Diário da Região
Artigo

E se o céu cair?

Para os indígenas, essa devastação é mais do quefísica, é espiritual

por Simone Cristina Succi
Publicado há 1 hora
Simone Cristina Succi (Divulgação)
Simone Cristina Succi (Divulgação)
Ouvir matéria

A Queda do Céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015), é um livro e tanto! Já no título, há uma alusão ao mito do fim da primeira humanidade que os Yanomami profetizam acontecer novamente devido às ações “mortíferas dos minérios e combustíveis” que desencadeiam conflitos ambientais de várias ordens.

O livro traz as duras memórias das tragédias que atingiram e atingem a Amazônia desde os anos 50 com os projetos de expansão nacional, apoiados pela Ditadura de Militar, que causaram e causam, hoje ainda mais, devastação social e ambiental.

Do ponto de vista da textualidade, a obra apresenta o ‘eu’ narrador inseparável do ‘nós’, revelando o sentido de comunidade, de coletivo, próprio do pensamento dos povos originários. As múltiplas vozes que aparecem no texto nos permitem ler cada parte do livro sem precisar, necessariamente, seguir a ordem de disposição linear, pois os temas estão amarrados em si ao mesmo tempo em que permitem várias digressões. Pela autobiografia de um xamã, o livro tece um chamado urgente, uma denúncia que, de tão rica e contundente, parece não se enquadrar em nenhum gênero textual. A primeira grande denúncia é a destruição da floresta pelos garimpeiros, que perfuram a terra e reviram o chão como porcos. São verdadeiros “comedores de terra”.

Para os indígenas, essa devastação é mais do que física, é espiritual porque para eles a natureza é a nossa casa, é a fonte de toda a vida e, por isso, é sagrada. Como guardiões da floresta, os povos originários respeitam os saberes ancestrais como uma ciência e mostram, pelos relatos do livro, que a doença, a destruição e os sentimentos de separatividade são desequilíbrios que precisam ser curados e que essa cura só é possível se nos reconectarmos com as coisas da natureza.

A narrativa envolvente e chocante, nos leva a assistir à destruição de um povo, como relatam os autores:

“O ouro nada mais é do que uma poeira brilhante na lama. E, no entanto, os brancos são capazes de matar por causa disso! E, depois disso, as suas fumaças de epidemia vão devorar todos os que sobrarem, até o último”?

Com isso, Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert engendram um tratado de resistência como uma forma de expressar, metaforicamente, um medo profundo: a de o céu cair e a floresta desaparecer, desaparecendo consigo a sabedoria de um povo e toda a riqueza ancestral de sua cultura, que poderia ser a nossa única.

É... esse medo eu também tenho! Se o “céu cair”, o que será de nós? Não seremos, pois sem a terra, sem os rios, sem os biomas e sem fauna, toda vida é destituída!

Simone Cristina Succi

Doutora em Linguística Aplicada, professora e redatora de materiais didáticos.