Consta que os registros históricos mais antigos de publicidade são de Pompeia, na Itália, aquela mesma dizimada em 79 d.C. pela fúria do Vesúvio. Ali foram encontradas tabuletas divulgando casas de banho e lutas de gladiadores, além de registros de pregoeiros que divulgavam por gritos e gestos a venda de gado e de escravos. Por aqui, as tabuletas foram muito úteis há um século, quando Rio Preto desenvolvia-se no embalo do trem e divulgava-se de tudo um pouco que uma cidade em formação carecia, de querosene a carne, de pólvora a bacalhau.
As placas e tabuletas são, até hoje, o meio mais engenhoso, pela praticidade e baixo custo, pra se anunciar uma gama quase infinita de itens. E se não mais atendem por este nome, aí estão os outdoors, painéis e letreiros de todas as formas, tamanhos, meios (estáticos ou alimentados pela eletrônica) e cores a cumprir a mesma finalidade do tempo das vítimas do Vesúvio.
Nos veículos, as placas também não deixam de cumprir um tipo de publicidade específica exigida por lei, no sentido de tornar pública (e visível) a identidade das máquinas sobre rodas. Algo que existe desde 1901, precisos 15 anos após o surgimento do Patent-Motorwagen, em 1886, o primeiro automóvel do mundo. Ou seja, há 120 anos que os automóveis são emplacados.
Assim, até pouco mais de um ano atrás, era possível saber o lugar de origem de um automóvel. Era de Passa e Fica/RN? "Passa o quê?". Era de Sombrio/SC? Era de Sem-Peixe/MG? Era de Cansanção/BA? De Chorozinho/CE? De Jacaré dos Homens/AL? De Cabedelo/PB? Talvez fosse de Quipapá/PE?
Curiosidade que era um prato cheio para as crianças principalmente da geração pré-internet, que, entendiadas com a demora da viagem, faziam brincadeiras de encontrar as placas — ainda amarelas — com os nomes de cidades mais diferentes ou de avistar o final de placa com o número maior.
Brincadeira que acabou de vez em 31 de janeiro do ano passado, quando entrou em vigor em todo País a placa Mercosul. Ela traz o padrão com quatro letras e três números, o inverso do modelo até então adotado, com três letras e quatro números. A justificativa é que, além de alinhar-se ao modelo dos países vizinhos, ela permite até 450 milhões de combinações e assim perdurar por até um século, considerando o crescimento da frota nacional.
O grande problema é que a tal Mercosul "enterrou" a principal característica das placas automotivas: agora, em vez do município e estado, traz apenas a inscrição "Brasil". Frio e simplesmente assim. Adeus Cansação, Jacaré dos Homens, Passa e Fica, Sem Peixe... Adeus ao que agora fica emplacado apenas na parede da memória.
O Dauphine do Rubro
Talvez as 'amarelinhas' sejam as placas com ar mais saudosista. Elas perduraram por quase meio século, com algumas variações. Em sua primeira fase, de 1941 a 1969, o sistema era apenas numérico, sem letras (introduzidas só a partir de 1970). Foi nessa época, em 1962 — quando Gina Lolobrigida e Marcello Mastroianni brilhavam nos cinemas em "A Lei dos Crápulas" — que Antonio Zaia Tarraf, empresário e então presidente do América, teve uma ideia para reforçar o caixa do clube.
Com apoio de empresários apaixonados pelo Rubro, 'rifou' um carro zero km. Um torcedor foi quem levou o carango pra casa: um Dauphine. O modelo, da Renault, foi uma solução da montadora pra rivalizar com o Fusca. Tinha motor traseiro, refrigerado à água, quatro portas e carroceria de três volumes, com porta-malas sob o capô dianteiro. Foi fabricado pela Willys-Overland do Brasil, a mesma da Rural Willys e do Jeep Willys.
Para o América, o Dauphine foi prenúncio de sorte. No ano seguinte, o elenco americano sagrou-se campeão da divisão de acesso e daí decolou para uma fase esplendorosa. De 1963 até 1997 foram 31 anos ininterruptos na divisão principal do futebol paulista, com embates memoráveis e que fizeram do velho MAM um alçapão em que muitos grandes passaram apuros.
Atemporais
Placas, painéis, tabuletas, letreiros... Formas de comunicação que registram um tempo e que podem ultrapassar o sentido comercial. Artistas também apropriam-se dessa tática visual para as suas mensagens. Foi assim com Bob Dylan quando, em março de 1965, lançou a icônica canção "Subterranean Homesick Blues" e, "acidentalmente" criou, produziu e encenou o que é considerado um dos videoclipes mais geniais da história.
Feito quase sem querer, na viela de um hotel londrino, o Savoy, o vídeo musical era a cena de abertura do documentário "Don't Look Back", de Donn Alan Pennebaker.
Dylan, em uma postura displicente e desafiadora, segura cartazes com palavras e frases retiradas da sua canção "Subterranean Homesick Blues". Algumas das frases, isoladas, viraram palavras de ordem — fiéis ao zeitgeist (espírito da época) crítico da década de 60. Por exemplo, quando ele diz que "Você não precisa do homem do tempo/Para saber de que lado o vento sopra".
O genial e enigmático artista de rua britânico Banksy é outro que se apropria do visual público para disparar suas mensagens em murais carregados de simbolismos. Um deles foi notícia há um mês: um mural desenhado na lateral de uma casa na Vale Street, na cidade de Bristol, a rua mais íngreme da Inglaterra, com um vetor gradiente de 22 graus. Na obra, a dentadura, a bolsa de mão e a bengala de uma mulher voam longe com a força do espirro. O proprietário, que havia colocado o imóvel à venda, está repensando o negócio em razão do teor artístico envolvido.
Se, a exemplo dos sons, as palavras são navalhas, como diz Belchior (de forte inspiração "dylaniana"), elas também contam muitas histórias: pra vender, pra lembrar, pra encantar ou simplesmente sentir saudade.