Em uma década, transporte coletivo de Rio Preto perde 34% dos passageiros e frota de veículos cresce
Uso de veículos menores faz aumentar a quantidade de emissão de poluentes. Cidades 'desperdiça' aproximadamente 30 quilômetros de ciclovias que poderiam contribuir para redução da emissão de gases do efeito estufa

Mais gente andando sozinha no carro e menos de transporte coletivo. Esse é o cenário rio-pretense em relação ao uso dos modais de transporte. Dados da Secretaria Municipal de Trânsito apontam que, em uma década, o número de passageiros no transporte coletivo de Rio Preto caiu 34%. Ao mesmo tempo, a frota de veículos da cidade cresceu 23%, segundo levantamento do Sistema Nacional de Trânsito (Senatran).
A importância do incentivo a modais de transportes renováveis é o tema da segunda reportagem da série Caminho Verde, que também revela o potencial de Rio Preto de ter o dobro de ciclovias do que atualmente contabiliza.
Receio de contaminação pela Covid, baixa qualidade do serviço oferecido e demora para chegar no local de destino são apontados como principais fatores para fuga do rio-pretense do transporte coletivo da cidade. Contudo, o problema não é restrito a Rio Preto.
Um estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostrou que o número de passageiros pagantes transportados pela frota de ônibus urbano chegou a cair pela metade nas cidades brasileiras nos últimos meses. Em Rio Preto, para se ter ideia, a redução foi de 46% entre 2019 e 2020.
“Precisamos priorizar o transporte coletivo e mudar o modelo de negócio. Atualmente, na maioria das cidades, a receita é baseada na tarifa, o que gera uma deterioração do sistema a partir da redução de passageiros”, disse Cristina Albuquerque, gerente de mobilidade da WRI Brasil.
É preciso encontrar outras fontes de custeio. “Uma delas é o valor cobrado do estacionamento rotativo ser repassado ao transporte coletivo, como forma de melhoria dos serviços oferecidos. Isso porque o transporte público tem que ser mais interessante que o carro. Ou seja, eu saber que vou chegar mais rápido de ônibus do que de carro, o que na maioria das vezes não acontece”, defende.
Rio Preto ‘desperdiça’ 30 quilômetros de ciclovias
Jane Crotti, 53 anos, é uma das rio-pretenses que resolveram trocar o transporte coletivo pelo uso da bicicleta para trabalhar. Faça chuva ou sol, ela percorre aproximadamente seis quilômetros de bicicleta para chegar ao trabalho e mais seis para voltar. “Foi a melhor decisão que adotei. Até deixei de tomar remédio para dor”.
O torneiro mecânico Danilo Souza, 40 anos, também usa a bicicleta para chegar ao trabalho. “Desde criança eu gosto de bicicleta, fui crescendo e adotei como meio de transporte. Não tem um dia que não ando”.
Embora Rio Preto tenha clima e relevo favoráveis para o incentivo da bike como meio de transporte, Danilo e Jane ainda representam uma minoria de rio-pretenses que utilizam a bicicleta como meio de locomoção. “Infelizmente, as ciclovias de Rio Preto são mais para passeio, falta um modelo de integração entre elas. Poderia ser como em Santos, que a ciclovia atravessa a cidade”, opinou Danilo.
Para a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Gheysa Caroline Prado, a ausência de políticas públicas, que pensem e priorizem a mobilidade urbana do ponto de vista das pessoas, leva o sistema de transporte do Brasil a continuar focado em veículos motorizados privados.
“As políticas públicas de transporte no Brasil, desde muito tempo, vêm sendo pautadas na lógica motorizada, espelhadas principalmente nas políticas estado-unidenses. Isso se deve, em parte, pelo lobby do setor industrial automotivo que também trabalha, por meio de comerciais e propagandas, na construção do imaginário social e cultural de que o sucesso está na aquisição e posse de um carro”, destacou.
Como consequência, há investimento massivo em ruas, viadutos e avenidas, pensados para quem se desloca utilizando o carro. “E esquece-se das outras formas de deslocamento, seja com o uso do transporte coletivo, ou meios ativos como a bicicleta e a caminhada”, afirmou a pesquisadora.
Rio Preto possui 26,55 quilômetros de ciclovias, mas pesquisadores ouvidos pelo Diário apontam que a cidade “desperdiça” aproximadamente outros 30 quilômetros de vias que também poderiam ter faixas exclusivas para bicicletas. É o caso da avenidas Murchid Homsi, Juscelino Kubitschek de Oliveira e Alberto Olivieri.
“O sucesso das ciclovias não depende apenas da construção delas, mas da interligação com outros modais de transporte, apoio logístico das empresas, como vestiários com banho para os trabalhadores, e do conforto nas próprias ciclovias em relação ao clima local, ou seja, arborização das faixas para bicicletas é fundamental em cidades de calor intenso, como Rio Preto”, defendeu Delcimar Teodózio, arquiteta, urbanista e professora da Unirp.
Política para ciclistas
Autora do primeiro trabalho brasileiro que estimou a frota de bicicletas no País, Glaucia Pereira ressalta que os dados apontam 33 milhões de bikes no Brasil, sendo 8 milhões apenas no Estado de São Paulo. O que evidencia a importância de políticas públicas voltadas aos ciclistas.
“Os dados mostram que no interior as pessoas costumam ter mais bicicletas do que nas grandes capitais. Em cidades pequenas e médias, a baixa velocidade das vias acaba por estimular as pessoas a andarem de bicicleta”, disse a também fundadora do Instituto Multiplicidade de Mobilidade Urbana.
“Geralmente, as ciclovias são implantadas em lugares mais ricos das grandes cidades. Isso acaba por criar o estigma de que é caro andar de bicicleta”, explicou Glaucia. (RC)

Mais carros, mais poluição
No País, onde andar de ônibus frequentemente é associado com menor poder aquisitivo, a falta de investimentos no setor somente estimula ainda mais a fuga de passageiros. Na contramão, cresce a procura dos brasileiros pelo primeiro carro ou moto.
O problema é que a fuga do transporte coletivo e o crescimento da frota de veículos aumentam a emissão de gases do efeito estufa e pioram a qualidade do trânsito rio-pretense. “Um ônibus convencional tem capacidade de comportar 80 pessoas, enquanto um carro cinco. Mas, no Brasil, a ocupação é de, em média, 1,2 passageiro por carro. Quando falamos de aumento da frota de veículos, não representa apenas aumento da emissão de gases do efeito estufa, mas também de congestionamentos”, falou Cristina.
Simulador da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) mostra que, se Rio Preto conseguisse substituir 20% das viagens de carro por ônibus, haveria 14% de redução no consumo do espaço viário e 19% menos poluentes emitidos no ar da cidade. “Para melhorarmos os aspectos climáticos, temos também que ter a utilização de veículos híbridos, elétricos, que deverão ser implantados a longo prazo, em função do custo de aquisição”, defendeu o secretário de Trânsito de Rio Preto, Amaury Hernandes.
VIAS PARA BICICLETAS
Ciclovia - são vias destinadas à circulação de bicicletas separadas fisicamente do tráfego motorizado por canteiros ou barreiras
Ciclofaixa - parte da pista de rolamento destinada à circulação exclusiva de bicicletas, sem qualquer separação física.
Ciclorrota - são trechos em que bicicletas e veículos motorizados trafegam juntos, com sinalização para os ciclistas.
Ciclovia operacional - via isolada temporariamente por agentes de trânsito para circulação de bicicletas. É o caso de fechar o calçadão apenas para bicicletas aos domingos.
Espaço compartilhado
De acordo com o Código Brasileiro de Trânsito (CBT), quando não houver ciclovia ou ciclofaixa, carros e bicicletas devem ocupar o mesmo espaço viário. A legislação diz que veículo maior deve deixar uma distância mínima de 1,5m no ato de ultrapassagem.
CICLOVIAS
Av. Ernani Pires Domingues: 2,10 km.
Av. Nametalah Youssef Tarraf: 0,16 km.
Av. Philadelpho (Dr. Wilson Romano Calil): 6,25 km
Viaduto Jordão Reis: 0,90 km
Lago 3 da Represa Municipal: 1,97 km
Av. Chosso Okanobo: 0,79 km.
Av. Bady Bassitt - 7,15 km de extensão - Av. Bady Bassitt: 6,60 km e Av. J.K. de Oliveira: 0,55 km (considerada apenas a ciclovia; atualmente a pista de caminhada é utilizada por ciclistas, apesar de sinalização de proibição)
Av. Ricardo Siqueira de Mendonça/Estrada Vicente Polachini/ Trecho Av. Nadima Damha: 1,66 km
Av. Cecconi e Gerosa e parte da Av. Nadima Damha: 1,0 km.
Av. Pedro Vilela Machado: 0,55 km
Residencial Fraternidade: 2,21 km.
Av. Dr. Lotf João Bassitt: 0,76 km.
R. Izidoro Pupin: 0,50 km.
Av. Manoel Miceli: 0,1 km
Rua Josias Frazzato: 0,40 km.
Av. Raife Rached Abissamra: 0,13 km.
Total: 26,55 km
Uso dos trilhos é opção para o futuro
Já para a arquiteta, urbanista e professora da Unirp Delcimar Teodózio, além do incentivo ao transporte coletivo, é necessário que a cidade incentive o uso das ciclovias e invista no transporte ferroviário de passageiros, que há anos está desativado.
“A retirada do trem de carga da área urbana proporciona a possibilidade de implantação de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT) ou corredor exclusivo de ônibus elétrico bi ou tri-articulado neste eixo ferroviário, contribuindo no planejamento da mobilidade da região metropolitana”, destacou.
Delcimar defende a importância da cidade pensar um projeto de integração dos modais de transporte, não ficando mais apenas restrita ao uso do veículos rodoviários. “A integração entre ônibus urbano e o VLT no futuro também favorece a mobilidade sustentável. Além disso, a implantação de infraestrutura para ciclovias também é imprescindível, tal como a construção de espaços exclusivos, separados dos veículos, com semáforos e sinalização próprios, estacionamentos e pontos de apoio (bebedouro de água e bomba para encher pneu)”, defendeu a arquiteta. (RC)
Benefício até financeiro
Um simulador feito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) aponta os benefícios de quem usa a bicicleta para ir ao trabalho. No caso de Jane, por exemplo, que chega a percorrer 12 quilômetros durante cinco dias da semana para chegar ao trabalho, a economia no ano é de R$ 3.188, somente com combustível. O simulador também mostra que ela chega a queimar 312 mil calorias por ano e evita 1.392 quilos de gases poluentes na atmosfera ao utilizar a bicicleta.
“A cidade, o meio ambiente e as pessoas, mesmo as que não têm nenhuma intenção de usar a bicicleta como transporte, ganham com a implantação de modais sustentáveis. Além disso, usar a bicicleta para se deslocar mantém as pessoas ativas, promovendo melhora na circulação sanguínea, redução da pressão arterial, e outros problemas de saúde relacionados ao sedentarismo”, disse a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Gheysa Caroline Prado, uma das idealizadoras do simulador.
Ana Luiza Carboni, diretora da União de Ciclistas do Brasil (UCT), também defende que o uso da bicicleta permite reduzir congestionamentos e a poluição sonora das grandes cidades. “Diminui em seis vezes a chance de uma pessoa desenvolver doenças crônicas (como a diabetes e a pressão alta), o que também traz economia para a saúde pública”. (RC)