Foi um susto quando uma tomada improvisada no barraco de Maria Nilza de Oliveira, de 54 anos, na Favela da Vila Itália, em Rio Preto, entrou em curto-circuito. O medo da casa pegar fogo fez com que o marido corresse para desligar a energia improvisada, evitando o pior. "Só lembro de falar: tá pegando fogo, tá pegando fogo. E meu marido correndo".
Sem instalações elétricas adequadas, e com o emaranhado de fios e cabos tocando em roupas e móveis da residência, a dona de casa vive o constante medo de um incêndio. No barraco, onde falta água encanada e saneamento básico, a energia é um luxo quando existe. "A ligação elétrica de casa foi tudo o meu marido que fez quando montamos a casa".
Dados da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) apontam que os incêndios por sobrecarga e curto-circuito subiram de 537 para 656, entre 2018 e 2019, no Brasil. Em consequência, as mortes por choque elétrico também cresceram de 622, em 2018, para 697, em 2019.
E com o isolamento social devido a pandemia da Covid-19, a região de Rio Preto bateu recorde em mortes por choque elétrico em 2020. Foram sete, contra três de 2019. Uma delas foi de Rodrigo Fernandes de Souza, de 27 anos, que morreu no bairro Lealdade, em Rio Preto, após tomar um choque elétrico em uma máquina betoneira. "A gente estava aumentando a casa e ele estava ajudando o pedreiro. Lembro que no dia tinha chovido muito e quando ele foi tirar a última camada de massa da betoneira, ele levou o choque e não resistiu", diz a esposa da vítima, que prefere não se identificar.
Auxiliares de pedreiro aparecem entre as profissões que mais foram vítimas de choque elétrico em 2020, no noroeste do Estado de São Paulo. Das sete mortes registradas na região, três envolveram serventes de pedreiro. Ainda aparece na lista de vítimas de choque elétrico um agricultor, um engenheiro, uma menina de 11 anos e um ladrão que ao furtar fios morreu eletrocutado. As mortes aconteceram em Rio Preto (duas), Catanduva (duas), Potirendaba (uma), Pereira Barreto (uma) e Buritama (uma).
"Existem dois problemas sérios em relação a esses profissionais. Um é o desconhecimento do risco que estão sofrendo e outro é o descanso. No caso do pedreiro e do pintor, entra o lado de conhecer pouco o risco. Como acha que não vai acontecer com ele, esse profissional diz que fica esperto e longe do fio, mas há uma série de movimentações e por qualquer falha pode acontecer o pior. Já no caso do agricultor, os acidentes acontecem quando o trator toca na fiação ou até em manutenções diárias", apontou o engenheiro eletricista e diretor da Abracopel, Edson Martinho.
Para o tenente do Corpo de Bombeiros de Rio Preto Marcos Aurélio Gasparotti, muitos acidentes envolvendo eletricidade acontecem por falta de informação das pessoas e poderiam ser evitados. "Sem contar que estamos na época de férias, o que aumenta a quantidade de pessoas em casa. Com isso, os pais precisam tomar cuidado, principalmente, com as crianças e as tomadas. Em caso de acidente, a pessoa deve ligar 193. Não é recomendado que ela mexa no corpo da vítima, pois pode acabar tomando um choque".
Acostumado a atender vítimas da eletricidade, o cirurgião do trauma do Hospital de Base de Rio Preto Paulo Espada diz que o principal efeito do choque elétrico no corpo humano acontece no coração. Isso porque a energia desregula os batimentos cardíacos, fazendo com que o órgão deixe de bater e trema. "O choque causa uma arritmia cardíaca. Tem gente inclusive que toma choque e tem parada cardíaca no local. Além disso, outro efeito no corpo humano provocado pela energia são as queimaduras. Normalmente, elas são bem graves, porque a eletricidade acaba atravessando o corpo da vítima", disse o médico.
Cuidados em casa
Um dos motivos que podem explicar o aumento de choques elétricos durante a pandemia na região de Rio Preto é que, com mais tempo em casa, muitas pessoas sem formação elétrica realizaram pequenas manutenções na residência, acabando por se acidentar.
"Sempre digo que o primeiro passo é as pessoas lembrarem que a eletricidade não é uma brincadeira. Ela requer sempre um profissional habilitado e atualizado. Porque uma pessoa que faz elétrica a vida inteira e não se atualiza está fora das condições. O que se fazia na eletricidade há 15 anos, não se faz mais", disse Martinho.
Sobre os cuidados em casa para evitar acidentes ele ressalta que, além de não fazer ligações clandestinas, é importante não sobrecarregar as tomadas. "Recomendamos não utilizar benjamin, ou o famoso 'T', porque esses equipamentos dão a falsa impressão que você tem várias tomadas, mas não tem. Sempre prefira várias tomadas. Outro ponto é nunca utilizar o adaptador de tomada grossa para tomada fina e não deixar fios soltos e equipamentos eletrônicos perto da água", aconselhou o engenheiro da Abracopel.