Trombofilia na gravidez: existe tratamento
A atriz Mariana Rios enfrentou a condição e comemora gravidez. Acompanhamento médico é essencial para aumentar as chances de sucesso e evitar intercorrências

Sonhar com a maternidade pode se tornar um verdadeiro desafio para mulheres diagnosticadas com trombofilia. A condição, que torna o sangue mais propenso à formação de coágulos, está associada as dificuldades para engravidar e ao risco de complicações gestacionais, como abortos espontâneos, pré-eclâmpsia e partos prematuros.
A atriz Mariana Rios, de 39 anos, conhece bem essa realidade. Após sofrer um aborto, ela foi diagnosticada com trombofilia, descoberta que mudou completamente o rumo de sua jornada em busca da maternidade. Com o tratamento adequado, Mariana agora comemora a gestação tão esperada. Casos como o dela ajudam a jogar luz sobre uma condição que, muitas vezes, só é investigada após repetidas perdas gestacionais ou dificuldades para engravidar.
Edilberto de Araújo Filho, ginecologista especialista em Reprodução Humana Assistida, diretor do Centro de Reprodução Humana de Rio Preto e vice-presidente da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida), explica que a trombofilia é uma condição que predispõe o organismo à formação de coágulos sanguíneos de forma anormal. “No contexto da reprodução humana, ela não costuma dificultar a fertilidade propriamente dita — ou seja, a capacidade de engravidar — mas pode impactar diretamente a implantação embrionária e o sucesso gestacional.”
O médico explica que isso acontece porque a formação de microtrombos na circulação placentária pode prejudicar o fluxo sanguíneo para o embrião em desenvolvimento, dificultando sua nutrição e crescimento, aumentando o risco de falhas de implantação, abortos recorrentes, restrição de crescimento intrauterino e até pré-eclâmpsia.
Estudos demonstram uma correlação importante entre algumas mutações trombofílicas — como mutação no Fator V de Leiden, mutação da protrombina e deficiências de proteína C, S e antitrombina III — com perdas gestacionais de repetição, especialmente no segundo e terceiro trimestres.
Já entre as trombofilias adquiridas, a principal é a síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF). Essa condição autoimune leva à produção de anticorpos contra componentes das membranas celulares — como o anticorpo anticardiolipina, anticoagulante lúpico e anti-β2-glicoproteína I — que provocam os mesmos efeitos pró-trombóticos nas artérias e veias da placenta.
A SAF está fortemente associada a abortos de repetição, falhas de fertilização in vitro, parto prematuro e complicações graves da gestação. Por isso, tanto as trombofilias hereditárias quanto as adquiridas exigem investigação e acompanhamento cuidadoso em pacientes com histórico gestacional desfavorável.
Edilberto de Araújo Filho afirma que a trombofilia, isoladamente, não costuma causar infertilidade. “A maioria das mulheres com a condição consegue engravidar espontaneamente. No entanto, a manutenção da gestação é o maior desafio, já que a trombofilia aumenta o risco de perdas gestacionais precoces e tardias, além de outras complicações.”
Em casos de trombofilias adquiridas, como a síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF), há impacto direto na implantação embrionária, podendo, sim, interferir na taxa de gravidez em tratamentos como a fertilização in vitro. “Nestes casos, é essencial ajustar o protocolo com medicação específica desde o início do ciclo”, afirma o especialista.
Diagnóstico precoce garante gestação mais segura

O diagnóstico precoce, segundo a ginecologista Priscila Matsuoka, é essencial para garantir uma gestação segura. Idealmente, o diagnóstico deve ser feito antes da gravidez. Identificar a trombofilia com antecedência permite gerenciar adequadamente a condição e antecipar cuidados frente a possíveis complicações graves.
Os testes são indicados para mulheres que se enquadram em critérios específicos, como perda gestacional recorrente, pré-eclâmpsia grave e de início precoce, histórico pessoal de tromboembolismo venoso ou histórico familiar de trombofilias hereditárias. Nesses casos, o obstetra pode solicitar exames genéticos, testes de coagulação e a pesquisa de anticorpos específicos.
Cuidado que faz a diferença
O principal cuidado durante uma gravidez em mulheres com trombofilia é o acompanhamento médico rigoroso desde o início da gestação, de preferência com um especialista em medicina fetal e reprodução humana. Em muitos casos, é indicada a introdução de anticoagulantes, como a heparina de baixo peso molecular (HBPM), além do uso de ácido acetilsalicílico em baixas doses (AAS infantil) para melhorar a perfusão placentária.
É fundamental realizar um monitoramento cuidadoso do crescimento fetal, da pressão arterial materna e do fluxo sanguíneo placentário e do feto por meio de exames como o Doppler das artérias uterinas. “Essa vigilância visa detectar precocemente complicações como pré-eclâmpsia, descolamento prematuro de placenta ou restrição de crescimento fetal”, afirma Edilberto de Araújo Filho.
Foi o que aconteceu com uma advogada rio-pretense. Após dois abortos, ela, que prefere não se identificar, decidiu investigar a causa e foi diagnosticada com trombofilia. Neste período, ela morava em São Paulo e iniciou o tratamento com um médico da capital. Quando retornou para Rio Preto fez acompanhamento com a ginecologista Thais Vitti, especialista em reprodução humana. “Minha filha nasceu saudável. Agradeço muito por todo cuidado que tive da minha médica. Ela me deu suporte e indicou o tratamento ideal para o meu caso”.
Da incerteza à vitória
Casos como o da atriz Mariana Rios mostram que, com o acompanhamento médico correto, é possível vencer as barreiras impostas pela doença. O ginecologista Edilberto de Araújo Filho orienta que a trombofilia tem tratamento e, com o diagnóstico correto, o acompanhamento especializado e o protocolo adequado, é possível levar uma gestação até o final com segurança, mesmo em casos complexos.
O tratamento varia conforme o tipo de trombofilia (hereditária ou adquirida), a história clínica da paciente e os eventos gestacionais anteriores. As terapias devem ser sempre indicadas por uma equipe experiente, com base em exames imunológicos, histórico gestacional e avaliação multidisciplinar (reprodução assistida, hematologia e imunologia reprodutiva). “O que a experiência clínica e a literatura mostram é que, quando bem conduzido, o tratamento individualizado oferece excelentes resultados — com alta taxa de sucesso gestacional e redução significativa dos riscos materno-fetais”, afirma Edilberto de Araújo Filho.
O ginecologista e obstetra Rubens do Val reforça que, embora a trombofilia represente desafios adicionais durante a gravidez, com diagnóstico precoce e manejo adequado, muitas mulheres com essa condição têm gravidezes bem-sucedidas e dão à luz bebês saudáveis. Segundo ele, é fundamental que as mulheres grávidas ou aquelas planejando engravidar discutam qualquer preocupação sobre trombofilia com seus médicos.
Quando investigar
Nem sempre toda mulher que sofreu aborto espontâneo precisa investigar trombofilia. Abortos espontâneos no primeiro trimestre são bastante comuns e, na maioria das vezes, estão relacionados a alterações genéticas do embrião, e não à trombofilia. A investigação de trombofilia costuma ser indicada em casos específicos, como:
Perdas gestacionais recorrentes (duas ou mais, especialmente após a 10ª semana);
Histórico de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar na paciente ou em familiares de primeiro grau;
Complicações gestacionais como pré-eclâmpsia grave, restrição de crescimento fetal ou óbito fetal intrauterino;
Histórico de falhas repetidas em fertilização in vitro sem causa aparente.
Nesses casos, a investigação é essencial, pois pode mudar totalmente a conduta clínica.
Acompanhamento com equipe multidisciplinar
Pacientes com trombofilia que realizam tratamentos de fertilização assistida devem ser acompanhadas por uma equipe multidisciplinar — geralmente composta por especialista em reprodução humana, hematologista e obstetra de alto risco.
O acompanhamento inclui:
Avaliação individualizada do tipo de trombofilia (hereditária ou adquirida);
Introdução precoce de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários, conforme indicação;
Monitoramento rigoroso do endométrio e da implantação embrionária;
Em alguns casos, modificação do protocolo de estimulação ovariana para reduzir riscos como a síndrome da hiperestimulação ovariana, que pode ser agravada por trombofilia.
Esse cuidado é essencial para aumentar as chances de sucesso e evitar intercorrências.
Fonte: Edilberto de Araújo Filho, ginecologista