Em 1963, China e União Soviética, duas potências socialistas, divergiram quanto aos rumos do comunismo. A divergência geraria a Revolução Cultural de Mao-Tse-tung. Até então imersa em dissensões milenares, imaginava-se a China no sono que, a bem do Ocidente, Napoleão recomendara não ser perturbado. Fim do maoismo, a partir de 1978 a China deixou para trás as fazendas coletivas e passou a ser a intrigante e aparente contradição de hoje: a realidade de uma economia de mercado sob comando de um país comunista, de tal modo que lá se acham muitas empresas americanas e se registram mais de 10 trilhões de dólares em investimentos internacionais, certamente atraídos por baixos custos de produção, em especial a mão-de-obra barata.
Como combinar contrastes, tais um regime político fechado versus um exuberante mercado? Esse dilema, que mexe com o sono de muitos, parece não incomodar o desperto pragmatismo que vem de lá.
O peso estratégico da China rivaliza-se com o americano e, quem sabe, em um próximo salto tecnológico venha a ser maior. Atualmente a China atende a todos os quesitos de uma potência, notadamente em território, população e capacidade dissuasória nos grandes cotejos da geopolítica. É certo, não pode competir com o arsenal nuclear, os 11 porta-aviões e os 2 mil caças avançados dos USA. Para nós, Brasil, parceiros comerciais que somos do gigante oriental, isso tem um significado dramático e que supera, em muito, diferenças culturais e/ou ideológicas, notadamente em momento de duas grandes crises, a sanitária e a econômica, ambas somadas à instabilidade social, três pontos fracos em nosso poder de barganha.
Quem somos ou como estamos no tabuleiro mundial? Fixemos o ano de 1880, ponto de partida para o capitalismo instalado como modo de produção dominante e no qual nos inserimos subalternos, mas ainda assim exibindo taxas soberbas de crescimento em períodos marcantes da nossa República. Nesse retrospecto, nenhum período não bonançoso se equipara à atual "debacle". Com isso, não mais estarmos entre as 10 maiores economias do Planeta, temos indicadores vexaminosos de desigualdade e pobreza e nos afastamos cada vez mais dos padrões minimamente aceitáveis de desenvolvimento. Essa caminhada rumo ao precipício trouxe desindustrialização, informalidade, desemprego e o retorno do País a uma economia extremamente dependente do Exterior e com uma produção interna voltada para a exportação, restando proeminência apenas ao agronegócio, pelo seu vínculo com as cadeias globais de produção.
Uma evidência cruel disso tudo: nossa renda "per capita" em 2019 foi menor que a de 2014 e as fatalidades impostas pela Covid 19 no Brasil com a assombrosa marca de mais 300 mil vidas perdidas em pouco mais de um ano. A crise sanitária acrescida da crise econômica expôs toda a nossa tragédia, a pandemia em progressão pela nossa incontinência e nosso repúdio mental e cultural às medidas preventivas. Vamos mergulhar no abismo de um crescimento acanhado e sem precedentes e, com ele, o mal maior do retrocesso social e econômico. Para afastar a Covid, a China impôs a si mesma um agressivo isolamento. Entre nós, a ausência de uma ação coordenada e em escala nacional contra a crise faz prolongar a pandemia, com consequências nefastas no plano econômico. Oxalá, o recente pacto dos três Poderes quanto ao enfrentamento do grande inimigo invisível nos acorde do sono em berço não mais esplêndido faz tempo. A China acordou faz mais de século.
Hélio Silva, Advogado; Rio Preto