Marcoênia Magna Rodrigues de Oliveira e o marido, Fabiano de Oliveira Lima, de 37 anos, atravessaram 2,3 mil quilômetros sem saber quando voltariam para casa - deixando para trás outros dois filhos - para salvar a vida da pequena Isabelly. Fernanda Salomé Sampaio Bonaci, de 31 anos, adiou os planos de pós-doutorado e a carreira como professora universitária para se dedicar à primogênita, Clarice. No último domingo, dia 23, foi celebrado o Dia do Filho, e essas duas famílias exemplificam o que é o amor por eles.
Isabelly, de sete meses, nasceu com Tetralogia de Fallot, uma combinação de quatro defeitos graves no coração. "Quando ela nasceu, fiquei sabendo que tinha um sopro. Ela tem problema auditivo, não escuta", conta a mãe. Exames mais profundos diagnosticaram a malformação cardíaca, mas em Teresina, no Piauí, onde a família mora, o tratamento teria de esperar até que a criança fizesse um ano.
Eles então procuraram o Tratamento Fora do Domicílio (TFD), do SUS, e também ingressaram com pedido no Ministério Público para agilizar a ida de Isabelly para um local onde pudesse realizar a cirurgia de correção da Tetralogia. O local escolhido acabou sendo Rio Preto, onde os três chegaram no início do mês. A bebê está na UTI do Hospital da Criança e Maternidade (HCM) e se recupera da segunda operação.
Isabelly, classifica Marcoênia, é um milagre, já que ela não poderia engravidar porque foi diagnosticada com endometriose e atrofiamento das trompas. A descoberta da gestação ocorreu no terceiro mês, quando a mãe foi fazer uma cirurgia de apendicite. Desde então, não retornou mais ao trabalho - primeiro veio o afastamento por saúde e depois do diagnóstico da filha ela resolveu pedir demissão do emprego, onde atuava no departamento administrativo e financeiro. A faculdade de Administração que cursava também ficou para trás.
"A Isabelly requer cuidados totais. Não podia trabalhar nem deixar ela com ninguém, teria que ser eu mesmo cuidando. Ela passava mal, vivia bastante tempo internada, só uma mãe mesmo para se dedicar. Tive que pedir as contas porque é cardiopatia grave", conta. "Não pensei duas vezes. Em primeiro lugar estão meus filhos, o trabalho era o menos importante". Ela pretende voltar a trabalhar e estudar, mas só quando tiver certeza de que a menina pode ficar bem sem sua presença.
Fabiano conversou com o patrão, que lhe deu férias, mas a família não sabe o que vai ser daqui para frente, já que não há previsão de alta para Isabelly. "A gente deixou praticamente tudo para trás, largou a casa com os meninos e minha sogra". A expectativa é que ele consiga tirar algum tipo de licença. "Não quero ficar longe, tem dia que é bem pesado pelas intercorrências, no dia de levar ela para o centro cirúrgico minha esposa passou mal. Quero ficar para dar suporte".
Marcoênia e Fabiano só saem do hospital para almoçar e dormir. À noite ela fica na Associação dos Amigos da Criança com Câncer (Amicc) e ele na Casa Abrigo da Associação João Paulo II. "Se não fosse esse suporte a gente estaria de mãos atadas, porque o custo com pousada e hotel é bem alto, não tem como pagar diária todos os dias. Eu praticamente só vim com a passagem", fala o pai.
Eles deixaram em Teresina os filhos Taynara e Matheus, de 19 e 13 anos. "Ficaram tomando conta da casa. A família se uniu, um ajudando o outro. A gente está sempre em contato com eles, minha mãe ajuda, quando falta a alimentação ela compra. Foi um impacto para todo mundo, é a primeira vez que a gente faz essa separação grande".
Como toda mãe, Marcoênia lembra dos outros quando questionada sobre o que espera para o futuro. "Espero mais saúde, que nossos governantes deem mais atenção a esses bebês com cardiopatia. Eles são fortes, lutam mais que a gente. Minha filha teve chance, mas tem muitos que não têm", desabafa. Como o Diário já mostrou, por ano nascem no Brasil 20 mil crianças com problemas congênitos no coração, mas menos da metade terá acesso ao tratamento cirúrgico.
Ela se emociona ao dizer que os filhos representam tudo em sua vida e acredita que vai valorizá-los ainda mais, bem como o marido e a família. "O que eu espero para minha família é que, depois de tudo isso que nós estamos passando, a gente fique mais próximo. O coração fica apertado, é uma agonia que não passa, a gente não consegue nem dormir", lamenta, sobre o risco de vida que Isabelly enfrenta.
Fabiano espera estar em breve com toda a família reunida de novo. "Quero levar a Isabelly para casa com saúde".
Uma pausa na carreira
Fernanda Salloume Sampaio Bonafé Navarrete, de 31 anos, concluiu o doutorado em Odontologia. Os planos eram seguir para o pós-doutorado e fazer carreira como professora universitária. Clarice, de dez meses, chegou e mudou tudo. Ela nasceu com tetrassomia, condição em que o bebê tem um cromossomo a mais. A criança demora mais para se desenvolver por conta de alterações neurológicas e pode apresentar outras condições, como problemas de visão.
Para cuidar da pequena, Fernanda deixou o trabalho. Ela acredita que independentemente das circunstâncias, a vida dos pais muda por completo com a chegada de um filho. "No caso de um filho especial, acredito que a rotina se altere um pouco mais, pois agregam muitas visitas médicas, muitos exames, muita terapia. E não é apenas ir à terapia, é aprender a repetir em casa diariamente, incessantemente", afirma. Na rotina, conta com o apoio do marido André Renato Ferreira Navarrete, policial militar de 35 anos e pai da pequena.
Clarice faz acompanhamento na Apae, na AACD e na Reikilibre, além de aulas de natação. Fernanda se surpreendeu positivamente com a rede de apoio existente em Rio Preto para as crianças que necessitam.
A tetrassomia foi diagnosticada quando a bebê tinha um mês e meio de vida. "Dois anos na minha vida não fazem muita diferença, mas para ela são essenciais. Ela representa a felicidade e o aprendizado diário de como a vida é um presente", declara Fernanda.
"Ninguém planeja ser uma mãe especial, simplesmente acontece. Não se tem tempo para pensar sobre isso, temos que ser rápidas para abrir, pois cada dia sem ajuda é uma perda para eles", conclui.