Sem água disponível, sem horário para comer, atendimento de centenas de pacientes em um único dia e ameaças de pessoas irritadas com a demora. É assim a rotina na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Solo Sagrado, descrita por uma profissional que atua no local e prefere não se identificar.
"É desumano com as pessoas e com os profissionais. Está intenso demais o movimento. Não estava desse jeito, mas no fim do ano as pessoas não respeitaram, fizeram aglomeração e a doença veio mais violenta. Estamos vendo crianças sendo transferidas com gravidade", conta. O Hospital da Criança e Maternidade (HCM), referência para atendimento dos pequenos, tinha oito pacientes internados nesta quinta-feira, 7, sendo um em UTI.
O Diário mostrou nessa semana a superlotação da UBS do Solo Sagrado, que funcionava até as 22h e por conta do aumento da demanda passou a ser 24 horas. A Secretaria de Saúde anunciou nesta sexta-feira, 8, que a UBS Vila Mayor vai reforçar o atendimento das unidades respiratórias, que conta também com as UBS Caic/Cristo Rei e Anchieta - nelas e na Solo Sagrado, a espera por atendimento era de no mínimo três horas, mas pacientes relataram ter permanecido dez horas no local.
Paulo (nome fictício para preservar a identidade do paciente), vendedor de 23 anos, esteve na do Solo Sagrado na última quarta-feira. Ele chegou por volta das 14h e foi embora às 20h30. "Descaso total. Pacientes sentados no chão, crianças esperando com mãe, sentadas no chão comendo porque estavam lá desde às 8h30, isso 15h. Tinha poucos profissionais, porém esforçados demais", relata.
Nem todo mundo, no entanto, reconhece o esforço da linha de frente ou entende que existem prioridades (como idosos e pessoas com comorbidades). A profissional da UBS conta que eles estão sendo ameaçados pelos pacientes por causa da demora. "Não temos o que fazer. Não temos funcionário. E precisa fazer triagem, medicação, exame, entrar no sistema nacional, notificar, fazer a planilha." Repassando para a chefia o problema, a solução era: tem que esperar.
Sem contato próximo com familiares desde que a pandemia começou, ela conta que os colegas estão doentes, no enfrentamento desde março, sob pressão psicológica e física, com medo de quem será o próximo a sofrer agressão. "Tem muito funcionário pegando atestado por doença psiquiátrica ou contaminação. Tenho duas colegas afastadas, outra intubada. Já perdi dois colegas. Estamos numa guerra e somos os últimos."
Uma enfermeira que não quer ser identificada trabalha em um hospital que atende pacientes do SUS e de convênios em Rio Preto. Ela atuava em lares de idosos antes e teve oportunidade de fazer o processo seletivo justamente por causa da Covid. "Vejo pessoas que acabaram de sair dos cursos e acham que vai ser tranquilo e não é. É exaustivo, tem que ter cuidado porque senão fica doente. A hora que sai da UTI tem que tomar banho, se desinfetar para não levar o vírus para a população e os familiares."
Outra profissional da enfermagem, que também atua em hospital, relata o cansaço. "É bem desconfortável trabalhar paramentados com aventais, máscara e protetor facial o plantão todo. O paciente na UTI demanda atenção extrema. Pronamos (colocar de bruços) e voltamos o paciente várias vezes, isso demanda força física", explica.
Os profissionais acreditavam em um alívio, mas a nova onda veio antes do esperado, em um momento em que as férias, que haviam sido canceladas, precisam ser agendadas.
Ana (nome fictício), médica intensivista que atua na UTI de um hospital particular de Rio Preto, diz que a primeira onda foi pesada e todos trabalharam muito, com horas extras e cobrindo quem ficava doente. "Deu uma diminuída e a gente ficou um pouquinho mais tranquilo, mas agora voltou a piorar muito, hospital lotado, UTI lotada."
O problema é que agora estão todos cansados e os médicos não conseguem mais emendar tantas horas de trabalho. Além do coronavírus, a exaustão também está deixando doutores e enfermeiros doentes. "Tanto na enfermaria como na UTI está muito cansativo, os pacientes instabilizam rápido. Você passa a visita de manhã ele está bem, à tarde está cansado, com falta de ar, precisando de oxigênio. Evoluem rápido e todo mundo fica de cabelo em pé." Para garantir fechar os plantões, diz Ana, vale tudo: pagar mais, pagar à vista e pedir "pelo amor de Deus" pela ajuda para atender os doentes.
(Colaborou Bruno Ferro)