Na época de Tom Mix, a encarnação do típico herói americano com seu inconfundível chapéu branco de dez galões, os vilões eram outros. Como outros eram os ares que circundavam a praça Dom José Marcondes, esta ainda apenas conhecida como "jardim de baixo", em contraposição à praça Rui Barbosa, o "jardim de cima". Em cartaz, no Cine Capitólio, A Malta do Rio Vermelho, estrelando, é claro, o caubói Tom Mix. Era 1927 e o cenário central de Rio Preto modificava-se aos poucos.
A rua Bernardino de Campos, entre as ruas Siqueira Campos e Tiradentes, que já havia ganhado o "pallazo" da italianíssima família Aiello, que ali instalou a Casa Rignani - firma comercial especializada na venda de armas, munição, equipamentos para as atividades agrícolas: artefatos de ferro, arame, bem como uma variada e sortida seção de porcelanas e cristais - , via surgir, ao lado da loja famosa também pela onça empalhada na sua vitrine, o Banco Francês e Italiano.
Fundado pelos três italianos mais "endinheirados" do Brasil, nas primeiras décadas do século 20: Martinelli, Matarazzo e Puglisi Carbone, o Banco Comercial Italiano se fundiria com o Banque de Paris, adotando assim o nome de Banco Francês-Italiano, cuja sede no Brasil era em São Paulo. Avançou para a América Latina (Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai) tanto quanto para o nosso interior, de olho no dinheiro dos fazendeiros de café, principalmente, e assim é que Rio Preto ganhou uma filial, então situada na Praça São José, número 104.
Talvez justamente por uma graça de São José, o prédio da década de 1920 que abrigava a "Banca Francese e Italiana per l'America del Sud" (esta a grafia original do Banco Francês e Italiano) é um forte que resistiu ao tempo e à pressa que desfez quase a totalidade das edificações seculares do miolo central de Rio Preto. Permanece de pé, diferente da vizinha Casa Rignani, que sucumbiu pouco tempo depois de fechar as portas, em 1982.
Por isso, acessar a sacada na parte superior do prédio, onde hoje funciona um hotel, é como descortinar uma página da história. Em que pese toda camuflagem na forma de poluição visual que oculta a construção na confusa paisagem urbana no coração de Rio Preto, sua essência está lá, o Banco Francês Italiano, a poucos palmos de onde se vende sorvete, capa de celular e bolsas femininas. Suas paredes 'respiram' história' e sua fachada com ornamentos em art déco de um azul esmaecido ainda ostentam um charme que parece não caber no tempo de hoje.
Um charme que tinha mais a ver com o apelo de Eduardo Nielsen que, em 1931, no jornal A Notícia, clamava por investimentos para acelerar a transformação de Rio Preto. "O progresso deste vasto hinter-land não mais satisfaz as exigências da intensidade atual do tráfego", afirmava o advogado e delegado de polícia, que defendia a criação de um "systema completo e eficiente de vias de rodagem".
Hiterland! Termo alemão que significa "a terra atrás" (uma cidade, um porto ou semelhante), é também usado para se referir à faixa rural economicamente ligada a uma área de captação urbana e, por extensão, ao sertão. Como estas terras aqui, um dia a "boca do sertão" do interior paulista.
Eureka, craquinel...
Encontrar um anúncio do Banco Francês e Italiano em um jornal de Rio Preto de 1931 é traçar uma risca imaginária: de um lado, a cidade descolada da "hiterland", em crise de identidade com sua área central - um Calçadão que busca se reinventar ante um poder público atado de ideias (fecha o trânsito, abre o trânsito) - do outro lado, uma cidade com outros aromas e costumes.
Há 90 anos, por aqui se consumia o craquinel. Era o "umpernickel", um pão de centeio muito escuro típico da Alemanha. A massa não é preparada com levedura e o pão é cozido em banho-maria, na umidade da própria massa durante 16 a 24 horas". Manteiga? Eureka! E Madame Vanny oferecia aos "fazendeiros, negociantes e industriais" uma grande oportunidade para "garantirem o futuro de suas esposas e filhas": seu curso de costura com "método inovador". Assadura nas "creanças"? Talcoboro Assis era a solução. Em busca de um "solícito e útil" servidor? Eis o "telephone", é claro!.
Assim Rio Preto caminha, como um filme numa tela imaginária em que passado e futuro duelam em um enredo épico - de capa e espada, de caubóis e vilões. E a testemunhar tudo isso, o prédio de um banco que resite ao tempo. Francês, também italiano, sob os cuidados de Sol, o gerente em constante sentinela. E enquanto isso, a Bernardino e a vida seguem seu curso.