A busca por uma alimentação perfeita tem levado muitas pessoas a um sério transtorno alimentar: a ortorexia. O problema foi descoberto na década de 90, pelo médico Steven Bratman. Mas o curioso é que ele mesmo foi o primeiro paciente. Isso porque aquilo que inicialmente parecia apenas uma preocupação com alimentação saudável, tomou proporções exageradas no consumo de alimentos frescos, com melhor qualidade de nutrientes.
A nutricionista Ione Leandro, de São Paulo, explica que ao contrário da anorexia ou bulimia, a pessoa com ortorexia não se preocupa com o peso, mas com a qualidade dos alimentos. “Os pacientes tentam encontrar a alimentação perfeita, e não equilibrada. A pessoa se preocupa com tudo que leve à perfeita qualidade, mas muitas vezes a alimentação perfeita não é viável”, explica. “Perfeição é a palavra chave para a pessoa com ortorexia, e o critério para que o alimento entre na lista do ‘não permitido’ varia de acordo com o que o próprio paciente considera ideal e perfeito. Existem semelhanças no que diz respeito a açúcar, sal, ovos, gorduras e alimentos com agrotóxicos, entre outros”, observa Ione Leandro.
A psicóloga cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira, de Rio Preto, afirma que a ortorexia também é uma variante do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), já que a pessoa pode se tornar obsessiva à ritualização, organização, limpeza, checagem ou a ideias delirantes de contaminação.
A nutricionista Patrícia Chiodini, especialista em Nutrição Clínica e Master Coach de Emagrecimento Consciente, destaca que devido ao imenso pavor que sentem com a possibilidade de ingerir algum alimento “inadequado”, geralmente os ortorexos seguem uma dieta extremamente restritiva e, por consequência, inadequada em vários nutrientes, o que pode levar à desnutrição e isolamento social. “O paciente inicia uma busca obsessiva por normas de alimentação saudável, muitas vezes influenciado pela mídia que, diariamente, divulga dietas e alimentos especiais para garantir a saúde, retardar o envelhecimento ou prevenir o câncer, entro outros. Também são influenciados por celebridades, que divulgam hábitos alimentares inadequados”, afirma.
Segundo Patrícia, a síndrome também pode estar relaciona à preocupação com a forma de preparo e os utensílios utilizados na preparação dos alimentos. “Neste caso, comer fora de casa é considerado um problema. Os pacientes evitam reuniões sociais e jantares para não ‘cair na tentação’ de ingerir outro tipo de produto, pois sentem grande culpa quando as ‘regras’ são quebradas”, diz.
TOC
Mara Lúcia Madureira explica que os ortorexos gastam muito tempo pesquisando sobre a origem e pureza de cada alimento, lendo os rótulos, cultivando e colhendo seus próprios alimentos – tudo para garantir a excelência nutricional e grau de pureza alimentar.
“Em casos mais graves, mastigam 50 vezes cada porção e comem pouco, a fim de continuarem com o estômago vazio. Há também a questão do alto custo deste transtorno, uma vez, que a escolhas alimentares são caras e inacessíveis a pessoas com baixa renda, o que causa um outro tipo de estresse, aumentando ainda mais a ansiedade”, observa a psicóloga. Como qualquer obsessão, o paciente pode ter perda de peso rápida, apatia, intolerância, irritabilidade e depressão.
Desnutrição
Os ortorexos deixam de respeitar o equilíbrio saudável que a variedade de alimentos garante ao organismo, o que pode resultar em desnutrição e, principalmente, em mais momentos de fome durante o dia. “Quando convivem com essa obsessão, as pessoas excluem de forma radical a possibilidade de consumo de sal, açúcar e gordura, o que muitas vezes leva-os à exclusão de alimentos ricos em gorduras boas. Também excluem certos grupos como carnes, laticínios e carboidratos, sem fazer a substituição adequada. A principal consequência é a carência nutricional, como anemia, desnutrição, deficit de vitaminas e minerais”, diz Patrícia Chiodini.
A nutricionista Ione Leandro observa que a restrição de nutrientes (fontes de macro e micro nutrientes) podem gerar gastrites, distúrbio intestinais, anemias e intolerância a alguns alimentos considerados impróprios.
Vida social
Segundo a psicóloga Mara Lúcia Madureira, pessoas com transtornos obsessivo-compulsivos dessa natureza justificam suas ações com explicações eruditas sobre a qualidade nutricional e se tornam excelentes pregadores de uma consciência nutricional evoluída. Também são pessoas obsecadas pela “conversão de novos adeptos” ao estilo de vida perfeito e “salvador do indivíduo”, além de um “modelo a ser seguido” pela humanidade.
“A obsessão pode evoluir ao ponto de a pessoa não comer fora por desconhecer a procedência dos alimentos ou o modo de preparo. Em casos mais graves, exige-se a preparação de alimentos em panelas de cerâmica e com colheres de bambu. Mais grave ainda, quando evolui para a crença de que o cozimento compromete o valor ‘etéreo’ dos alimentos”, diz.
As bases neuroquímicas desses comportamentos estão relacionadas às disfunções de dopamina, serotonina e do sistema adrenérgico, fazendo com que a pessoa tente minimizar as obsessões através de comportamentos ritualísticos acerca do cultivo e preparação dos alimentos. “Geralmente escolhem lojas ecológica e politicamente corretas de alimentos orgânicos. Fazem longos e repetitivos discursos que justifiquem ações irracionais, para encobrir inseguranças maiores, como o medo de contrair doenças pela ingestão de hormônios presentes na carne animal e alimentos transgênicos, de se contaminar com alimentos não-orgânicos ou se intoxicar com agrotóxicos, por exemplo”, afirma.
A nutricionista Ione Leandro diz que essas pessoas se distanciam dos âmbitos sociais e podem inclusive perder vínculos com amigos e familiares devido à dificuldade de aceitação da continuidade de rotinas vividas anteriormente com a ingestão de diversos alimentos que então se tornaram “proibidos”.
“O paciente com a ortorexia também sofre prejuízos na vida social. Frequentemente, evita reuniões sociais que envolvam comida, porque a maioria não ingere nada que seja preparado fora de casa ou por pessoas desconhecidas. Com isso, festas, jantares, passeios em restaurantes, bares, sorveterias, ficam praticamente excluídos da rotina do indivíduo. A rotina familiar também pode ser prejudicada, porque geralmente o portador quer impor sua crença a outros membros da família”, observa Ione
“Esta restrição imposta pelo paciente pode torná-la mais distante de seus amigos e familiares e ainda proporcionar oscilações de humor que podem prejudicar seu estado psicológico no exato momento da restrição ou no futuro. Essa pessoa busca uma dieta perfeita e escolhe viver apenas para isso”, finaliza.
Tratamento
O tratamento para esse e outros distúrbios alimentares é o acompanhamento com uma equipe multiprofissional, incluindo nutrólogo, psiquiatra, nutricionista e psicólogo. Abrangendo tanto a correção das deficiências nutricionais como a terapia comportamental. “O apoio dos familiares e amigos é fundamental para que essa pessoa gradativamente permita-se consumir alimentos que antes eram ‘exterminados’ do seu plano alimentar. Mas é importante que o ortorexo reconheça que está vivenciando um transtorno, para avaliar as causas e fundamentos que resultaram em tal consequência”, diz Patrícia.
Mara Lúcia indica tratamento realizado por uma equipe interdisciplinar, que pode vir a ser formada por nutricionista, psiquiatra e psicólogos.