Impostoras, é isso que as vacinas são. Mas boas impostoras. Isso porque elas se passam por agentes infecciosos (vírus e bactérias) para estimular o organismo a produzir anticorpos contra a doença, quando, na verdade, são elas que vão impedir o indivíduo de adoecer. Na quinta e última reportagem da série "Os Caminhos da Vacina", saiba como elas induzem a resposta do organismo.
"A gente define vacina como uma substância biológica preparada a partir de micro-organismos causadores de doenças, modificados laboratorialmente de forma que perdem sua capacidade de provocar doença, mas quando administrados no organismo mantêm a capacidade de produzir anticorpos", explica Irineu Maia, responsável pelo Departamento de Infectologia do Hospital da Base e docente da disciplina de Infectologia da Famerp.
Diferentemente do micróbio, a vacina não tem a capacidade de provocar a doença em um organismo saudável. Basicamente, elas são de dois tipos: atenuadas (com agentes infecciosos vivos, porém muito enfraquecidos), ou inativadas (com agentes mortos, alterados ou fragmentados). Mais recentemente, estão surgindo as de RNA mensageiro. Essa tecnologia vem sendo pesquisada há muitos anos, mas se tornou uma realidade nos estudos para descobrir imunizantes contra a Covid.
De acordo com a Pfizer, que produziu um produto com essa técnica, as vacinas de RNA mensageiro "carregam o código genético do vírus que contém as instruções para que as células do corpo produzam determinadas proteínas. Ou seja, elas atuam introduzindo nas células do organismo a sequência de RNA mensageiro, que contém a receita para que essas células produzam uma proteína específica do vírus. Uma vez que essa proteína seja processada dentro do corpo e exposta ao nosso sistema imunológico, este pode identificá-la como algo estranho, um antígeno e criar imunidade contra ele. Essa imunidade, representada pelos anticorpos (células de defesa) e linfócitos T, dá ao organismo a capacidade de se defender quando em contato com o vírus."
Quando as vacinas são administradas, o organismo entende que está sendo atacado por um invasor e produz os anticorpos, proteínas que destroem esse inimigo. Os "soldados" responsáveis por essa guerra são as células brancas, os leucócitos, que fazem a defesa do organismo. Os macrófagos, mais especificamente, destroem os intrusos. Segundo Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), são duas linhas de defesa: a de anticorpos neutralizantes e a que produz a imunidade nas células. Quando o organismo entrar em contato novamente com a bactéria ou vírus, vai reconhecê-lo e não deixar que entre - sem a vacina, essa "expulsão" só aconteceria no segundo contato com a doença, ou seja, seria preciso desenvolver o problema para ficar imune a ele.
Algumas vacinas são em esquema multidose (como a tríplice viral e agora as da Covid, Coronavac e Oxford/AstraZeneca) e outras precisam de reforços, como a contra tétano. "Se você encontra a primeira vez o problema você vai reconhecê-lo e começar a se armar. Caso você se encontre novamente com esse problema, você já tem um jeito de ter uma resposta mais robusta, você já sabe como combater aquilo e é só carregar mais soldados para a guerra", afirma Carolina Pacca, doutora em Virologia e professora da Faceres.
Quando o intruso é o antígeno presente na vacina, se o organismo entrar em contato com o vírus ou bactéria "na vida real", será capaz de se defender - diferentemente do que aconteceria se o corpo entrasse em contato diretamente com o micróbio. A tendência seria que ficasse doente, por mais leve que fossem os sintomas. Além disso, é muito mais barata uma dose de vacina do que um tratamento contra uma doença evitável por ela.
O organismo humano é inteligente. Todas as vacinas desenvolvidas contra Covid têm como alvo a proteína spike (na tradução do inglês, espinho), uma importante proteína do Sars-Cov-2. A vacina faz com que o organismo a reconheça como algo estranho e produza anticorpos contra ela. "De tal maneira que quando entrar o vírus em mim eu já tenho anticorpos que vão reconhecer essa proteína do vírus como uma coisa estranha e vão agredi-lo", explica o infectologista Irineu Maia.
Segundo ele, todas as vacinas são adaptáveis, ou seja, caso apareça alguma mutação expressiva é possível adequar a fórmula do produto para proteger contra ela.
Os médicos destacam que não existe nenhum imunizante com eficácia de 100%, ou seja, eventualmente pode acontecer de alguém que foi protegido ficar doente - é claro que a chance é muito menor em relação a quem não tem produção nenhuma. A tendência, porém, é que os casos sejam menos graves em quem estiver imunizado, com sintomas leves. "Todas as vacinas têm esse comportamento, eficácia menor para as formas leves da doença e maior para as formas graves. Quanto mais grave é a doença, maior a eficácia", pontua Kfouri. Se a catapora tinha potencial para matar, por exemplo, e a criança eventualmente tiver o problema, sentirá apenas o desconforto das bolinhas e os sintomas atenuados.
A vacinação é mais eficaz quanto mais pessoas estiverem com anticorpos, para que o vírus não encontre espaço por onde circular. Uma pequena parcela da população não vacinada, que seja de 10%, já é suficiente para permitir estragos em número de casos e vítimas fatais de doença graves, como difteria e rubéola, por isso as metas das campanhas são sempre elevadas.