Certamente 2020 foi o ano do não. E os primeiros dias de 2021 seguem a mesma toada. Não abrace, não beije. Não saia de casa. Não fique junto. Não abra sua loja, não viaje. Não se aproxime. Uma nuvem cinza, densa paira sobre as casas, as famílias, as cidades, as nações. Uma ameaça que trilha no compasso da dúvida, do medo. Que nos faz resistir e arfar na tênue e frágil linha da respiração, essa delicadeza que define o começo da vida e a chegada da morte. Nos últimos 40 dias meu olhar e meus sentidos todos têm se fixado sobre este fio dourado e divino que nos mantém vivos. Não por conta da Covid, mas por outras complicações graves da saúde, o coração da minha família hoje luta numa valorosa UTI. Por dias e noites arrastadas, entre lágrimas, observo o respirar de quem eu tanto amo. Oramos por um sim, por um avanço, um passo a mais. Mas a doença diz não. Os resultados de exames dizem não. Os acontecimentos dizem não. Nesses insuportáveis instantes se reconhece a textura efêmera e ao mesmo tempo aguerrida com a qual fomos criados.
E é justamente quando tudo diz não que alguém envia uma prece. Quando tudo diz não algum estranho do corredor do hospital abraça teu sofrer, ajeita um copo d'água e estanca teu soluço. Quando tudo diz não a família se une de forma tão estreita, rígida e espetacularmente forte que não há mal que quebre ou separe. Quando tudo diz não uma onda de carinho e solidariedade invade seus dias com vigor, amizade e emoção. Quando tudo diz não os médicos tentam uma nova alternativa redentora. Quando tudo diz não os mesmos médicos recomendam a oração. Quando tudo diz não a gente testemunha anjos deslizando pelos leitos da UTI. Vestidos com roupas de trabalho, os olhos atentos e dedicados se destacam sobre as máscaras. Eles ajustam aparelhos, ministram as medicações, aferem os sinais vitais, zelam com destreza por aquele seu doente, objeto do seu amor, razão do seu clamor. Quando tudo diz não conhecemos outras histórias dilacerantes de dor e belas de resignação e ternura. Quando tudo diz não começamos finalmente a entender o que é a essência desse assombro chamado vida.
O não nos faz ir em frente. Nos tira da placidez preguiçosa, do conforto traiçoeiro de uma fé sem desafios. Quando tudo diz não os joelhos se dobram em súplica e adoração. As mãos se erguem e clamam a cura. Pedem aos céus a solução, misericórdia. Tentam alcançar, tocar o sobrenatural. Aquele impossível só possível a Deus. Quando tudo diz não é tempo de entender que somos fracos, impotentes. Hora certa de se instalar humilde e confortavelmente no colo do Pai. De chorar e dizer que está cansado, aflito, sem saída. O não nos disciplina, corrige. O não nos aproxima de Jesus.
Reabilita-nos em sua doce e santa presença. Quando tudo diz não a vitória em Deus é ainda mais bonita. E será. Para todos nós. Feliz 2021.
ELMA ENEIDA BASSAN MENDES, Jornalista, escritora e membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec). Escreve quinzenalmente neste espaço aos sábados