Na última reportagem da série "Saúde Pública", o Diário da Região traz uma entrevista com o secretário de saúde municipal de Rio Preto, o médico Aldenis Borim.
Desde que assumiu, em agosto de 2017, Borim lidou com questões como a maior epidemia de dengue da história, ocorrida neste ano. Até o momento foram confirmados 32.216 casos da doença e 16 mortes por complicações do vírus. Segundo o secretário, ele teve medo de que o surto se transformasse em tragédia em maio. As ocorrências continuavam a aumentar quando a epidemia já deveria estar perdendo força. A mortalidade ficou em 0,04%, aquém do tolerável, de até 1%.
Borim também estava no comando da pasta quando surgiu a denúncia de que o Grupo de Amparo ao Doente de Aids (Gada) de Rio Preto, que presta assistência judicial a quem precisa de medicamentos, insumos e tratamentos em Rio Preto, recebia uma espécie de "pedágio" para não ingressar com as ações contra a Prefeitura, mas sim contra o Estado.
A conversa com o secretário aconteceu na segunda-feira, 12, no gabinete do gestor. Ao lado, o Diário da Região elencou cinco pontos positivos e cinco negativos da saúde pública de Rio Preto, com base do que foi constatado pela reportagem, que ao longo das últimas semanas conversou com gestores e pacientes do SUS na cidade.
Diário da Região - Como foi feita a informatização da rede? Já está funcionando integralmente?
Aldenis Borim - O prontuário eletrônico já está funcionando nas 27 unidades básicas de saúde (UBS). Não foram só os prontuários, mas também resultados de exames de imagem e laboratório e pretendemos até o final do ano colocar imagens de ultrassom, endoscopias, todos os laudos. Também estamos em fase de implantação nas unidades de pronto atendimento (UPA), nosso projeto é terminar no final de novembro. O sistema será um só.
DR - Temos uma rede bem estruturada de vacinação?
AB - Eu acho que vacinação aqui na Secretaria de Saúde é extremamente bem gerenciada pela Michela [Dias Barcelos, gerente do Departamento de Imunizações], pessoa envolvida. Eu acho que grande parte desse sucesso se deve a ela. A gente vê em outros municípios que por mais que façam não conseguem atingir o que a gente atinge. Existe todo um projeto em execução que vai desde escolas, campanhas e assim por diante. Eu acho que Rio Preto também tem uma vantagem: a iniciativa privada também tem um bom esquema de vacinação.
DR - Apesar de ser uma rede bem estruturada, caíram os índices e chegaram doenças que não eram para existir, como o sarampo. Como lidar com o movimento antivacina?
AB - Esse é um processo mundial que não consigo entender nem como médico nem como gestor. Revertê-lo é um trabalho não só da Secretaria, mas global. A gente vai fazer divulgação em ônibus, procurar a mídia, fazer um trabalho sério nas escolas. Acho que não está nesse ponto ainda, ainda está na fase de conscientização, mas os conselhos tutelares também têm que agir, porque quando você é responsável por outros não pode tomar decisões que prejudiquem essas pessoas.
DR - A gente tem uma boa rede de pesquisas que colaboram com a Saúde. De que forma isso ocorre?
AB - A Famerp tem colaborado na área de epidemiologia. A gente tem o doutor Maurício (Lacerda Nogueira, chefe do Laboratório de Virologia da faculdade), que já está na rede e sai baratíssimo para a gente porque ele já tem as bolsas, precisa da rede para servir de material de pesquisas. Ele amplia nossas ações tanto qualitativa quanto quantitativamente. Outros convênios são com as faculdades, que utilizam a rede para ensinamento de seus alunos, formando médicos da família, para a própria secretaria no futuro. Quando a universidade entra no sistema, melhora a qualidade, porque cobra mais do médico.
DR - Como resolver o problema do tempo de espera?
AB - A fila de espera em algumas unidades está enorme e em outras não existe. Na teoria é muito bom um médico que sempre te atendeu, seria o ideal. Só que quando eu tenho um bairro com 14 microrregiões eu vou ter demanda reprimida. Estamos querendo trabalhar com a divisão, quando o indivíduo for marcar consulta vão ser oferecidas outras unidades que estão com menos espera e ele vai poder ir. Tudo isso é possível pelo prontuário eletrônico.
As filas da UBS estão maiores que o habitual pois temos 17 unidades em reforma. Estamos fazendo o remanejamento de pacientes e equipes para atenderem em outras unidades, mas mesmo isto não está sendo suficiente. Em função disto as filas variam muito, tanto nas unidades como nas especialidades.
Quando nós assumimos todas as especialidades tinham problema. Hoje temos em oftalmo e reumatologia. Considero problema a fila de três, quatro meses de espera. Reumato não é uma especialidade fácil de conseguir, nem nos convênios, e o grande problema é fibromialgia, que não existe tratamento específico e o paciente é crônico, vai vir a vida toda. A gente está fazendo reuniões, mas ninguém vê uma saída.
A gente espera conseguir terminar a fila de pacientes endoscópicos até dezembro, se não me engano tem 300 pacientes. Nossos problemas são ressonância magnética e cintilografia do miocárdio. Está grande, não temos soluções previstas porque os aparelhos são caros, não há prestador para vender e quando vende é um preço absurdo. Temos de 350 a 400 ressonâncias por mês e teríamos que ter três vezes essa quantidade.
DR - E as Unidades de Pronto Atendimento da rede estão sempre lotadas...
AB - Elas (as UPAs) vivem de doenças sazonais: a dengue, depois o estado gripal... Quando pega uma doença viral sazonal sempre dá grandes problemas porque além das atividades para as quais a UPA foi preparada existe o excesso de pacientes. Vivemos hoje uma fase em que estamos razoavelmente bem em número a mais de doentes. Quando estamos em um período sem nenhuma epidemia, as nossas UPAs atendem razoavelmente bem.
Estamos adaptando algumas UPAs porque em algumas o processo de trabalho é muito difícil em razão da construção feita. Um exemplo típico é a do Jaguaré, cuja estrutura tem que ser mudada para atender melhor. A sala de raio-x está aqui e a revelação está a 20 metros. Quer dizer, é um processo que dá fila.
Na dengue eu acho que acertamos, pois era para estar muito mais confuso, e olha que esteve cheio. Outra coisa é que qualquer serviço de urgência é assim, todo mundo fica insatisfeito por causa da demora. Se você for no privado, vai ver que você gasta duas horas lá no privado também porque ele está no pico da doença sazonal. Acho que a gente hoje se equipara em qualidade com o privado.
As equipes das UPA são muito boas, é raro ter alguma reclamação, alguma Ouvidoria ou algum processo. São muito capacitados.
DR - Como o senhor avalia a atuação da Saúde na epidemia de dengue?
AB - Sem querer me parecer prepotente, mas eu acho que o plano de contenção foi muito bem feito e muito bem executado. Chegou um momento que eu pensei que ia ser uma tragédia. Foi em maio, que deu aquele pico, via chegando 500 comunicados por dia. O problema de maio é que era para não ter nada, na primeira quinzena de maio é para não ter mais doença e foi o pico na primeira semana. Só choveu e fez sol. Nas discussões da previsão da dengue a gente chegou entre 15 e 20 mil casos, mas jamais imaginava quase 40 mil.
DR - A Saúde fez várias ações, mas depois que a epidemia de dengue já tinha começado. Teria como ter visto antes, já que havia um alto índice de infestação do mosquito?
AB - As epidemias de dengue são um tripé. O índice de infestação predial (IP), de focos do mosquito encontrados é um, o outro é circulação viral, tem que ter o vírus circulando e a terceira é a população ser ou não imune. Você só tem epidemia se tem esse tripé. Nós tínhamos um IP alto, mas não tínhamos vírus circulante e nem sabíamos que vírus iria circular para ver se era imune ou não a população. Quando começou a circular o tipo dois foi quando nós falamos 'vai ter epidemia, vamos começar as ações'. Antes da gente fazer o plano, apresentar o plano de contingência, nós já começamos a desviar os agentes de saúde para serem agentes de endemias.
Eu não acredito que a gente deva antecipar se você não tem. Seria gastar um dinheiro sem necessidade, agora se circular o três o ano que vem vai ter epidemia. Acreditamos que não vai ter epidemia do dois no ano que vem.
Tem o lado positivo: quem pegou esse ano tem baixíssima probabilidade de pegar o ano que vem, mesmo que seja o três. Durante mais ou menos dois anos, você guarda imunidade para qualquer um deles, não é 100% das pessoas que desenvolvem essa imunidade, mas uma grande quantidade.
DR - O doutor Maurício Lacerda Nogueira, virologista da Famerp, alerta há meses para a chegada do chikungunya. Segundo ele, o vírus deve chegar a Rio Preto em algum momento.
AB - Eu concordo com o Maurício. Ela vai vir, nós não sabemos quando o vírus vai circular. E qual é o nosso medo? Não tem ninguém imune, esse é o grande problema. A hora que vier está todo mundo exposto, então a gente saber que vai ser uma epidemia. Praticamente é uma doença nova, ninguém tem imunidade. Não sabemos como vai se comportar.
DR - Temos em Rio Preto também um problema em cirurgia de média complexidade.
AB - Rio Preto tem dois problemas: urgência e emergência e média complexidade, que está sufocada entre a urgência e a emergência e é um problema que o País enfrenta. O Hospital Municipal é para colocar aquele pino que não dá tempo, porque chega paciente infartado. Vai refletir na urgência e emergência porque quando eu tiro a média do hospital vou ter mais leitos para urgência.
DR - De que forma o fechamento do Ielar impactou na rede?
AB - Após o fechamento do Ielar, que tinha 60 leitos contratados mas apresentava uma média de ocupação de cerca de 48 leitos, foram contratados 33 leitos na Santa casa e 40 leitos no HB, ou seja 73 no total. Com taxa de ocupação plena. Ou seja, hoje temos 25 leitos a mais que os utilizados na época do Ielar.
Outro problema eram os procedimentos de pequena e média complexidade da urgência e emergência. Procuramos adaptar as UPA para fazer. Elas não tinham raio-x nem ortopedista, agora têm. Ampliamos os leitos de retaguarda, a pessoa com pneumonia, por exemplo, fica até 72 horas lá e vai para casa ou para o hospital porque precisa de exames mais sofisticados.
DR - O novo hospital vai resolver a falta de leitos?
AB - Saúde é uma coisa que quanto mais você tem, mais ela gera, uma coisa sem fim aqui e no mundo todo. Com o hospital vamos resolver média complexidade. Com a alta não temos problema em Rio Preto, raramente você vê alguém reclamando que precisa de uma cirurgia cardíaca e não fez. A falta de leitos é o nosso maior problema hoje nos hospitais. Há três décadas tínhamos Austa, Beneficência Portuguesa, Nossa Senhora da Paz, Maternidade Nossa Senhora das Graças, Santa Helena. Eles vendiam leitos para o SUS e em conjunto dava 150 leitos. A população cresceu e esses hospitais não têm mais leitos para o SUS. Fomos jogando o que deu na Santa Casa e foi faltando.
DR - Sempre que falamos do Hospital Municipal alguém pergunta: por que não reabrir o Ielar?
AB - Não foi a Secretaria de Saúde que fechou o Ielar. A Secretaria não conseguiu fazer mais convênios porque não conseguiram nos dar documentos, aprovação de contas e outros fatores. Quando você assume uma instituição com a mesma finalidade que ela vinha exercendo você obrigatoriamente assume todo o passivo e é um passivo enorme que nós não temos condições de arcar.
DR - Estamos com um concurso aberto para médico. Eles ganham por produtividade? Isso não cria as "consultas a jato"?
AB - Em algumas áreas a gente tem gratificação por meta, que eu acho muito bom. Todo médico que tem quatro horas diárias ou 20 semanais tem que atender no mínimo 16 pacientes por dia, é a meta que ele tem que atingir. A agenda do médico não é dele, é da Secretaria, que marca 16. Em alguns locais você tem o absenteísmo muito elevado, nós fazemos overbooking, a gente agenda 18. Se vierem os 18 ele atende e no outro dia ele atende menos. Isso não cria as consultas a jato porque ele é obrigado a ficar quatro horas. Quinze minutos é um índice bem aplicável em qualquer lugar, e não se aplica em todas as especialidades. Quatro por hora é uma média para o clínico, mas algumas especialidades são diferentes.
DR - A marcação de ponto é uma reclamação antiga dos médicos. Como tem sido feito isso?
AB - Isso é uma reclamação direto, porém eu não abro mão. Conheço minha classe. Eu sou da classe, conheço minha classe. O cara tem 500 coisas, tem consultório... Se ele não passar o dedo vai criar isso que você falou. Vai cumprir os 16 pacientes em duas horas e vai embora e vai ser um atendimento muito aquém daquele que deveria ser. Então eu acho que no dia que você é contratado 16 pacientes por dia, fez um concurso sabendo que eram 16 e você tinha que cumprir quatro horas ninguém está fazendo nada a não ser cobrar uma coisa que foi de contrato. Existe um compromisso com o paciente, eu não vejo de maneira nenhuma errada a passagem de ponto e se a gente pegar alguém fazendo errado há uma tendência a ter a decisão mais grave possível.
DR - O Gada tinha um pedágio para não entrar com ação contra a Prefeitura e há pouco mais de um ano isso acabou. Quanto a Prefeitura está tendo que desembolsar por mês?
AB - Mais do que financeiro o problema foi moral. A gente sabia que ia vir essa avalanche, mas a moral me impediu de continuar com aquilo. Quando assumimos a Saúde, pagamos sem saber o que era. Todas as renovações que o Eleuses (Paiva, ex-secretário, que deixou a pasta em agosto de 2017) fez na chegada foram de seis meses porque ele falou que não sabia o que estava acontecendo e não ia fazer para dois, três anos e precisava fazer para não ter desassistência. Começamos a analisar em um segundo momento cada uma delas e numa dessa vimos isso, perguntamos para a Procuradoria Geral do Município (PGM), que falou que achava ilegal aquilo, que não deveria fazer. Foi quando falamos que não íamos fazer, com o parecer da PGM falando que o município não pode pagar um advogado específico para fazer ações a partir do momento que tem a PGM, não tem sentido pagar um advogado.
DR - E quanto foi gasto?
Até agora gastamos R$ 6,1 milhões em ações judicias, porém temos muitas delas ainda em processo de licitação. Para comprarmos 563 medicamentos por ordens judiciais, que atendem somente 0,09% de todos os pacientes atendidos pela rede, gastamos 31% do nosso orçamento para compra de medicamentos. E para comprarmos 585.294 medicamentos da nossa Remume (medicamentos disponíveis na rede), que atende a mais de 99% dos pacientes, gastamos 69% do orçamento. Estes dados mostram que as ordens judicias podem beneficiar um paciente, mas são muito injustas com o restante da população.
DR - Se o senhor tivesse assumido a Secretaria desde o início, o que teria feito de diferente?
AB - Nada. Acho que tudo que foi feito foi conversado comigo. Acho que foi uma parceria muito boa que fizemos e faria exatamente o que o Eleuses fez.