Cerca de 80% das seringueiras da região de São José do Rio Preto estão sendo exploradas abaixo da sua capacidade de produção. Essa é a conclusão de três anos de análises feitas por um laboratório implantado na cidade no início de 2016.
O laboratório realiza, de forma inédita no Brasil, o exame conhecido como Diagnóstico do Látex (DL), uma espécie de exame de sangue da árvore em produção, que aponta até quantas sangrias podem ser feitas em cada safra. Assim, o agricultor pode conseguir o máximo de látex de cada árvore sem comprometer a saúde da planta.
Uma árvore que é explorada acima da sua capacidade pode sofrer o fenômeno chamado "secagem de painel", como explica o engenheiro agrônomo Gilson Pinheiro de Azevedo. O painel é a parte do tronco da árvore em que são feitos os cortes superficiais para que o látex escorra para um pote fixado na árvore. O processo é chamado de sangria, e o conteúdo desse pote, na indústria, é transformado em borracha e em mais de 400 produtos, como pneus, luvas cirúrgicas, preservativos, brinquedos.
Se o painel sofre a secagem, a árvore pode ficar até três anos sem produzir látex "e, quando volta, a produção nunca mais será a mesma. A secagem compromete seriamente a produtividade do seringal", disse o agrônomo.
Com o resultado do DL em mãos, o produtor consegue saber quantas estimulações podem ser feitas em cada safra, sem o risco de secagem do painel. A estimulação é a aplicação de um componente químico que evita que o látex coagule no momento em que deve escorrer para os potes, melhorando a produção.
Nos seringais da região de Rio Preto são feitas de quatro a seis estimulações por safra. O exame tem mostrado que a planta suporta até mais duas, um incremento de 20% a 30% na produção. Seis estimulações rendem em média oito quilos de látex por planta. "Com a realização do DL já teve casos em que conseguimos indicar até 13 estimulações", disse Ana Luiza Xavier Scomparin, responsável pelo laboratório.
Ela explica que, no passado, o heveicultor costumava fazer muitas estimulações, o que diminuía a vida útil das plantas e muitas vezes provocava a secagem do painel. Atualmente, receoso dos prejuízos com a super exploração, o produtor faz poucas estimulações, ficando abaixo da capacidade produtiva da plantação.
"O que tem de reserva precisa condizer com a retirada. É aí que entra a importância do DL", disse Ana Xavier. Um seringal que recebe o manejo adequado pode apresentar boa produtividade por até 50 anos.
O diagnóstico do látex é muito semelhante a um exame de sangue do ser humano. São realizadas no campo as coletas de pequenas quantidades da seiva do tronco da planta, em sistema de amostragem que contempla árvores de diversos pontos da plantação.
Diferentemente de um exame de sangue humano, porém, a coleta pode ser feita pelos técnicos do laboratório, mas também pelo próprio agricultor, que passa por um treinamento. Caso o produtor opte por coletar as amostras, o custo pode ser reduzido.
Cada análise custa hoje R$ 175 e a indicação é de que seja feita uma análise a cada cinco hectares, área que comporta aproximadamente seis mil árvores. O produtor precisa identificar na amostra o clone da planta, o método de sangria adotado e a idade do plantio.
O DL é um exame minucioso que indica os aspectos fisiológicos da planta. Em cada amostra são identificadas as quantidades dos principais componentes do látex: sacarose (reserva energética da planta, que representa o potencial produtivo), fósforo (representa o metabolismo energético da planta. Indica o quanto ela está ativa, e mostra a capacidade que ela possui de transformar sacarose em látex), e thiol (elemento que atua na proteção das membranas do látex, com função antioxidante. O thiol favorece a estabilidade do látex, adiando a coagulação, e melhorando o escoamento).
O resultado mostra a quantidade de sangrias que podem ser feitas, mas também pode apontar desordens fisiológicas precoces. "A maioria das pessoas não pensam na saúde da planta, só pensam no dinheiro", critica Ana Xavier, responsável pelo laboratório. Para ela o perfil do heveicultor precisa mudar no sentido de investir em tecnologia para preservar a plantação.
A agricultora Marta Somilio, que tem mais de 120 mil pés de seringueira em propriedades de Olímpia, Barretos e Planalto, já pensa dessa forma. Ela realiza o DL desde que foi implantado na região. Até o momento já foram três anos de adesão ao diagnóstico. "O investimento é baixo se considerarmos o retorno, a tranquilidade que proporciona. Não pretendo parar de fazer", disse.
Atualmente a produção de Somilio é de 800 toneladas de látex por ano. As plantações estão em idades diferentes. As primeiras árvores começaram a exploração há 15 anos. As demais foram implantadas gradativamente. Hoje, nas três propriedades da família, existem árvores com seis, cinco, quatro, três e dois anos de sangria.
A produtividade de cada uma delas vem crescendo a cada ano e a produtora atribui esse desempenho a um conjunto de fatores, como adubação e correção com calcário. Mas é o DL que indica as medidas a serem tomadas. "O exame mostra a saúde da planta. Se der negativo, a gente já levanta a orelha, e entra com correção do solo e adubação".