Diário da Região
A GATA DA DISCÓRDIA

Advogada afirma que Bem-Estar não pode reter animal 

Para a especialista Clara Bastos, condicionar a devolução da gata Milk ao pagamento do tratamento pode configurar prática abusiva e ilegal. Clique no link e entenda o caso

por Joseane Teixeira
Publicado há 5 horasAtualizado há 10 minutos
A gata Milk só será devolvida mediante pagamento dos custos do tratamento, orçado em R$ 4.512,61 (Arquivo Pessoal)
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A gata Milk só será devolvida mediante pagamento dos custos do tratamento, orçado em R$ 4.512,61 (Arquivo Pessoal)
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Na edição desta quinta-feira, 16, o Diário publicou a história de uma família que tenta recuperar a posse de uma gatinha de estimação, a Milk, retida pela Secretaria do Bem-Estar Animal após a pasta descobrir que os tutores mentiram ao afirmar que o pet era animal de rua para ter acesso a atendimento veterinário gratuito. O casal assume o erro, mas justifica que o cometeu em um momento de desespero: “Estávamos desempregados. Era isso ou esperar a Milk morrer”, conta a tutora Miriane Mireli de Lima Pereira.

O fato tem gerado bastante discussão nas redes sociais. Afinal de contas, o Bem-Estar tem prerrogativa legal para condicionar a devolução do animal ao pagamento do tratamento?

Segundo a advogada Clara Bastos, especialista em Direito Empresarial, a apreensão de um animal com tutor somente é legítima quando houver constatação de maus-tratos, situação em que devem ser adotadas providências não apenas administrativas, mas também de natureza criminal. “Não se pode simplesmente doar o animal a um terceiro sem a realização do devido processo legal, como repassado pelos representantes”, alerta.

Para contextualizar a questão, a especialista cita o artigo 17, parágrafo único, do Código de Ética do Médico-Veterinário, que estabelece que é vedado ao profissional reter o paciente (no caso, o gato) como forma de garantia de pagamento.

“Portanto, se a retenção foi determinada ou comunicada por um médico-veterinário responsável, ou por alguém sob sua supervisão, ele poderá responder administrativamente pelos seus atos e, a depender da gravidade da conduta, até mesmo perder o direito de exercer a profissão”, afirma.

Para a advogada, é possível, também, aplicar o Código de Defesa do Consumidor no caso, por se tratar de um serviço público realizado por meio de contratação de empresa privada – neste caso, um hospital veterinário.

“Do ponto de vista jurídico, o meio adequado para a universidade buscar o ressarcimento dos custos da cirurgia é por meio de ação de cobrança, não sendo legítima a retenção do animal como forma de pressão ou garantia de pagamento. Assim, tal conduta pode ser caracterizada como abusiva e ilegal”, diz.

Questionada sobre como a família deve proceder, Clara respondeu que podem buscar a Defensoria Publica ou o Convênio da Ordem dos Advogados do Brasil para recorrer ao Poder Judiciário por meio de ação de obrigação de fazer com pedido liminar, requerendo a imediata restituição do animal.

Em nota, o Hospital Veterinário da Unirp informou que está acompanhando a situação, mas que não pode prestar mais informações a respeito, "tendo em vista que somente é um prestador de serviços junto à Secretaria Municipal de Bem-Estar Animal".

A entidade ainda manifesta que "espera que tudo seja resolvido o mais breve, e da melhor forma possível".

A família praticou crime?

“Pode-se compreender que a família agiu em desconformidade com o princípio da boa-fé. Contudo, o simples fato de terem levado o animal para atendimento social, afirmando que se tratava de um animal de rua, não permite concluir, por si só, pela prática de maus-tratos”, afirma a advogada.

Clara Bastos acrescenta que é possível sustentar que, em razão do vínculo afetivo existente entre a família e o animal, a conduta, embora equivocada, decorreu de uma tentativa desesperada de evitar sua morte. “No Direito, essa situação pode ser enquadrada como ‘inexigibilidade de conduta diversa’, expressão utilizada quando, diante das circunstâncias, é crível que a pessoa não tenha refletido sobre as consequências morais ou éticas do ato, agindo apenas com o propósito de preservar um bem ou direito”, explica.

Nessa perspectiva, para a advogada, a culpabilidade pode ser afastada, uma vez que se entende que o agente não se encontrava em condições de discernir adequadamente as implicações de sua conduta.

O que diz a Secretaria do Bem-Estar Animal

A Secretaria do Bem-Estar Animal esclarece que recebeu, há alguns dias, um chamado informando que havia uma gata de rua, em trabalho de parto e com uma das patas fraturada. Nossa equipe se deslocou até o local, onde foi confirmada a informação de que o animal se encontrava na calçada e não possuía tutor identificado.

Durante o atendimento, foi questionado mais de uma vez aos presentes se a gata pertencia a alguém, e a resposta foi negativa. Diante disso, o animal foi resgatado como um caso de animal comunitário, ou seja, sem responsável legal identificado, conforme estabelece o protocolo da Secretaria — que prioriza o atendimento de animais em situação de abandono ou risco, sem tutor.

Posteriormente, chegou ao conhecimento da Secretaria que a gata, na verdade, possuía tutores, que optaram por colocá-la para fora de casa a fim de obter o socorro gratuito do Poder Público. É importante reforçar que essa conduta é inadequada e contrária à legislação vigente, uma vez que o tutor é o responsável legal pelo bem-estar, tratamento e socorro do seu animal, conforme previsto na Lei Federal nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e nas normas municipais de proteção animal.

A gata encontra-se atualmente sob cuidados veterinários, juntamente com seus dois filhotes, recebendo todo o tratamento necessário. Caso os tutores desejem reaver a posse do animal, poderão fazê-lo mediante o ressarcimento dos custos arcados pela Prefeitura com o atendimento, internação e cuidados veterinários, dentro do prazo estabelecido pelo hospital parceiro.

Entretanto, caso não haja manifestação ou pagamento dentro desse período, o animal será mantido sob tutela do Bem-Estar Animal e poderá ser disponibilizado para adoção responsável, conforme avaliação da equipe técnica.

Reforçamos que o papel da Secretaria é socorrer e garantir o bem-estar de animais sem tutor e em situação de vulnerabilidade, e não substituir a responsabilidade legal de quem possui um animal sob sua guarda.