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Paralelos

Temos uma impressão de que a reparação histórica está sendo feita, mas estamos longe disto

por Vanessa Nunes
Publicado em 23/07/2025 às 18:39Atualizado há 16 horas
Vanessa Nunes (Divulgação)
Vanessa Nunes (Divulgação)
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Ligo a televisão e acompanho protagonistas negras em novelas do principal canal do país. A indústria cosmética já se preocupa com o cabelo crespo, expandindo sua variedade de produtos e valores; já consigo comprar bonecas negras. Uma importante mudança na lei faz com que o racismo seja considerado crime imprescritível e inafiançável. Temos as cotas em universidades, concursos e timidamente negras começam a exercer cargos de poder.

Analisando o cenário, temos uma impressão de que a reparação histórica está sendo feita, lamento informar que estamos muito longe disto.

Estarrecida, leio que 43% das mulheres negras sofrem violência obstétrica segundo a fundação Perseu Abramo; 61% das mães solo no Brasil são negras, segundo dados do IBGE; a população carcerária feminina negra representa 68% de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de feminicídio de mulheres negras é duas vezes maior que as brancas no Brasil e, em 2023, representou 72% do total segundo o Instituto Sou Paz. O número de mulheres negras analfabetas no Brasil é significativamente maior do que o de mulheres brancas e, em 2022, 37% de mulheres negras com 25 anos ou mais não tinham ensino fundamental completo, enquanto entre as mulheres brancas eram 27%, segundo o IBGE.

No mercado de trabalho, mulheres negras enfrentam precariedade e informalidade. No primeiro trimestre de 2022, 43,3% das mulheres negras ocupadas estavam em postos de trabalho informais superior a média nacional de 40,1% segundo o Gov.br. Dito isto e observando estes números como mulher negra, tenho muitos motivos de luta.

No mês de julho, no dia 25, celebramos o dia das mulheres negras, latinas e caribenhas. Nossa cidade foi marcada com seminário e marcha que traz à tona o sexismo e o racismo estrutural.

Ilustrando o que disse acima com a história de minha avó, com seus traumas e complexos, sempre me dizia que é preciso fazer as coisas duas vezes melhor por ser mulher negra. A minha mãe e suas irmãs que foram excluídas da sala de aula porque a partir do quinto ano era pago e meu avô, com pouco dinheiro, escolheu estudar os meninos porque mulher tinha só que escrever o nome e aprender afazeres domésticos. A minha infância, permeada de apelidos como pau de fumo, tiçãozinha e músicas racistas.

Entretanto, fico tranquila por saber que já avançamos e não posso deixar de sonhar que vamos deixar um mundo melhor para as próximas mulheres negras.

Vanessa Nunes

Professora municipal; participa do coletivo Mulheres na política