Em uma das regiões mais sucroalcooleiras do país — a do Noroeste Paulista — produtores de cana-de-açúcar investem na produção da cachaça artesanal e estão satisfeitos com o negócio que gera renda e ainda mantém parte da história do Brasil e da cultura popular. Entre os engenhos instalados nas propriedades rurais, gerações familiares se mantêm à frente da produção da "branquinha", como é conhecida popularmente a bebida. Atualmente, a cachaça é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, na estimativa do Instituto Brasileiro de Cachaça (Ibrac).
Ainda conforme o levantamento do Ibrac, a cachaça corresponde a 72% do mercado de destilados do país, e um dos quatro destilados mais consumidos no mundo, sendo reconhecida como produto originalmente brasileiro. A capacidade de produção brasileira é de 1,2 bilhão de litros por ano, mas a estimativa gira em torno de 700 a 800 milhões de litros. E segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o estado paulista está entre os dez estados brasileiros onde se concentram os principais estabelecimentos produtores de cachaça, e também como um dos maiores consumidores da bebida.
Com a intenção de dar continuidade ao negócio da família, o produtor rural Antônio da Camara Filho comprou o sítio, em Cedral, na região de Rio Preto, de olho no engenho de cana-de-açúcar para a fabricação da cachaça. "O sítio era do meu sogro, e quando ele ficou doente, minha sogra resolveu vender. Como tinha o engenho, resolvi investir no negócio da cachaça artesanal. Tudo isso foi há 18 anos", conta Antônio. Hoje, o produtor rural diz que a produção da bebida foi um bom investimento e que sustenta as despesas para a manutenção do sítio.
Em pouco mais de um alqueire de terra, Antônio faz o cultivo da cana-de-açúcar. Ele explica que, após o processo de fermentação e destilação do caldo de cana ou do melaço, será fabricada a cachaça. "Para uma tonelada de cana, rende 500 litros e a alambicada chega a 100 ou 200 litros". Antes disso, depois do corte no campo, o produtor disse que a cana precisa ser limpa, antes de ir para a caldeira.
É um processo bem artesanal, com dedicação maior para os tonéis, segundo Antônio. "Invisto em tonéis, de madeiras como as de carvalho, jequitibá-rosa e amendoim. E sigo uma receita, mas o segredo da cachaça está na fermentação". O produtor lembrou também que possui um tonel de 18 anos, mas sempre há a reposição, seguindo o princípio de quanto maior o envelhecimento da bebida, melhor o sabor.
Há diferença, segundo Antônio, entre as fabricações da cachaça artesanal e industrial. "A cachaça artesanal possui sabor natural, não tem mistura de frutas e também não é adocicada", destacou. Com produção de 80 a 100 litros da bebida a cada dois dias, a cachaça de Antônio- que leva a marca de "Cachaça do Cedro"- tem sempre um consumidor "das antigas", como ele mesmo se refere ao grupo que aprecia o destilado, mantendo a tradição das pessoas que apreciam a bebida.
Cachaça sustentável
A sustentabilidade, assunto que também chegou ao campo, pode ser aplicada para produzir artesanalmente a cachaça, com o aproveitamento das "sobras" da cana-de-açúcar, como está fazendo o produtor rural João Alexandre Pulici. Com a marca "Menino de Engenho", Pulici produz a cachaça artesanal em sua propriedade rural localizada em Cedral, e garante a produção sustentável do agronegócio idealizada há seis anos.
"Procuro aproveitar o máximo da cana-de açúcar, usando o bagaço para aquecer a caldeira no processo da fermentação. O bagaço pode ser considerado um empecilho na produção, mas consigo o vapor que necessito. É uma forma de não usar a lenha e de diminuir custos", afirma Pulici. Com a medida sustentável, ele acredita que o processo de reutilização do vinhoto diminui o impacto ambiental.
O plantio de 2,5 hectares de cana-de-açúcar, para a colheita usada no engenho, exige o mesmo manejo para os produtores que fornecem o produto para as usinas do setor sucroenergético. Segundo Pulici, não há diferença entre as variedades da cana plantada, mas o corte ainda é o manual e a planta retirada com o facão. "O canavial suporta melhor, como não é uma grande produção, a máquina acabaria deteriorando mais o solo", explica sobre o fato de colher a cana manualmente, com a ajuda de um funcionário.
O produtor rural - que é advogado - recorda como instalou o engenho para fabricar a cachaça. "Em uma visita, como advogado de uma empresa fabricante de tonéis em Sertãozinho, conversando com o proprietário, tive o interesse em começar o negócio". Pulice disse ainda que a fábrica de tonéis do seu cliente fechou, "e hoje a grande dificuldade no setor é adquirir os tonéis de madeira".
A produção da cachaça vem aumentando a cada ano, de acordo com Pulici, com 240 litros produzidos diariamente. "No ano passado, produzimos 7 mil litros, sendo o maior investimento na compra dos tonéis de madeira de carvalho e de jequitibá-rosa", completa o produtor. Ele disse ainda que a produção da cachaça artesanal é rentável, mas investir no engenho tem custo elevado.