbidades, indígenas, trabalhadores da saúde, professores, funcionários do sistema prisional e
população carcerária