A falta de sensibilidade da classe política brasileira é conhecida. Privilégios, mordomias, verbas a granel, palácios, tudo somado o que se tem é um mundo à parte, uma realidade paralela daquela vivida por milhões e milhões de pessoas. Governantes jamais sentirão as dificuldades experimentadas diariamente pela massa de governados que, com seu trabalho, sustentam tamanha opulência. O que a população recebe em troca pode-se ver facilmente na falta de segurança, na saúde precária, no transporte deficiente, na economia claudicante, na falta de emprego.
Exemplos há aos montes e as exceções são cada vez mais raras, quase inexistentes.
O mais recente exemplo desse descolamento da realidade e do distanciamento dos poderosos em relação às parcelas mais vulneráveis social e economicamente veio do governador João Doria que, a pretexto de fazer o ajuste fiscal nas contas do Estado, aumentou em 4,14% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em várias operações do agronegócio que antes eram isentas. Desde os tempos do governador Mário Covas que, aliás, era do mesmo partido que Doria (PSDB), os itens da cesta básica recebiam isenções para baratear o preço final. Isso acabou. O atual governador resolveu fazer a necessária reforma fiscal em cima da cesta básica. Um acinte.
Segundo cálculos do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), o aumento nas alíquotas do ICMS, a partir deste mês, poderá causar perda de consumo de até R$ 21,4 bilhões em bens e serviços e redução de quase R$ 4 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. De acordo com a FGV, a agricultura será o setor com maior impacto negativo, com retração prevista de 2,7% no valor da produção. Pecuária e agroindústria terão queda de 0,9% e 0,35% respectivamente. A Federação das Indústrias do Estado (Fiesp) estima um aumento de, em média, 13,6% no preço final de vários produtos, como leite longa-vida, que deve subir 8,4%, as carnes, 8,9%, energia elétrica para estabelecimento rural, 13,6% e têxteis, couros e calçados, 8,9%. Além do rigor fiscal exagerado, o governo do estado pode aproveitar a dificuldade fiscal para reduzir suas despesas e melhorar a eficiência da gestão pública do estado.
Não à toa, a medida do governador gerou protestos principalmente por parte do agronegócio, que será duramente afetado, e que se mobilizou para protestar nesta quinta-feira com um "tratoraço" em várias regiões do Estado. A Fiesp já anunciou que vai entrar com uma ação na Justiça para tentar derrubar a alteração no ICMS.
Promover um aumento nos alimentos que compõem a cesta básica das famílias mais pobres no meio de uma pandemia é mais uma demonstração cabal de falta de sensibilidade social do governador do Estado. Na frase clássica do economista e ex-embaixador Roberto Campos, o bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre menos do que ele pode tirar. Punir os mais pobres, como sempre, é a tradicional saída encontrada por políticos encastelados em torres de marfim e para quem não falta nada, exceto solidariedade, vergonha e empatia.