Apesar de as mulheres relatarem dores crônicas mais intensas e duradouras do que os homens, estudos internacionais mostram que elas são tratadas com menos assertividade. Agora, pela primeira vez no Brasil, o Brasil fez uma pesquisa sobre o tema. O resultado mostra que 50% das entrevistadas reclamam da valorização que o médico dá às suas queixas de dor. Entre as insatisfeitas, 75,5% delas reconhecem que o médico se preocupa com a doença, mas dá pouca atenção a essas queixas de dor.
O objetivo da pesquisa, além de conhecer a percepção que as pacientes com dor crônica têm do atendimento recebido por parte de médicos e de suas equipes, é chamar a atenção para um campo da medicina que só irá se expandir e aprofundar no futuro: o das desigualdades de gênero. Os dados foram coletados entre outubro e novembro do ano passado por meio de um questionário veiculado online pelo Google Forms, sob a supervisão do autor e do blog Dor Crônica, pelo acesso a sua base mensal de 80 mil visitantes, bem como as plataformas de mídia social Google, Facebook, Instagram, LinkedIn e WhatsApp).
A pesquisa foi feita por O Blog, projeto filantrópico de educação em dor no Brasil (https://dorcronica.blog.br) em parceria com a Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) e autorizada pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa. Intitulada "Percepção do atendimento médico prestado às mulheres com dor crônica", foi realizada com 1.022 mulheres, de 18 a 78 anos (maior parte entre 40 e 60 anos), sendo que 86% sente dor há mais de seis meses; 62%, relatam alta intensidade de dor, e quase um terço (29,4%) sente dor intensa, sem ter essa condição "legitimada" pelo médico.
"Apesar de a proporção feminina da população impactada pela dor crônica ser o dobro da masculina, as mulheres não são atendidas de forma tão eficaz quanto os homens", afirma o pesquisador profissional Julio Troncoso, criador do projeto.
Objetivo é chamar atenção dos profissionais
O estudo que será publicado em uma revista especializada servirá de argumento para chamar a atenção dos profissionais da saúde, especialmente os médicos, quanto a situação em relação as dores femininas. "Nos países mais desenvolvidos há críticas crescentes quanto as queixas da mulher com dor crônica não serem devidamente valorizadas pelos médicos e, em vez disso, atribuídas à somatização", diz ainda Troncoso, que é PhD em comportamento.
Os dados da nova pesquisa demonstram também as críticas das mulheres com relação à equipe de saúde (enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais). Duas em cada dez entrevistadas afirmam que a equipe médica não se preocupa com a sua dor. Entre as 882 mulheres com dor crônica há mais de seis meses, 32% relataram não conhecer o motivo da dor e 35% afirmam que não foram informadas a respeito por um profissional da saúde.
Troncoso explica que esta percepção da mulher com dor crônica sobre o atendimento que recebe dos médicos e das equipes de saúde reforça a noção, suportada pela literatura, de que os médicos tendem a se comunicar tecnicamente com seus pacientes, negligenciando os cuidados de forma e conteúdo que preservam relações interpessoais saudáveis.
"Ao propormos um estudo sobre esse assunto, estamos incentivando nossos alunos a se interessarem por uma queixa prevalente com a qual ele terá que lidar após a sua graduação", diz a médica Ana Carolina Marchesini de Camargo, vice-diretora da FMJ.