A evolução do Direito pela voz das mulheres negras
Essa presença não é apenas simbólica: é política e profundamente transformadora

Novembro é o mês da consciência negra. Como mulher negra e jurista, não posso deixar de celebrar aquelas que abriram caminhos e transformaram o Direito brasileiro com suas vozes, suas lutas e sua resistência. Por isso, venho reconhecer a contribuição das mulheres negras que ousaram questionar estruturas, ocupar espaços que lhes foram negados e propor novas formas de pensar a justiça.
O Direito no Brasil foi historicamente construído por olhares brancos, masculinos e elitizados. No entanto, esse cenário vem sendo redesenhado com a inserção das mulheres negras nesses espaços, onde elas têm exigido respostas que contemplem a pluralidade do país e humanizado a justiça. Essa presença não é apenas simbólica: é política e profundamente transformadora.
Desde a escravização até os dias atuais, mulheres negras estiveram na linha de frente das lutas por dignidade e cidadania. Nomes como Esperança Garcia, considerada a primeira advogada do Brasil, Maria Firmina dos Reis, Antonieta de Barros e Laudelina de Campos – que embora não fossem juristas de formação - abalaram a lógica da submissão e denunciaram juridicamente a desumanização do povo negro.
Hoje, juristas como Dione Almeida, Edilene Lobo, Eunice Prudente, Flávia Martins de Carvalho, Vera Lúcia Araújo, Lívia Vaz e Silvia Souza seguem esse legado, fazendo com que o sistema de justiça comece — ainda que lentamente — a refletir a diversidade do país.
Essas mulheres ampliaram o próprio significado de Direito. Para elas, justiça é compromisso com a vida, com a dignidade e com a reparação histórica. Elas pautam temas como racismo institucional, violência de gênero, superencarceramento, desigualdade salarial e violência obstétrica — questões que por muito tempo foram ignoradas pelo Estado.
E é graças a essas mulheres que hoje podemos afirmar que o Direito brasileiro evoluiu, está mais plural, mais humano e, finalmente, começa a ficar mais próximo da realidade de seu povo. Mas isso não é concessão do Estado, é conquista. Nas salas de aula, nas sustentações orais, nas decisões judiciais e nas ruas, elas afirmam: “nós existimos e pensamos o Direito”. Ao trazer suas vivências, elas não só ocupam espaços — reconstroem as bases sobre as quais o Direito se sustenta. É uma revolução silenciosa, firme e irreversível.
Lívia Maria de Carvalho
Advogada. Secretária-Geral da Comissão Estadual de Igualdade Racial da OAB/SP. Membra do Comitê Especial sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero do TED OAB/SP. Membra do Coletivo Mulheres na Política.