Bolivianos reconstroem a vida em Bady após escravidão
Seis anos após serem flagrados em condições desumanas, 500 bolivianos reconstroem a vida em Bady








No campo de futebol improvisado, um grupo de bolivianos se reúne para aquele que é um dos raros momentos de lazer ao longo da exaustiva semana de trabalho. Aos domingos, homens, mulheres e crianças das mais diversas idades fazem daquele pequeno espaço, próximo à avenida Borboleta, em Bady Bassitt, um pedacinho do país de origem. Entre chutes, dribles e muita conversa, expressões de quem teve a possibilidade de um recomeço longe de casa.
O que surgiu em meados de 2010 como turismo para o boliviano Carlos Lujan Quiñonez, 28 anos, natural de La Paz, hoje significa trabalho e dignidade para ele e outras 500 pessoas de seu país de origem. Segundo dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), da Polícia Federal, até o último dia 21 de novembro foram registrados 501 bolivianos com endereços em Bady Bassitt. Todos legalmente instalados no município e com autorização de residência no Brasil. E todos no mesmo ramo de atividade profissional: confecção.
A cidade de 16.850 habitantes, de acordo com o Atlas Temático - Observatório das Migrações em São Paulo -, é considerada polo de atração de bolivianos. Eles representam 3% da população do município. Atuando na fabricação de roupas femininas, cada trabalhador tem renda mensal aproximada de R$ 3,5 mil.
Casado com Beatriz Calle Cruz, também com 28 anos, Quiñonez é um dos líderes dos bolivianos. Pais de dois filhos brasileiros, o casal não tem saudade da vida que levava na Bolívia. "Aqui, apesar de muito trabalho, somos recompensados. Temos qualidade de vida e conquistamos nosso espaço com honestidade. Estamos totalmente inseridos em Bady, o que nos impede de pensar em retorno ao nosso país", afirma.
Silbério Sandoval Leon, 22, de Sucre, é solteiro e está há três anos no município. Reside com amigos, todos costureiros, em um imóvel alugado. Afirma que não conhecia a profissão, mas que, hoje, encontra-se realizado com o que faz. "Não tenho do que reclamar. Foi costurando que consegui ter uma vida melhor. A distância é, sim, dolorida. Mas temos também, além do futebol, uma igreja onde nos reunimos. Essa união ajuda a diminuir a saudade de onde viemos", diz.
DificuldadesHoje, os bolivianos vivem com tranquilidade em Bady Bassitt. Porém, em 2012, uma operação deflagrada pela Polícia Federal constatou condições inadequadas e desumanas de trabalho. Muitos chegavam a trabalhar 14 horas por dia para entregar os pedidos feitos por empresas do setor, a maioria da capital paulista. "Não tínhamos registro em carteira e nenhum direito. Após a operação, nos adequamos e aprendemos, com as dificuldades, como realmente deveríamos trabalhar. Somos autônomos, sem vínculos trabalhistas. Escolhemos a quem vender nossas peças", complementa Quiñonez.
No setor de taxas e licenças de funcionamento da Prefeitura de Bady Bassitt existe o registro de mais de 20 microempreendedores individuais bolivianos. Já na rede municipal de ensino, 102 crianças estão devidamente matriculadas nas escolas municipais.