Do ambulatório ao comando: a trajetória de um provedor
Nadim Cury relata os desafios e conquistas em mais de 20 anos liderando a reestruturação da Santa Casa, uma das instituições de saúde mais tradicionais de Rio Preto


Comprometido com a filantropia, movido por valores herdados da família e com espírito incansável de liderança, José Nadim Cury é hoje um dos nomes mais respeitados no setor. Nascido em 1º de setembro de 1955, em Bela Vista do Paraíso (PR), casado, pai de Nathália Moreno Cury, é médico por formação, com graduação em Medicina pela Famerp, em 1980, e pós-graduado em Administração Hospitalar.
Mesmo sem exercer mais a medicina, sua trajetória profissional se manteve profundamente ligada à saúde. Desde 2002, está à frente da Santa Casa de Misericórdia de Preto, como provedor.
No ano passado, a instituição realizou 25.700 internações, das quais 19.141 foram pelo SUS. Foram registrados 181.434 atendimentos em consultas eletivas e de urgência e emergência, sendo 115.462 desses também pelo SUS. A Santa Casa conta com 340 leitos, dos quais 232 são destinados ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde. O corpo clínico é composto por 220 médicos. No total, a instituição emprega aproximadamente 1.600 profissionais de saúde. Os recursos que sustentam a Santa Casa provêm das esferas federal, estadual e municipal. Em 2024, a instituição também foi contemplada com emendas parlamentares nas três instâncias governamentais.
Católico e dedicado ao trabalho comunitário, Nadim transformou desafios em oportunidades, tendo como um de seus maiores sonhos transformar a Santa Casa em um dos melhores hospitais do interior de São Paulo. Seu exemplo de vida é a mãe, Ghalie Cury, de quem herdou valores como humildade, firmeza e solidariedade.
Nadim compartilha momentos marcantes da sua trajetória, as dificuldades enfrentadas na gestão hospitalar, as conquistas obtidas com apoio de equipe e parceiros, e os planos que projeta para o futuro da instituição.
BE – Como foi o início da sua trajetória na Santa Casa? Poderia compartilhar como se deu seu primeiro contato com a instituição?
Nadim Cury – Meu primeiro contato com a Santa Casa foi no final do terceiro ano da faculdade. Conheci uma médica que frequentava o hospital e ajudava os colegas, ela era a única que fazia isso na época, há cerca de 40 anos. Um dia, essa médica me convidou: “Quer ir lá frequentar o hospital? Vai aprender, se não aprender, não perde nada.” Topei na hora. Na época, além da faculdade, eu ajudava meu pai na fábrica. Conversei com ele, e ele disse: “Na fábrica eu dou conta, pode ir.”
No quinto ano, eu já fazia muita coisa sozinho e ajudava os médicos. Passei vários Natais e réveillons dentro da Santa Casa, ajudando colegas em cirurgias, muitas vezes de madrugada. Trabalhei muito, mas aprendi demais.
A Santa Casa sempre foi uma grande escola para quem quer ser médico. Aqui aparece de tudo, 24 horas por dia, portas abertas. No sexto ano, um colega passou a me acompanhar: o atual vice-provedor, Carlos Eduardo Grassi Mazetto. Ele tinha se formado um ano antes de mim, pela faculdade de Catanduva. A Santa Casa me deu experiência em todos os sentidos, profissional e pessoal.
BE – O que significa, para o senhor, liderar uma instituição de saúde com tanta responsabilidade?
É um orgulho ver como a Santa Casa evoluiu. Quando comecei a estagiar aqui, percebi que o hospital tinha potencial, mas era mal administrado. Faltava cuidado, responsabilidade, parecia um hospital sem dono. Muitos vinham só para se beneficiar, sem compromisso com a instituição.
Depois de formado, passei na Federal de Curitiba, mas precisei voltar logo no primeiro plantão: meu pai foi diagnosticado com leucemia mieloide aguda, uma das mais graves. Voltamos para Rio Preto, e eu comecei a atender no ambulatório, sem remuneração. Minha especialidade é ginecologia e obstetrícia, e na época ainda era o NPS, antes do SUS.
Fui ficando, me envolvendo, e comecei a entender melhor a estrutura do hospital. Sempre tive boa relação com a enfermagem e com o administrativo, e minha experiência como empresário fez muita diferença. Administrar hospital sem essa base é muito difícil.
BE – O senhor acredita que sua visão de empresário foi o diferencial para a Santa Casa se tornar o que é hoje?
Nadim Cury – Minha experiência como empresário foi fundamental. Quando assumi, a Santa Casa estava em uma situação crítica, sem recursos nem organização. Passei a administrá-la com foco em gestão, mais como empresário do que como médico. Porque, se for administrar com visão apenas médica, o hospital quebra. E é o que aconteceu com muitas Santas Casas da região.
A diferença aqui foi justamente essa visão administrativa. Além disso, desde a faculdade, mantive boas relações políticas e soube buscar apoio. Consegui muitas emendas parlamentares. Quando entrei, não havia nem dinheiro para pagar os terceirizados. Tive grande ajuda do deputado Vaz de Lima, do senador Aloysio Nunes, e do então deputado Valdomiro Lopes, que viabilizaram verbas para reformas no SUS e no Iamsp.
Também acredito que Deus colocou as pessoas certas no meu caminho. E nada disso seria possível sozinho. Tenho, até hoje, uma equipe competente e de confiança que me acompanha desde o início. Em novembro, completo 23 anos à frente da provedoria da Santa Casa.
BE – Há alguma história marcante que tenha vivido dentro da Santa Casa que poderia compartilhar?
Nadim Cury – Sim, tem algo que nunca esqueço. Quando comecei como médico, atendia apenas quem não podia pagar, na época, ainda era NPS e Funrural. O que mais me marcou foi a gratidão dessas pessoas. No fim do ano, muitos vinham me agradecer do jeito que podiam: traziam uma galinha, um pedaço de leitoa, laranja, abacaxi. Era simples, mas cheio de significado. Eles não tinham dinheiro, mas faziam questão de demonstrar o quanto eram gratos. Isso me acompanhou a vida toda e até hoje, esse espírito de servir a quem mais precisa continua sendo o que me move.
BE – Quais são as principais prioridades da sua gestão atualmente?
Nadim Cury – A principal é a implantação do Centro de Hemodiálise. Estamos reformando o antigo prédio da Justiça Eleitoral, que será a nova sede. O Governo do Estado está financiando cerca de 80% do projeto, e a Santa Casa está entrando com o prédio e a estrutura. A expectativa é inaugurar entre dezembro e janeiro. Serão 70 leitos e 78 máquinas, um avanço importante para a região.
Em frente ao prédio, comprei uma área com imóveis antigos que serão demolidos para dar lugar ao futuro Centro de Oncologia, uma necessidade da cidade e dos pacientes. O foco será no atendimento via SUS, mas casos de convênio também poderão ser atendidos.
Na área da cardiologia, também tivemos um salto importante com a chegada de dois novos equipamentos de hemodinâmica, incluindo uma máquina de última geração da GE. Hoje, posso afirmar com segurança que a Santa Casa de Rio Preto é a mais moderna da nossa região entre os hospitais filantrópicos.
BE – O senhor também está fazendo reformas no prédio da Santa Casa, certo?
Nadim Cury – Sim, estamos reformando. Por ser um prédio antigo, exige muito cuidado. Fizemos uma ala nova e, ao mesmo tempo, reformamos áreas antigas — porque não adianta construir algo novo e deixar o restante deteriorado. Tudo isso está sendo feito com o hospital em funcionamento, com pacientes internados. E, felizmente, nunca tivemos nenhum acidente, nem com funcionários, nem com pacientes, mesmo com as obras acontecendo dentro da estrutura.
BE – O que o senhor aprendeu sobre liderança à frente da Santa Casa que talvez não tenha aprendido em outros lugares?
Nadim Cury – Muito do que sei sobre liderança aprendi com meus pais. Viemos do zero. Meu pai saía com uma mala para vender, enquanto minha mãe cuidava das costuras na nossa fábrica de lingerie. Cresci dentro da empresa da família, observando e aprendendo. Eles não tinham diploma, mas tinham sabedoria e valores sólidos, trazidos do Líbano, trabalho duro, honestidade, respeito. Claro que a honestidade é obrigação, mas foi com eles que aprendi a importância de trabalhar com responsabilidade e firmeza. Como filho mais velho, fui absorvendo tudo desde cedo.
Na Santa Casa, aprendi ainda mais. Aprendi a ouvir os dois lados antes de tomar decisões. No começo, a gente erra, é humano, mas com o tempo, os erros viram aprendizado. E na liderança, isso é essencial: saber reconhecer, corrigir e seguir em frente.
BE – Quais são as principais fontes de financiamento da instituição? Existe algum plano para captação de recursos junto à comunidade ou empresas?
Nadim Cury – Estamos começando a fazer o trabalho de ir atrás de captação de recurso. Mas nossa principal fonte é o nosso trabalho, é o SUS, o Iamsp, são os vários planos de saúde e o SUS a gente recebe o dinheiro do Ministério da Saúde que repassa para a prefeitura e que ela nos repassa.
BE – Quais são os principais desafios enfrentados na gestão?
Nadim Cury – O maior desafio sempre foi a falta de recursos. Passei muitas noites sem dormir, principalmente quando chegava a época de fechar a folha de pagamento e o dinheiro simplesmente não existia.
Outro obstáculo importante foi a regularização da documentação junto ao Ministério da Saúde. Sem isso, não conseguíamos firmar contratos com a Secretaria Municipal, o Governo do Estado ou o Ministério da Saúde. Essa documentação era essencial para garantir repasses e manter a Santa Casa funcionando. Foram momentos muito difíceis, mas enfrentamos com firmeza e responsabilidade.
BE – O que mais lhe orgulha no trabalho que tem sido feito até aqui? E o senhor tem algum arrependimento?
Nadim Cury – Arrependimento, não. Sempre foi meu sonho ser provedor da Santa Casa. Eu via muita coisa errada acontecendo, muita desorganização, falta de cuidado. Aquilo me incomodava profundamente. E eu pensava: um dia quero estar à frente disso para mudar.
Quando entrei, a situação era crítica, salários atrasados, funcionários desmotivados, médicos sem receber. Mas, com minha experiência como empresário e conhecimento em gestão e finanças, aceitei o desafio. Infelizmente, entrei num momento delicado, em que algumas irregularidades precisaram ser enfrentadas. Foi um processo difícil, mas necessário. Com apoio, conseguimos reverter o quadro.
BE – O senhor pretende continuar na função?
Nadim Cury – Sim, quero continuar. Agora é que estou conseguindo estruturar de verdade o que sempre sonhei. Fiz uma promessa a mim mesmo: deixar a Santa Casa ainda mais forte, uma referência maior do que já é. Quero melhorar a estrutura física e também a parte social, especialmente para os funcionários. E sei que, aos poucos, vou conseguir.