Em tempos de internet com informação à disposição e muita facilidade para busca-la, ainda nos deparamos com as mentiras que insistem em virarem verdades na cabeça de muita gente. São pessoas que espalham aquilo que lhes convém, sem qualquer responsabilidade, como se verdade fosse, sem olhar as consequências. Conseguimos transformar informação em desinformação. Lamentavelmente! Pois bem, mas em relação ao decreto municipal de Rio Preto, muitas pessoas me questionaram se seria constitucional ou não!
Confesso que, apesar de uma opinião formada, resisti em decorrência de uma enorme cautela para tratar do tema sem adentrar na esfera política, visto que aqui reside grande parte dos problemas que temos hoje no País. Pois bem, vamos tentar apresentar a resposta de uma forma didática, sem muito "juridiquez" e afastando-a do âmbito político. Os decretos estaduais e municipais de combate ao coronavírus impõem restrições enquadradas no rol de medidas do estado de sítio? Sim, aquele que só o presidente da República pode e que necessitaria de autorização do Congresso Nacional. Esse é o primeiro ponto.
Ocorre que tal inconstitucionalidade teria como órgão competente para julgá-las o Supremo Tribunal Federal, através das chamadas "Ações Constitucionais", as quais levam até a Corte as leis - ou decretos, neste caso - para serem analisados e, se declarados inconstitucionais, serem retirados do ordenamento jurídico, tendo sido exatamente este órgão julgador quem autorizou desde 15 de abril de 2020 (durante o julgamento da Medida Provisória 926) - e inclusive renovou a autorização em 5 de março de 2021 - Governadores e Prefeitos a expedirem decretos neste sentido.
Se o órgão que analisa a constitucionalidade das medidas já autorizou que as mesmas sejam aplicadas, parece óbvio que não há inconstitucionalidade a ser identificada por ele nos decretos! Veja, não estou aqui emitindo uma opinião, apenas um esclarecimento. Pela Constituição tais providências estariam exclusivamente a cargo do presidente, mas diante da sua posição de não fazer, o Supremo tratou de autorizar Governadores e Prefeitos a fazerem.
O Supremo tem errado muito nos últimos anos para todos os lados. Já impediu posse de Ministro designado pelo presidente da República, mandou prender deputado com base em Lei de Segurança Nacional, tem politizado suas decisões e nitidamente invadido a competência dos demais poderes da República, mas neste caso em específico, o brilhantismo da manobra foi digno das telas de Hollywood.
Além de autorizar governadores e prefeitos a fazerem aquilo que a Constituição admite somente ao presidente, desde que autorizado pelo Congresso, excluiu dessa autorização os respectivos órgãos legislativos dos estado e municípios, sobrepondo-se à distinção entre lei e decreto.
Explicando em apertada síntese, os decretos emitidos pelo Poder Executivo, via de regra, são regulamentadores das leis criadas pelo Poder Legislativo, ou seja, quem deve criar direitos e obrigações são as leis, discutidas e votadas em cada órgão legislativo e nesse diapasão, ato contínuo, vêm os decretos que somente podem regulamentar as leis, a fim de lhes darem efetividade.
A enigmática autorização do STF, além de transferir competência do Presidente da República aos demais chefes do Executivo, o que não está previsto na Constituição, ainda o fez sem a interferência das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, impossibilitando, por exemplo, que determinadas medidas fossem evitadas em nome da representação popular que os membros legislativos exercem.
Desta forma, buscando as informações necessárias para não passarmos para frente elementos equivocados, é verdade que somente o Presidente com autorização do Congresso poderia decretar estado de sítio com as medidas de restrição para combate da pandemia, mas ele não o fez e o STF autorizou Estados e Municípios a fazerem- e mais que isso - não por lei, mas por decreto, o que exclui a participação dos respectivos poderes legislativos.
É óbvio que, caso a caso, o Supremo possa identificar abusos e afastá-los, mas é fato também que toda a insegurança jurídica causada no momento tem seus atores principais definidos - ou por ação, ou por omissão - e seus protagonistas residem ao lado direito da Praça dos Três Poderes e isso parece, mas não é fake news!
Henrique Morgado Casseb, Advogado e doutor em Direito