Com maior seca em 7 anos, Rio Preto registra um foco de incêndio por hora
Nos últimos quatro meses, Rio Preto registrou apenas cinco milímetros de chuva. Em contrapartida, tem em média um incêndio por hora no mesmo período

A seca que castiga a região já fez aparecer a ponte que normalmente é submersa pelas águas da usina Água Vermelha, em Indiaporã. Este ano em Rio Preto é o mais seco desde 2014, considerando o período de janeiro a setembro. Foram registrados em 443 milímetros de precipitações – no ano passado, foram 814 no período. O Corpo de Bombeiros também contabiliza um recorde de queimadas: são 3.062 até o dia 22 de setembro, mais do que o sobro das 1.167 registradas em todo o ano passado. Na região já foram 5.630 incêndios, ante 4.680 em 2020.
De junho até 22 de setembro se passaram 114 dias. Nesse período, foram registradas 2,5 mil incêndios em Rio Preto, onde não chove de verdade desde 20 de maio, de acordo com o Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto (Semae). São 22 queimadas em média por dia, quase uma por hora.
Nesta terça-feira, 22, uma forte frente fria chegou à região. Em vez de trazer alívio, se chocou com a massa de ar quente que estava suspensa por aqui e provocou ventos que chegaram a 40 km/h. As temperaturas caíram, sim, mas o material particulado que estava no ar foi espalhado, turvando ainda mais o horizonte, formando uma nuvem de poeira. A qualidade do ar nos últimos dois dias ficou ruim, de acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

Dois fatores são essenciais para aliviar todo esse cenário: árvores para filtrar as impurezas em suspensão e chuvas para literalmente lavar o ar. As primeiras são constantemente dizimadas pelas queimadas, que atingem grandes áreas do Instituto Penal Agrícola (IPA), onde fica a Floresta do Noroeste Paulista. Segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), alguma previsão de chuva é apenas para o início de outubro.
Nesta quinta-feira, a temperatura mínima chegou a 15,5 graus e a máxima a 33,8 graus. A umidade relativa do ar atingiu os 72% pela manhã, mas no período da tarde estava em 32%, bem aquém dos 60% tidos como ideais à saúde humana pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O problema enfrentado pela região não começa por aqui. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o desmatamento da Amazônia em agosto foi o pior para o mês em dez anos. “Você diminui a evapotranspiração na Amazônia. A gente tem uma grande área floresta que é muito importante para a formação de nuvens de chuva, os rios voadores”, explica Valéria Stranghetti, doutora em Biologia Vegetal e professora da Unirp. “Através da ação de ventos, elas vêm para a região Sudeste do Brasil e ajudam na formação de chuvas. Quando tem desmatamento elevado, ocasiona falta de chuvas.”
Assim como em outras cidades da região, Rio Preto segue em racionamento. De acordo com o Semae, o Lago 1 da Represa está com 6,5 cm abaixo do vertedouro; o Lago 3 está um centímetro abaixo do vertedouro.
Usinas sem volume útil
A falta de chuvas levou a zero o volume útil das hidrelétricas de Ilha Solteira, no rio Paraná, e Três Irmãos, em Pereira Barreto, no rio Tietê. A usina de Marimbondo, no rio Grande, entre Icém e Fronteira (MG), está com 8,93% de volume útil – as três têm os menores níveis do País, segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS). A de Água Vermelha, em Indiaporã, está em 11% – o suficiente para fazer a ponte que normalmente é submersa aparecer. Se secar mais, corre-se o risco da antiga Rubinéia, submersa pelas águas da usina, também surgir.
Em nota, a CTG, que administra a hidrelétrica de Ilha Solteira, afirmou que, para manter a operação sem restrições, a cota mínima de operação pode chegar a até 314 metros em situações excepcionais como essa, e que o nível do reservatório estava em 321,8 m.
Furnas, que administra a usina de Marimbondo, diz que o reservatório da usina está com elevação de 429,53 metros e que ela está operando conforme despacho do ONS, com geração média em torno de 151 MW, o que corresponde a 11% da capacidade instalada.
A reportagem entrou em contato com a Tijoa, que administra Três Irmãos, e com a AES, responsável por Água Vermelha, mas não obteve retorno, bem como não houve resposta do ONS.
De acordo com Furnas e CTG, o responsável por operar o conjunto de reservatórios brasileiros de forma integrada, bem como a energia gerada por eles, é o ONS. Ou seja, os reservatórios em nível baixo não representam risco de apagão necessariamente, porém todo o País enfrenta seca, então é importante que todos economizem o máximo de energia possível, bem como água, para evitar que o racionamento avance. (MG)
Chuva x Fogo

Chuvas em Rio Preto de janeiro a setembro
- 2021: 443 mm
- 2020: 814 mm
- 2019: 653 mm
- 2018: 485 mm
- 2017: 1.102 mm
- 2016: 892 mm
- 2015: 858 mm
- 2014: 434 mm
Chuvas em Rio Preto neste ano
- Janeiro: 193 mm
- Fevereiro: 134 mm
- Março: 79 mm
- Abril: 7 mm
- Maio: 25 mm
- Junho: 5 mm
- Julho: 0 mm
- Agosto: 0 mm
- Setembro: 0 mm
Incêndios em Rio Preto
- 2021*: 3.062
- 2020: 1.167
- 2019: 777
- 2018: 738
- 2017: 922
Incêndios na região
- 2021*: 5.630
- 2020: 4.680
- 2019: 3.452
- 2018: 3.276
- 2017: 3.512
* Dados até 22 de setembro. No restante, dados são do ano inteiro
Usinas hidrelétricas
- 39 é o número de reservatórios listados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS)
Usinas com pior situação em relação ao volume útil
- Ilha Solteira: 0
- Três Irmãos (Pereira Barreto): 0
- Marimbondo (entre Icém e Fronteira-MG): 8,93%
Outra usina da região
- Água Vermelha (8ª pior em volume): 11,04%
Fonte: Corpo de Bombeiros, Semae e ONS
Atos e consequências
De acordo com a professora Denise Cerqueira Rossa Feres, do Departamento de Zoologia e Botânica do Ibilce, campus rio-pretense da Unesp, as mudanças climáticas estão ocorrendo mais rapidamente do que os cientistas acreditavam.
“É óbvio que se a gente tivesse muitas árvores nas ruas sombreando, se a gente tivesse fragmentos de florestas ao redor da cidade, amenizaria muito a temperatura, aumentaria bastante a umidade relativa do ar e filtraria essa poeira”, afirma. “Os fragmentos de vegetação que a gente tinha queimaram, que era a Estação Ecológica do Noroeste Paulista e a Floresta Estadual do Noroeste Paulista. O pessoal só pensa em construir, cimentar e fazer prédio, a gente não vai ter água.”
São dois tipos de material particulado liberado pelas indústrias, incêndios e queima de combustíveis fósseis, como a gasolina: o MP 10 e o MP 2,5. De acordo com a docente, eles entram pelo nariz e chegam a atravessar o pulmão e cair na corrente sanguínea. “Além dos problemas respiratórios que a gente conhece, pode causar infarto, câncer de pulmão e de bexiga e diabetes, como foi descoberto há alguns anos.”
Denise ressalta que é importante legislar em favor do meio ambiente e que o descaso vai ter consequências. “A gente não pode continuar vivendo como há um tempo atrás e como vive agora. Se não pensar em mitigar os efeitos da mudança climática, essa região vai perder todo o atrativo.” (MG)
Colisão causada por fumaça mata mãe e filho

Um engavetamento provocado pela fumaça de um incêndio que atingiu plantações de cana-de-açúcar matou mãe e filho, ambos moradores de Rio Preto, na noite de quarta-feira, 22, na rodovia Washington Luís (SP-310), em Araraquara. O motorista que dirigia o veículo, pai da criança, está internado em estado grave na Santa Casa da cidade.
A família estava em um Ford Ka que foi prensado entre dois caminhões. Segundo o boletim de ocorrência, o motorista de um caminhão reduziu a velocidade devido à densidade da fumaça, que atrapalhava a visibilidade na pista. Um segundo caminhão bateu na traseira dele e, na sequência, foi atingido pelo Ford Ka onde estava a família de Rio Preto. Um terceiro caminhão bateu na traseira do carro, prensando o veículo.
O carro era conduzido por Vilson Ladeia Semenzin, 33 anos, que foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e encaminhado em estado grave para a Santa Casa de Araraquara. A unidade não passou informações sobre o estado de saúde dele. O filho de Vilson, de 10 anos, e a mulher, Roberta de Oliveira Silva, de 33 anos, morreram no local.
Os motoristas dos caminhões não sofreram ferimentos. Eles foram submetidos a testes do bafômetro, que constataram que eles não ingeriram bebidas alcoólicas, segundo o boletim de ocorrência. Os corpos das vítimas foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML).
(Colaborou Marco Antonio dos Santos)