Devoto fervoroso dos três reis magos - Baltazar, Gaspar e Melchior -, o aposentado Dioraci Rodrigues Oliveira, 69 anos, olha com tristeza para a capela familiar, construída em um terreno da própria casa, na rua Santana do Parnaíba, no Eldorado, zona norte de Rio Preto.
"Vai ser um dia de Reis muito triste. No ano passado, aqui estava cheio, com muita gente, muita reza e as companhias que vinham até a nossa capela. Essa doença acabou com tudo", lamenta o devoto. Neste ano, em decorrência da pandemia de coronavírus, a manifestação cultural e religiosa da comemoração do Dia de Santos Reis, nesta quarta-feira, dia 6, será silenciada. A bandeira do divino não visitará as casas para levar bençãos e cantorias, para evitar o risco da contribuir para segunda onda de contaminação da Covid-19.
Além da capela, dá para encontrar também na casa de Dioraci, outras provas da fé do aposentado, como fotos em molduras, com registros de parte das seis décadas de sua dedicação aos santos católicos.
"A única coisa que vou fazer neste ano é deixar o pessoal entrar na capela, um a um, para não ter risco, para rezarem. Quem fez promessa não falta. Só vou pedir para incluir nas orações o fim desta pandemia", diz.
Líder da companhia de reis Luz do Oriente, Antonio Carlos Evangelista cuida da bandeira do divino, guardada em seu quarto, no bairro São Tomaz, zona norte. Enquanto nos anos anteriores a flâmula religiosa visitava centenas de casas, neste ano não saiu um dia sequer da residência.
"Nossa companhia tem 15 integrantes. Entre nós, tem gente como eu, que está no grupo de risco da doença. E quem recebe a bandeira também está. Achamos melhor não se expor", diz o aposentado.
Evangelista pediu para os santos, por meio de oração, para que a vacina chegasse antes de dezembro, época de iniciar as visitas e coletas da doações de donativos para a festa dos santos, mas, pelo jeito, o pedido será aceito só no final de janeiro, caso cumpram-se as previsões de início da imunização feitas pelo Ministério da Saúde e pelo governo do Estado de São Paulo.
"Pra manter a fé, é preciso se manter vivo. Se for preciso a companhia de reis não sair para acabar com a doença, a gente paga esse preço. É pelo bem de todos", diz o devoto.
A pandemia do coronavírus vai interromper os 135 anos de tradição da festa de reis de Potirendaba, a maior da região. Só no ano passado, foram oito mil participantes.
"Todo ano a gente mata 30 novilhas para alimentar esse povão. Este ano, vamos só fazer o terço, aqui no bairro de Santos Reis. E rezar pra chegar logo as vacinas", afirma o mestre da Companhia de Reis Centenário, Joaquim Augusto da Silva, 68 anos.
Em Monte Aprazível, a devota Madalena Lima Bianchi, 56 anos, também diz que não vai ter a festa tradicional para mil pessoas feita em louvor aos Santos Reis.
"A gente tinha programado tudo para a festa de chegada das companhias. Vinha gente dos sítios, fazendas, mas o melhor foi cancelar. É complicado. Já pensou se alguém pega a doença por causa da festa?", questiona a devota.
Para manter a tradição viva, o secretário municipal de Cultura de Rio Preto, Pedro Ganga, afirma que a Prefeitura vai cadastrar todas as companhias de reis da cidade, por meio de um censo cultural.
"É importante a gente apoiar e registrar, com fotos e filmagens, essa manifestação cultural religiosa. Eu mesmo já organizei festas no Jardim Caparroz. Temos de deixar tudo gravado para que a tradição não morra e seja mantida", diz o secretário.