Diário da Região
Olhar 360

Thriller jurídico da calcinha abandonada

A investigação segue observando a Constituição, embora suas páginas venham sendo destacadas para higienizações privadas

por Fernando Fukassawa
Publicado há 8 horasAtualizado há 4 horas
Fernando Fukassawa (DIARIO)
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Fernando Fukassawa (DIARIO)
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Recentemente, um pesadelo institucional se abateu sobre o Fórum de Cachoeiro de Itapemirim (ES): uma misteriosa calcinha foi encontrada em uma sala do Núcleo de Audiências de Custódia, mas não de roupas íntimas. Não entrou portando crachá, não registrou ponto. Materializou-se ali, sozinha, como se fosse uma decisão judicial monocrática de uma canetada só. A peça era bem diminuta, mas o escândalo...enorme.

O Poder Judiciário brasileiro já enfrentou de tudo: sobrecarga de trabalho, morosidade processual, soltura de criminosos culpados, inocentes para o sistema. Porém, o fato insólito representou um altíssimo risco à moralidade pública.

Como é que uma lingerie aparece desacompanhada em solo público, sem controle de fluxo? O juiz alertou: “O fato é grave e merece apuração rigorosa”. E não é que merece mesmo? Afinal, se qualquer pessoa, ou pior, qualquer peça de roupa íntima, pode circular impunemente por áreas recônditas do Judiciário, o que será do devido processo legal amanhã? E se hoje entra uma calcinha, amanhã pode entrar um bode disfarçado de advogado e pedir liminar.

Tudo foi checado. Nas câmeras, ninguém encapuçado, sem rosto, com calcinha na mão, invadindo o núcleo. Nenhuma mulher suspeita. Diante do enigma, o porteiro ousou insinuar que pertencesse a uma ilustre senhora que sempre entrava pela garagem dos fundos; mas essa parte do depoimento foi desprezada por veicular apenas uma reles opinião individual.

Fatos tão graves assim exigem apuração cautelosa porque cachorro grande também pode entrar às escondidas. Como o sol nasceu para todos, mas a sombra para os mais espertos, foi lembrado um dono de banco que emitia títulos sem fundos, com avalistas proeminentes do cenário nacional, mas rapidamente ignorados.

A investigação segue observando a Constituição, embora suas páginas venham sendo destacadas para higienizações privadas. Não é raro vê-la utilizada para calçar o pé e corrigir o desequilíbrio de uma banqueta, a mostrar que a geometria judiciária, não o direito, garante que seus pontos de apoio sempre se ajustarão a uma superfície de desnível acentuado.

A história capixaba transbordou os autos. Dela criaram uma música sertaneja, de poesia popular: “A calcinha clandestina do fórum”. Enquanto ela corre o país, o tribunal ainda não se manifestou, talvez aguardando laudo de impressões digitais; pelo sim, pelo não, o resultado de exame de DNA feito a partir de amostra de pelos. Ou esperando que mais alguma peça do vestuário apareça fechando o conjunto, que pode ser uma cueca para ganhar paridade de armas. Ou aguardar delação premiada dos cabides, temendo aparecer uma calcinha que seja apenas a ponta do iceberg daquilo que realmente anda circulando sem controle em ambientes austeros do país.

Como a moda raiz foi só cantarejada por quem tem foro privilegiado, a apuração vai chegar no STF para julgar –secretamente – se a entrada de calcinha configura ou não invasão institucional com repercussão geral reconhecida. O caso tem força para penetrar nos anais da Justiça, que é cega por lhe terem mutilado os olhos com a própria espada, e com isso a justificativa de escreverem em Braille para pessoas cegas ou com deficiência visual severa. Junto com ela e fora do tribunal, a balança nem serve para pesar consciências. Será decretado sigilo máximo, inviolável até pela onisciência divina, para tentar descobrir quem entrou sem deixar rastro, e sem portar o que deixou lá dentro.

Com esse protagonismo jurídico, Cachoeiro inaugura um novo precedente para concurso de juiz: STF – 2025 –“À luz dos princípios da probidade, da moralidade e da segurança jurídica, analise os impactos constitucionais da entrada clandestina de peças íntimas em área restrita do Poder Judiciário, considerando o seu livre trânsito no horário de expediente ou fora dele”.

Para punir tais descalabros, foi projetada uma severa súmula vinculante: “Configura crime permitir que lingeries sejam deixados dentro de tribunais”. Quase foi aprovada.

Fernando Fukassawa

Advogado, professor de direito e promotor de Justiça aposentado