Uma licitação de 2018 para manutenção da renovação do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) declarada deserta, ou seja, sem empresas interessadas. Uma outra licitação que terminou fracassada, com preços ofertados acima do gasto previsto. Um pedido de apoio da Prefeitura de Rio Preto, em 2019, para obras necessárias para regularização do imóvel, que se arrastou por mais de dois anos. Um alerta, exatamente dois anos antes da tragédia, enviado para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, assim como para a associação que representa os comerciantes, sobre as irregularidades nas instalações da rede elétrica. Esta lista comprova que os responsáveis pela Estação Rodoviária Governador Laudo Natel e pelo Shopping Azul tinham ciência do risco de incêndio no local.
E não para por aí. Em 2018 foi feito um pedido de renovação de alvará, posteriormente suspenso pelo próprio poder público com a justificativa da reforma no antigo Terminal Urbano de transporte coletivo, que fica no mesmo prédio da Rodoviária. Houve ainda uma reunião entre integrantes do Corpo de Bombeiros, da Prefeitura e da Defesa Civil sobre providências necessárias para a manutenção e a regularização do imóvel.
Este é o retrato das condições do espaço onde ficava o Shopping Azul, com laudo dos bombeiros vencido desde 24 de agosto de 2017 — o documento que atesta que determinado imóvel possui todas as condições contra incêndio e pânico. Desde então, a regularização se arrasta. A última reunião sobre a situação aconteceu no dia 8 de janeiro deste ano. Duas semanas depois, o risco, já anunciado por órgãos da própria Prefeitura, se transformou em cinzas. Na noite de 23 de janeiro, um incêndio destruiu todos os estandes e 167 permissionários perderam tudo.
O histórico do vaivém da regularização mostra que a Empresa Municipal de Urbanismo (Emurb), responsável pela manutenção do prédio da Rodoviária, sabia da tragédia iminente e fez alertas. A confirmação das notificações foi encaminhada na última quarta-feira, 10, pelo diretor-presidente da Emurb, Rodrigo Juliano, ao promotor Sérgio Clementino.
O Ministério Público abriu inquérito para investigar as responsabilidades sobre o incêndio e as medidas adotadas pela Prefeitura. O Diário teve acesso, com exclusividade, às respostas oficiais do município encaminhadas ao MP. O promotor vai pedir ainda mais esclarecimentos tanto aos órgãos públicos quanto à associação dos lojistas. A Polícia Civil também abriu inquérito para investigar a causa do incêndio e um relatório vai indicar o que provocou a ocorrência que resultou na interdição do prédio e da rua Pedro Amaral.
O prédio da rodoviária foi inaugurado em janeiro de 1973 e o imóvel estava na relação de prédios públicos que a Justiça já havia determinado a regularização do laudo do Corpo de Bombeiros. Antes do incidente ocorrer, a Emurb abriu licitações e depois pediu ajuda à Prefeitura para a obra, conforme elencado acima.
As notificações sobre irregularidades em instalações elétricas foram emitidas pela Emurb no dia 24 de janeiro de 2019. O incêndio começou no dia 23 de janeiro de 2021, por volta das 23h15, e só foi controlado na madrugada do dia 24. Ou seja, aconteceu exatamente dois anos depois do alerta.
No documento encaminhado pelo município ao Ministério Público, o alerta sobre a necessidade de intervenções nas instalações elétricas descrevia a imprescindibilidade das medidas "devido ao risco de curto-circuito, incêndio, e demais sinistros no local". Na ocasião, a Emurb salientou ainda que, enquanto "perdurarem as irregularidades", a empresa pública "não poderá realizar serviços no local, não podendo arcar com responsabilidade e ocupação do espaço".
O promotor Sérgio Clementino afirmou ao Diário que irá pedir mais esclarecimentos sobre as informações. "A própria gestora do local, que é a Emurb, alertou sobre o risco de incêndio. Chama atenção que vários órgãos do poder público e também a associação sabiam dos riscos. E a demora para renovar o laudo dos Bombeiros. A associação de lojistas também será notificada pelo MP", afirmou.
"Há comunicado expresso da situação de irregularidades na rede elétrica, que pode ser a causa do incêndio", acrescentou Clementino. Na última sexta-feira, 12, a Emurb reiterou as respostas encaminhas ao MP e anexou fotos de espaço comum da área do Shopping Azul, do qual ficou responsável pela manutenção. A área dos boxes não seria de responsabilidade da empresa pública.
O promotor também pedirá informações sobre a reforma no antigo Terminal Urbano que está em fase de conclusão. Segundo o Corpo de Bombeiros, o pedido de vistoria feito em 2018 foi suspenso em função de mudança no projeto por conta dessa obra.
Os bombeiros, aliás, confirmaram ao MP, que os hidrantes estavam "secos" no momento do incêndio devido ao desabamento de uma laje, o que, segundo a corporação, fez romper as tubulações que levavam água a esses equipamentos.