Na família da professora Thaís Leite Ordenez, de Rio Preto, a comida nordestina sempre marca os momentos de confraternização. É a forma que sua mãe, Teresinha, de origem cearense, se conecta com sua ancestralidade e mata um pouco a saudade da terra natal. E entre os pratos preparados por sua mãe, o baião de dois é líder de audiência, conquistando o paladar até daqueles que não são muito ligados à culinária do nordeste brasileiro.
No ano passado, para comemorar seu aniversário em meio à pandemia da covid-19, Thaís preparou uma farta panela de baião de dois e distribuiu "marmitinhas" para familiares e amigos. "Como não dava para a gente se reunir, fiz pequenas porções e deixei nas casas das pessoas que gostaria de estar junto comemorando meu aniversário", conta ela, que acabou adaptando a receita de sua mãe depois que finalmente dominou o preparo do baião de dois.
"Todo mundo da minha família fazia baião de dois em casa. Em 2010, eu fui para o Rio Grande do Sul realizar um trabalho missionário, e acabei morando com vários cearenses. Foi então que comecei a dominar a técnica do baião", conta.
Na receita da professora, o feijão usado na dobradinha com o arroz é o de corda, além da manteiga de garrafa, charque (carne seca), linguiça, bacon e temperos, que, segundo ela, são os responsáveis pelo diferencial de seu baião de dois. "Minha família mantém viva a cultura nordestina. Mucunzá [espécie de feijoada de canjica], sarapatel [iguaria com vísceras de porco, cabrito ou borrego], buchada... esses são os pratos que marcam os encontros de família."
Salva pelo baião
O baião de dois também tem um significado especial para Evani Siqueira, que atua no ramo de charcutaria em Rio Preto. Foi por meio dele que ela conseguiu manter suas finanças aquecidas durante a pandemia da covid-19, preparando a iguaria cearense para vender em porções. "Como os restaurantes voltaram a funcionar, eu parei de fazer. Mas vendi muito baião de dois durante essa pandemia", declara. "Minha família é de origem nordestina, e o baião de dois sempre fez parte do nosso dia a dia."
Evani prepara dois tipos de baião de dois. Um é mais tradicional, levando feijão andu, arroz, queijo coalho, charque e, claro, coentro, tempero que faz parte de praticamente todos os pratos da culinária nordestina. "Eu ainda faço um cremoso, acrescentando nata, creme de leite e um pouquinho de leite. Ele fica com um aspecto de risoto", explica.
Geografia do baião
À frente do restaurante Cabrón do Norte, que será inaugurado em Rio Preto neste sábado, 9, Ygor Flores Albuquerque já rodou o norte e o nordeste brasileiro e teve a oportunidade de saborear diferentes variações do baião de dois. E foram elas que inspiraram o baião de dois do cardápio de seu novo restaurante, que ele comanda ao lado de José Dias.
Aliás, o cardápio do Cabrón do Norte é um detalhe a parte. Ele mescla a culinária nordestina e nortista com a mexicana. "São culinárias muito parecidas, que têm origem indígena e influência portuguesa e espanhola. O puchero, por exemplo, se assemelha muito à dobradinha. E o mesmo ocorre entre a tortilha e a tapioca. São esses diálogos entre as duas culturas que trago para o cardápio do restaurante", conta.
Voltando ao baião de dois, Albuquerque pontua algumas diferenças entre estados: "No Ceará, a terra do baião de dois, ele é mais incrementado. No Piauí, é mais cremoso, com presença marcante da nata. Na Bahia, ele é feito com feijão fradinho e servido com macarrão alho e óleo."
No Cabrón do Norte, o baião de dois leva feijão fradinho ou de corda, que é cozido com caldo de carne artesanal e "puxado" com a manteiga de garrafa. Completam a mistura o queijo coalho, a carne seca, o bacon e o vinagrete, que ajuda dar uma "quebrada" na gordura.
E tem baião de dois também para quem é vegano. A chef funcional Lidiane Barbosa criou uma receita de baião de dois que tem o coração de bananeira como a grande estrela. Ficou com curiosidade? Então, confira a receita nesta página.