Da pizza ao churrasco, Rio Preto viveu uma época distante do fast food


Em 1972, quando os aficionados em novela curtiam a trama de Selva de Pedra, Roberto Carlos perguntava ao pé do ouvido ‘Como vai você’, Elis Regina sonhava com uma ‘Casa No Campo’ e quando o América de Rio Preto assombrava adversários no ‘caldeirão do Diabo’, o conceito de fast food em capítulos recentes e inusitados – lanche de picanha sem picanha e de costela sem costela – passava muito longe daqui. O mais próximo da ideia de fast food, naquela época, era apanhar alguma fruta madurinha nas mangueiras e goiabeiras que ainda resistiam de pé pelos lados da Boa Vista e da Represa Municipal.
Comida fora de casa, era comida de ‘verdade’ e com fartura na mesa. Apenas o food, sem o fast, como neste anúncio de meio século atrás:
“Churrascaria do Trevo! Lá você passa horas e horas com sua família. Churrascos de carneiro, lombo de porco, vaca e frango. Você terá paz e alegria. Avenida Nossa Senhora da Paz com BR-153, ao lado da Patrulha Federal”.
O convite da churrascaria para passar “horas e horas com a família” parece tão irresistível quanto impossível quando verificamos a vida agitada de hoje, atada a compromissos e horas intermináveis no compasso de um tempo ilusoriamente virtual. A sensação é de que restou apenas o fast, e o food ganhou gosto de saudade.
Como neste outro anúncio, também de 50 anos atrás, quando a Bambina anunciava para os rio-pretenses mais uma novidade em seu cardápio: “Churrasco tipo gaúcho. A novidade é mesmo agradável – ali, no coração romântico da cidade, além do já famoso restaurante que serve à la carte, agora um lançamento diferente. Todos vão adorar: t. bone steak e lombo de porco; você tira carne à sua vontade. A qualidade e o bom paladar, a Bambina garante”.
Ao imaginarmos um lugar assim, no “coração romântico” de Rio Preto, percebe-se que algo mais se modificou naquilo que não era fast, somente food em ambiente agradável; pressa, apenas para provar as delícias dos pratos. E o certo ar bucólico que o coração da cidade capturava naqueles tempos da velha Catedral e sua praça meticulosamente ajardinada, não existe mais.
Ficou o gosto de saudade, tal e qual as sessões “vesperais” dos cinemas que emprestavam um charme a mais às praças centrais. Agora só um letreiro distante de uma história pra recordar, um cartaz impresso na mente, de matinês com o gosto de drops Dulcora, encontros em torno da fonte, passeios sem pressa alguma. Em família, de mãos dadas, a dois e em sorrisos sob noites mais leves.
À caçadora e na junta
Em 1972, a grande sensação em Rio Preto era poder adquirir uma tv em cores, “o negócio do momento”, como enfatizavam as propagandas. Um bem ainda de preço impopular, tanto que se anunciava o início do “primeiro grupo de consorciados” para compra do aparelho. “Apenas 100 cruzeiros de entrada”.
Um investimento para quem podia ver, colorizado, o desenrolar da novela de Janete Clair e a relação dos personagens interpretados por Dina Sfat e Francisco Cuoco, que a censura taxou de polígama. Ou torcer pelo Palmeiras de Ademir da Guia, Levinha e cia., cujo talento raro rendeu a conquista do título nacional daquele ano e fez o clube alviverde ser chamado de Academia.
E daí, porque não, uma parada estratégica na Salada Paulista, já famosa por seus pratos, sua pizza e sua alma boêmia, que há meio século incorporava outras novidades em seu cardápio: “frango assado, a passarinho, à caipira, na junta e à caçadora”. E a casa mandava avisar que “aceitava encomendas e entregava em domicílio” e que era para “abusar do bom serviço” do estabelecimento, também um capítulo de saudade no cenário central de Rio Preto.
Feijoada
Ainda em 1972 quando, sob a batuta de "Mestre Boca", a escola Sambaderna fez história ao ganhar o carnaval de rua de 1972 (quando a Bernardino de Campos fazia as vezes de passarela do samba), com o tema "O Circo", o Bar do Waldemar, localizado no clube Palestra, divulgava sua feijoada irresistível. Pra apreciar sem pressa nem ‘fast’. E pra quem quisesse, havia opção de entregar no endereço do cliente.
Já no Carijó Frango, situado na rua Tiradentes, além da especialidade da casa também era servido maionese, quibe cru, sopa de cebola e canja. Na mesma rua, no Buteko do Adão, a degustação do bolinho de bacalhau (e de álcoois, logicamente) era embalada pelo violão do mestre José Rastelli. E no Bar do Ziqui, em frente ao Monte Líbano, degustar sem pressa “o verdadeiro bauru”, preparado com filé mignon de novilho precoce. Boas pedidas pra depois de chacoalhar o esqueleto nos bailes dos clubes e associações.
Pratos, comidas, aromas e sabores de mesas, lugares em que vida fluía diferente. Com muito mais food, sem o fast que por vezes rouba momentos, desconvida os encontros. Num tempo que voa depressa como nos “turbos jumbos” que a Viação Cometa lançava meio século atrás, levando histórias, trazendo saudades.