Imaginem um país em que muitos políticos são financiados pelo dinheiro das empresas, para as quais passam a trabalhar depois de eleitos; um país em que o Estado age em favor de grandes empresários, concedendo-lhes generosos incentivos; um país em que leis são feitas para favorecer setores já privilegiados; um país em que a corrupção é tão disseminada, a ponto de fazer parte da vida nacional. Que país é este? Num primeiro momento alguém poderia achar que fosse o Brasil; mas não é. O relato acima se refere aos Estados Unidos, no período que foi do final da Guerra Civil (1865) até o início do século 20, e que entrou para a história sob o título de "A Era Dourada" (Gilded Age). Esse título foi dado pelo escritor americano Mark Twain, um crítico feroz da cena política americana da época. Mark Twain considerava que, debaixo de uma fina camada dourada, havia nos Estados Unidos um pântano de problemas morais e sociais. A partir do fim da Guerra Civil (1865), os Estados Unidos mergulharam num processo de crescimento acelerado jamais visto na história mundial, quando se deu uma expansão do capitalismo, por meio de grandes empreendimentos, como a indústria do aço, do petróleo, ferrovias, tudo aliado à chegada de milhões de imigrantes, que forneciam mão de obra barata.
A "Era Dourada" foi o período em que emergiram as grandes fortunas americanas - e os "barões ladrões"-, construídas à custa de uma agressiva exploração dos recursos naturais, monopólios ilegais, superfaturamento de obras, compra de mandatos políticos, exploração de trabalhadores, e muito suborno, que permitiam a realização de qualquer negócio público, por meio de acordos imorais com grupos políticos. Consta que o notório cacique político William Tweed (1823-1878), que foi senador e governador de Nova York, teria amealhado uma espantosa fortuna de bilhões de dólares. Tudo isso ocorria num ambiente de muita corrupção, desmandos políticos, favorecimentos, fraudes eleitorais, compra de votos, venda de cargos públicos (não havia concursos públicos; muita gente "comprava" os cargos públicos), etc. E como os Estados Unidos conseguiram dar a volta por cima, para sair daquele atoleiro de imoralidades?
No início do século 20, e sob a forte liderança do presidente Theodore Roosevelt, houve um crescimento do clamor popular, que, aliado às investigações da imprensa, acabou por conduzir os Estados Unidos para um novo patamar de moralidade pública e correção dos rumos da política, mediante a aprovação de leis antitruste, criação do Imposto de Renda, regulamentação dos monopólios, criação de poderosas agências reguladoras para fiscalizar o setor bancário, de medicamentos, de alimentos, de capitais, etc., além de duras punições para corruptos e corruptores. Era o Movimento Progressista em ação. Foi uma empreitada que não se fez da noite para o dia; ao contrário, levou décadas para ser concluída. A rigor, ainda não foi concluída, pois nenhum país está totalmente livre da corrupção. Se por lá foi necessário tanto tempo assim para mudar, imagine então o leitor como isso se resolverá por aqui.
João Francisco Neto, Advogado, doutor em Direito Econômico e Financeiro (USP)