Dentre as medidas que o lockdown de Rio Preto provocou, a suspensão das atividades industriais foi aquela que gerou uma das reações mais estridentes. Diversas fábricas estão com as atividades paralisadas, mesmo possuindo contratos de exportação ativos e matéria-prima de sobra para continuar a produção. Em alguns casos, as encomendas de materiais para a manufatura chegam, mas ficam estocados, em alguns casos sem o armazenamento adequado.
O setor, que já havia sentido o baque no início da pandemia e chegou a demonstrar recuperação no segundo semestre de 2020, foi proibido de atuar na cidade, exceto aquelas que constam como Indústrias de Transformação. Segundo a Comissão Nacional de Classificação (Concla) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as indústrias de transformação possuem 23 especificações diferentes que abrangem desde a fabricação de produtos alimentícios à metalurgia. "Esta seção compreende as atividades que envolvem a transformação física, química e biológica de materiais, substâncias e componentes com a finalidade de se obterem produtos novos. Os materiais, substâncias e componentes transformados são insumos produzidos nas atividades agrícolas, florestais, de mineração, da pesca e produtos de outras atividades industriais", diz nota explicativa emitida pelo IBGE.
Com isso, os serviços que não se enquadram nas categorias previstas ficam impedidos de atuar. A empresária Marina Rossignolo, que atua no ramo da moda - um dos atingidos pela medida - já prevendo uma queda nas vendas, optou por dar férias antecipadas aos funcionários para tentar reduzir o prejuízo. "Fechamos a fábrica no dia 17 e também deixei antecipadas férias para cinco funcionários. Vai produzir tanto para quê, se não podemos vender?."
Num primeiro momento, em função do primeiro impacto da pandemia, houve demissões, mas com a quantidade reduzida de funcionários, fica difícil ter de onde tirar. "As lojas não estão vendendo quase nada, quem vende no varejo está fechado. Está um caos", conta.
Segundo o IBGE, a indústria brasileira teve uma queda de 4,5% na produção em 2020 em comparação com 2019. No período de março a abril do ano passado, quando houve as primeiras medidas de isolamento social para enfrentar a doença, a indústria chegou a apresentar um recuo de 27,1%. Havia otimismo do setor para este ano, mas as medidas impostas pelo lockdown serviram como um balde de água fria para muitos.
Segundo o economista José Mauro da Silva, a paralisação das indústrias pode provocar o desabastecimento em diversas cadeias. "O problema do lockdown é parar tudo. Por enquanto, os setores da prestação de serviço vinham sendo mais seriamente afetados. Mas a indústria só é afetada se parar tudo", disse. "No geral, o desabastecimento gera um problema de fluxo. As médias e pequenas empresas não têm dinheiro para suportar mais que dois, três meses."
Por isso, o diretor-executivo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Liszt Abdalla, conseguiu uma reunião para tentar sensibilizar o prefeito Edinho Araújo (MDB) a tomar medidas menos restritivas ao setor, permitindo a atuação industrial. "A indústria não pode parar porque pode ter uma crise de abastecimento. Não estamos colocando a questão dos prejuízos (das empresas) primeiro. E o desabastecimento pode acontecer em escala, a gente tentou esclarecer isso para o Edinho, mas o comitê não entendeu isso", afirmou.
O empresário Rodrigo Basaglia é outro que gasta algumas horas do dia em frente a planilhas e calculadora para conseguir manter a sua atividade, uma vidraçaria. Sem poder atuar, ele ainda obtém alguma movimentação financeira pelo e-commerce, mas a maior parte da movimentação da empresa era com a instalação de boxes e espelhos. "O empresariado está com uma batata muito quente na mão e não sabemos se isso vai terminar dia 31", disse. Para manter as atividades, além de se debruçar sobre o orçamento da empresa, Rodrigo ainda sabe que terá que gastar muita saliva para conseguir rolar as dívidas. "Vamos chamar nossos fornecedores para negociar e estender os prazos de pagamento. Além disso, vamos fazer uma força-tarefa para movimentar o caixa."
Exportações
O drama das indústrias ainda envolve outro ponto: as exportações. As operações para entregas das mercadorias em outros países requerem precisão logística de toda a cadeia de produção, desde a chegada da matéria-prima até mesmo a data em que o produto sai da fábrica rumo a portos e aeroportos. Qualquer alteração na cadeia, por menor que seja, tem efeito dominó. Pelo menos dois empresários ouvidos pelo Diário, mas que não quiseram se identificar, relataram que podem perder vendas para o exterior em função da impossibilidade de atuarem. "Uma indústria, se tem contrato de exportação, se não pode entregar no prazo, acabou. Muitas vezes perder um contrato fecha a empresa", analisa Abdalla.
Outro setor paralisado é o do entretenimento. A categoria foi uma das primeiras a ser afetada pelas medidas de distanciamento social para evitar o alastramento da Covid-19. A volatilidade nas possibilidades de atuação exigiu um corte severo de custos. O empresário Ricardo Del Campo, da Magic Games, que além da fábrica que mantém em Rio Preto, possui parques em shoppings em todo o País, precisou enxugar o pessoal que atua nas lojas em função das restrições provocadas pelo distanciamento social. Se no início de 2020, eram pouco mais de mil funcionários atuando, hoje são, precisamente, 197. "Tivemos que demitir mais de 800 funcionários, voltamos a contratar, ficamos com pouco mais de 200 e agora temos exatamente 197. Mas se continuar assim, a gente vai ter que demitir novamente."
A possibilidade de demissões, agora, se confunde com o risco de encerramento das atividades das empresas. Se antes havia o apoio do Governo Federal para que as empresas pudessem bancar o salário de colaboradores, agora a ausência de suporte por parte do poder público pode ensejar soluções mais drásticas. "A gente aderiu ao sistema do governo federal. Se não tivesse feito isso, não estaríamos abertos hoje, não teríamos dado conta. A gente está sem chão. Estamos vivendo o hoje, o amanhã a gente não sabe", afirma Marina.