Em fevereiro de 2018, House of Cards completará cinco anos de sua estreia. Cinco anos que a Netflix deu o primeiro passo para um modelo de distribuição de conteúdo e entretenimento que vem revolucionando a mídia. Parece, ao mesmo tempo, pouco e muito tempo. Muito tempo desde a estreia e pouco tempo para todas as transformações que seguiram.
De lá para cá, a Netflix se tornou uma das maiores produtoras e distribuidoras de conteúdo em todo o mundo, com 2017 como o ano em que ela se estabeleceu completamente. A produção de material original continua crescendo, com centenas de séries, filmes e especiais lançados só neste ano e bilhões investidos. Era uma ou mais novidades todas as semanas, tornando quase impossível para o público acompanhar.
A estratégia acabou influenciando o início de uma série de serviços semelhantes, como Amazon Prime Video - que já está no Brasil - e Hulu - ainda inédito por aqui. Emissoras de televisão estabelecidas, como HBO e CBS (essa só nos Estados Unidos) também se viram obrigadas a mudar sua estratégia.
A HBO lançou recentemente no Brasil o HBO Go, serviço de streaming que permite aos usuários acesso às produções do canal sem a necessidade de ter uma TV por assinatura. Agora, não é mais necessário pagar um valor exorbitante por um pacote cheio de canais simplesmente para poder assistir a Game of Thrones, por exemplo. Basta assinar o serviço e curtir junto com todo mundo, se quiser.
O efeito dessa revolução do streaming foi sentido, incialmente, nas séries. Elas eram o foco inicial de produção. No entanto, com a mudança do perfil dos telespectadores, que já não adquirem DVDs e Blu-Rays como antigamente e buscam seus filmes nas plataformas digitais, o cinema vem sentindo cada vez mais o impacto das novas tecnologias.
Tanto que a janela de tempo entre o lançamento de um filme nos cinemas e sua chegada às plataformas digitais de aluguel e compra está cada vez menor. Mas esse intervalo tende a reduzir ainda mais, com a possibilidade de lançamentos simultâneos se tornarem ainda mais comuns. E não estamos falando apenas de lançamentos bancados pelos próprios serviços de streaming, que também vão para as salas de cinema quando há intenção de concorrer a premiações.
Um exemplo dessa mudança de visão do mundo coorporativo de entretenimento é o filme Aniquilação, do diretor Alex Garland. A produção vem cheia de calibre, com Garland extremamente elogiado por seu trabalho anterior - Ex-Machina -, um elenco de peso liderado por Natalie Portman, e baseada em um livro de sucesso do escritor Jeff VanderMeer.
Mas a estranheza do projeto, que acompanha uma cientista buscando respostas em uma misteriosa zona de desastre ambiental, a Área X, fez com que o estúdio que está bancando a conta, a Paramount, repensasse sua estratégia. A ficção científica, que chega aos cinemas norte-americanos no dia 23 de fevereiro, deverá ter seu lançamento mundial realizado pela Netflix, chegando a alguns mercados até 17 dias antes dos Estados Unidos.
Aqui no Brasil ainda não ficou claro como será o lançamento. A Paramount continua anunciando a estreia do filme nos cinemas para o dia 22 de fevereiro e a produção não está listada entre as novidades da Netflix.
A justificativa para isso é que a Netflix, com seus milhões de usuários em todo o mundo, dará uma visibilidade muito maior para o filme, possibilitando que ele encontre seu público mais facilmente que um lançamento nos cinemas em países que não são tradicionalmente consumidores de ficções científicas que fogem do espectro dos blockbusters e franquias.
A mudança é, ao mesmo tempo, positiva e negativa. Enquanto esse tipo de lançamento traz a vantagem, justamente, de chegar a um público maior, ele também reduz cada vez mais a disponibilidade de filmes originais e diferenciados nas telonas de países que não são os Estados Unidos, deixando os cinemas cada vez mais homogêneos, dominados por marcas conhecidas como super-heróis, adaptações de clássicos da Disney e Star Wars.
Não que eu esteja reclamando de um filme de super-herói ou um novo Star Wars por mês, mas diversidade e opções não fazem mal a ninguém.
Futuro
O futuro é online e não há como negar e há uma infinidade de novos jogadores prestes a entrar neste mercado.
Recentemente, a Disney anunciou que pretende investir em um serviço de streaming próprio. Quem também está de olho neste mercado é a Apple, outra empresa que não costuma brincar em serviço. Os planos aumentar o investimento em conteúdo original até US$ 4,2 bilhões em 2022 na tentativa de dar nova cara para o serviço Apple Music, deixando de ser algo focado apenas em música.
Há rumores, ainda, de que o próprio Facebook estaria interessando em criar conteúdo original. Pode preparar o bolso.
Mesmo com todas as mudanças que o mercado vem sofrendo, a produção de filmes originais pelos serviços de streaming ainda sofre para ganhar o mesmo reconhecimento que as séries. Até agora, a Netflix não conseguiu nenhum longa que pudesse ser chamado de fenômeno como aconteceu diversas vezes com séries como Orange is the New Black, 13 Reasons Why e Stranger Things.
Já sua concorrente, a Amazon, conseguiu sucesso atuando como produtora de longas, mas evitando a exclusividade de lançamento apenas em sua plataforma de distribuição de conteúdo. Com isso, ela se tornou o primeiro serviço de streaming a conquistar uma indicação Oscar de melhor filme com Manchester à Beira-Mar, que ainda venceu nas categorias melhor ator e melhor roteiro original.
Reduto
A ida de Aniquilação para a Netflix é só mais um caso de cineastas com uma visão mais única que encontram em serviços de streaming sua oportunidade de criar com mais de liberdade. Só para citar dois exemplos, Bong Joon-ho, do excelente Expresso do Amanhã, e Angelina Jolie optaram por lançar seus novos projetos, Okja e First They Killed My Father, respectivamente, pela Netflix em 2017.