"Eu estava no alto da barragem. Quando eu vi que a lama estava vindo, pulei para o lado, para a torre de sondagem não cair em cima de mim. Caí em um abismo de barro e só via terra passando por mim e foi quando eu falei: 'fui'". Esses foram os primeiros momentos do sondador de Ilha Solteira Lieuzo Luiz dos Santos, 55 anos, após o rompimento da barragem em Brumadinho, no último dia 25. Ele sobreviveu.
Onze dias depois da ruptura e de volta para casa, ele relata momentos de desespero e aflição ao escapar do desastre humano mais grave da história de Minas Gerais. Lieuzo trabalhava em cima da barragem na instalação de equipamentos elétricos para monitorar a pressão, temperatura e o nível da barragem. Mas, antes do funcionamento dos últimos instrumentos, a barragem desmoronou e levou tudo pela frente.
"Uma hora antes, o gado, mansinho, que ficava no pasto do lado, já tinha se assustado e se juntado no alto. Não percebemos que era um alerta. Quando percebi, já estava levando tudo embora", disse. Três colegas e uma técnica de segurança da equipe do sondador ainda estavam desaparecidos até esta quarta-feira, 6. Ele foi jogado pela lama para fora da onda de rejeito.
"Caí numa parte seca e com a perna (fraturada) coberta de lama", afirmou. E foi nessa valeta de barro e ferro que ele passou as cinco horas mais angustiantes. "Eu só pensava na família. Eu pensava se eles já sabiam da tragédia". Ele relata helicópteros sobrevoando a área. "Passava um, eu acenava. Passava outro, também erguia a mão, mas não me viam. Eu estava da cor da lama".
Sem saber como seria resgatado e com a perna quebrada, o sondador disse que ainda tentou escalar a grama para ser visto pelos socorristas. Sem forças e condições de locomoção, ele começou a gritar. "Foi pelo grito. Eu gritei e um socorrista por terra também gritou. E, assim, eu gritando e ele também, ele foi aproximando. Mesmo assim demorou. Eu vi ele primeiro e acenei. Ele disse que tinha me visto e era pra eu esperar", afirmou.
Resgatado, ele foi levado ao ponto de apoio. Foi neste momento que a preocupação da família em Ilha solteira se transformou em alívio. "Ninguém queria acreditar que eu estava desaparecido", contou. Ainda na sexta-feira, 25, ele foi encaminhado para Belo Horizonte. "Na segunda-feira já operei". A cirurgia foi acompanhada pela família.
De volta a casa e com passos apoiados pelo andador, Lieuzo checa o celular o tempo todo para ver se há notícias do encontro dos colegas engolidos pela barragem. Em meio a esse sentimento de compaixão e gratidão por estar vivo, uma certeza: foi a mão de Deus. Católico praticante, ele exalta a fé em Deus e à Nossa Senhora de Aparecida. "Na minha carteira, tinha duas santinhas. Fiquei sem os documentos, sem os cartões do banco, foram tudo embora, mas permaneci com a vida", agradeceu.
Das lembranças e tudo que passou, o mais "triste foi ver as pessoas indo como eu vi. Ver a lama levar o meu parceiro que foi acudir a tenda e foi engolido. Meus outros dois colegas levados na caminhonete. Muito triste. Tinham que ter mais responsabilidade", criticou. Ao lado da mulher, Rozeli, do filho Luiz Fernando, das filhas Tamires e Thais Andressa e da neta Alice, 5 anos, ele se recupera.
Com os olhos ainda vermelhos do impacto da lama, o sondador diz seguir na profissão. "Sempre trabalhei com sondagem. Recuperar e, se precisar continuar com barragem, continuo", afirmou. Segundo ele, a empresa Fugro, terceirizada da Vale, está fornecendo ajuda necessária. Lieuzo tem 11 anos de firma e, no que depender dele, a função não termina por aqui. "Tenho muita fé em Deus", finalizou.
Desaparecido
Entre os desaparecidos na tragédia ainda está o almoxarife Carlos Roberto Pereira, 61 anos, cujo filho Reinier Faustini Pereira mora em Rio Preto. O rapaz foi para a cidade mineira para tentar mais notícias sobre as buscas.